Da mesma forma como ocorreu em junho de 2013, surgem, num primeiro momento, comentários mais superficiais sobre as manifestações de 15 de março que, naturalmente, aos poucos vão se aprofundando. São fenômenos novos que estão ocorrendo na jovem democracia brasileira, que embora possam ter relação com acontecimentos de outras épocas – como por exemplo, a de 1964 -, há que se considerar a diferença de contexto.
Este texto toma como base dois estudos baseados em pesquisa de opinião. O primeiro é uma parceria entre a Associação Americana de Política e a Fundação Getúlio Vargas (2000/10) e o outro uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo (FPA) realizada durante as manifestações dos dias 13 e 15 de março em São Paulo.
Contudo, é importante resgatar alguns traços gerais da cultura política brasileira, que historicamente é antipartidista (acredita mais nas pessoas que nos partidos), é patrimonialista (confia mais nas influências pessoais do que nas instituições). Além disso, o sistema partidário brasileiro se destaca pela sua fragmentação de partidos pouco estruturados com base social enraizada e muita volatilidade. O atual período democrático já tem 30 anos, é o maior período de democracia da nossa história, mas ainda é jovem e não conseguiu superar os resquícios históricos e culturais do autoritarismo e do antipartidismo.
O PT é o principal partido brasileiro do período atual, nasceu junto com a democratização e sempre teve papel central nas posições e decisões políticas dessas três décadas. Como afirmou André Singer (2001), o PT pode ser considerado a “espinha dorsal” do sistema partidário brasileiro, pois os outros partidos e a sociedade se posicionam à direita ou à esquerda do posicionamento do PT.
Nessa trajetória de 35 anos do PT, ocorreram mudanças importantes no perfil das bases, contudo, os petistas continuam acompanhando deforma coerente a posição do partido em temas como aprovação do governo federal, reforma política, contra a maioridade penal, contra a criminalização do aborto, a favor do casamento homoafetivo e assim por diante. Os petistas, quando não têm opinião formada sobre um tema, ao saber da posição do partido, passam a concordar com ela, diferente dos outros partidos que têm uma fidelidade mais frouxa. Isso se aproxima da característica clássica do eleitor “partidário ritual”, em que a posição do partido serve como “atalho” para sua posição pessoal.
Contraditoriamente, 55% dos eleitores se dizem antipartido e aproximadamente 20% destes se dizem antipetistas (podendo chegar a 12% do eleitorado, praticamente o mesmo percentual dos petistas nos piores momentos de crise). Os antiPTs são menos interessados em política e menos engajados em organizações da sociedade civil que os petistas. Ao mesmo tempo, têm alta rejeição a Lula e Dilma (8 em cada 10 antipetista rejeita também Lula e 7 em cada 10 rejeita também Dilma). Eles preferem um regime militar à democracia, não crêem na efetividade do voto, dão muito valor à corrupção como principal problema, são contra políticas sociais, contra a taxação das grandes fortunas, contra o programa Bolsa Família, contra as cotas etnoraciais, contra o programa Mais Médicos, no entanto, têm uma menor rejeição ao programa Minha Casa Minha Vida, ao aumento de salário mínimo e ao salário dos aposentados.
A pesquisa da FPA foi feita durante as manifestações dos dias 13 e 15 de março apenas em São Paulo, por isso, deve-se tomar cuidado com a generalização desses dados. Os dados podem ser reunidos em três blocos: perfil, posicionamento e opinião frente a alguns temas. Quanto ao perfil dos manifestantes, no dia 15 eram mais jovens, mais escolarizados, mais brancos e de maior renda e 43% disseram não ter preferência partidária; enquanto que os do dia 13 são mais interessados em política e mais engajados em movimentos sociais e somente 13% não têm preferência por partido. Outra característica importante é sobre a forma com que se mantêm informados. Praticamente não há diferença entre os dois grupos, ou seja, metade de ambos tem a Internet como principal fonte de informação, 25% a TV e 12% jornal. A diferença principal está na forma com que foram mobilizados para as manifestações, onde 75% foram convocados para o dia 15 de março através das redes sociais, contra apenas 23% no dia 13, cujo principal meio de convocação foram os sindicatos, movimentos e partidos (29%). Portanto, pode-se dizer “grosso modo” que os manifestantes antiPTs são digitais e os petistas são mais analógicos.
Sobre o posicionamento dos manifestantes, 71% se identificaram como de esquerda no dia 13, contra apenas 42% de direita (dentre esses 12% de extrema direita) e 36% de centro. Obviamente, a maioria no dia 13 era a favor do governo, da democracia, da Petrobrás, da educação, dos movimentos sociais, mais otimistas com o futuro do Brasil, acham que Dilma está cumprindo o que prometeu e estão satisfeitos com o Brasil. Com os manifestantes do dia 15 deu-se o inverso, motivados pelo tema da corrupção, defendem o impeachment, são contra o PT, pela reforma política, desaprovam o governo, são mais ou menos pessimistas, acham que Dilma cometeu um estelionato eleitoral e que há alto risco de inflação, desemprego e que a Presidenta não terá capacidade de resolver esses problemas. Até aqui é mais ou menos óbvio que no calor das manifestações e especialmente em São Paulo essas opiniões estejam bem divididas e polarizadas e, de modo geral, estão coerentes com o outro estudo apresentado, cujas características vêm sendo acompanhadas ao longo da última década.
Em terceiro lugar, os temas que mais chamam atenção são a corrupção e o autoritarismo. Assim, 56% dos manifestantes do dia 13 afirmam que “a corrupção aparece mais porque está sendo combatida” e 68% dos manifestantes do dia 15 acham que “a corrupção aparece mais porque está tendo mais corrupção”. Sobre o autoritarismo, 12% dos manifestantes paulistas do dia 15 consideram que em certas ocasiões uma ditadura seria melhor que a democracia. Parece que esse é o núcleo duro do antipetismo, o núcleo que tem valores antidemocráticos, que se posicionam contra políticas sociais, enfim, que tem postura ideológica radicalmente oposta ao PT, ou seja, são antipetistas rituais.
Pode-se dizer que as manifestações de 15 de março foram organizadas pelo núcleo duro de antipetistas e que mobilizou mais gente em função da conjuntura. Esse sentimento aflorou ainda no primeiro turno das eleições de 2014, a partir da tática tucana, quando seu candidato por não ter mais nada a perder, abandonou a política e se aclamou como única alternativa aos que queriam “tirar o PT do poder”. O segundo fator foi quando o governo federal tratou as medidas econômicas como eminentemente técnicas, anunciando um pacote fiscal para sinalizar para o mercado e ignorando o clima político polarizado que estava latente desde as eleições. Isso permitiu aos descontentes se juntar aos odiosos e assim tornou possível o dia 15 de março de 2015.
Desse modo, se por um lado o companheiro Lula tem razão quando afirma que “eles” nos odeiam pelo que fizemos de bom, e não pelos nossos erros, ao mesmo tempo, temos que ter humildade e aprender com nossas falhas e enfrentar alguns desafios: primeiro ficar atentos e entender melhor esse processo de rejeição ao PT, que tem conteúdo e forma diferente do período em que éramos oposição; em segundo lugar, não menosprezar o tema da corrupção (o PT deve ser mais rigoroso e ágil na punição de filiados envolvidos) e se envolver num amplo processo de mobilização pela reforma política, incluindo o máximo de entidades da sociedade civil e ao governo cabe combater a corrupção pública e privada, levar adiante o pacote anti-corrupção anunciado, com transparência e controle social; em terceiro lugar é necessário levar em conta que definitivamente não há solução econômica que não passe pela política e que devemos tomar o cuidado para não empurrar uma massa de descontentes para a rua sob o comando do núcleo duro dos antiPTs; e, por fim, apostar num amplo debate do 5º Congresso Nacional do PT que acumule num ousado projeto petistas para o futuro do Brasil, capaz de encantar e nos colocar novamente em diálogo, especialmente com a juventude.
José Roberto Paludo é integrante do Diretório Nacional do PT