Estamos a menos de um mês do V Congresso do Partido dos Trabalhadores e a efervescência dos debates começa a criar forma.
No IV Congresso, o PT saiu comemorando três avanços simbólicos nas lutas pela igualdade e pela diversidade: a aprovação da paridade entre homens e mulheres e as cotas geracional e étnico-racial. Esses avanços fortaleceram o lema que o PT carrega desde a sua fundação: Não existe socialismo enquanto existir machismo, homofobia e racismo.
O PT sempre defendeu que, para além dos avanços econômicos e no plano da justiça social, era preciso avançar no campo simbólico e comportamental, na disputa de valores. Portanto, avalizar direções com equidade e diversidade garante que novos olhares e experiências contribuam para renovar nosso projeto. Essas medidas passaram a valer no último PED, com o inicio da gestão em 2014.
Com o difícil cenário que o partido enfrenta, vem crescendo internamente a ideia de culpar a direção atual por esses problemas, já que não estaria respondendo à altura os desafios do momento, o que tem dado espaço para o questionamento desses importantes avanços. Um discurso fácil que vem ganhando força aponta para a necessidade de mudança na composição das direções do PT, suprimindo a decisão do IV Congresso porque, vejam só, a paridade e as cotas não garantiram os dirigentes preparados para enfrentar os desafios atuais.
É nítida a crise das direções e, mais precisamente, os impasses que vivemos na organização e na ação partidária. Longe de negar isso, é preciso entendê-la e criar as condições para superá-la. O que não pode acontecer é que nossas dificuldades sejam debitadas na decisão, acertada, diga-se de passagem, de incluir um novo perfil no PT.
Todo dirigente tem o seu grau de responsabilidade nesse momento, mas atribuir aos jovens, às mulheres e aos negros e negras uma responsabilidade que é de todo o partido é de um simplismo de análise sem igual, que desconsidera a crise política de 2005, a (ausência) de reação diante da Ação Penal 470, a atuação nos parlamentos e administrações, seja na situação ou na oposição. É desconsiderar as mudanças na sociedade, no Brasil e no mundo. É, em outro olhar, isentar aqueles que desde sempre dirigiram o PT, como se um estalar de dedos fosse capaz de desencadear os dilemas nos quais o PT se encontra.
O suposto “rebaixamento de perfil” das direções não pode ter como causa uma regra que até agora alterou bem pouco a correlação de poder e de tomada de decisão. Quem está no dia a dia das direções sabe que o empoderamento dos setores incluídos pelas políticas afirmativas ainda é quase uma exceção em nosso partido. Ou seja, ainda são os mesmos dirigentes que tem o poder de decisão de fato e os poucos empoderados vem cumprindo suas tarefas de maneira tão ou mais qualificada. O deslocamento do centro decisório, por si só, esvazia as instâncias partidárias e esse é apenas um dos elementos que de fato enfraquecem nossas direções.
As jornadas de junho de 2013 trouxeram à tona uma nova conjuntura política. Marcadas pelo perfil anti-institucional, colocou em xeque nosso sistema político e expôs a urgência de aprofundar as mudanças iniciadas em 2002. Longe de qualquer negação do realizado na primeira década dos anos 2000, era uma demanda explícita do que vinha depois. Empurrou a necessidade de um novo ciclo de mudança.
No entanto, até agora não conseguimos sinalizar esse rumo para a sociedade. As manifestações evidenciaram os limites de nossa estratégia atual e ainda não conseguimos orientar uma nova linha estratégica. O futuro do PT e dos governos democrático-populares dependem da capacidade de nos entendermos enquanto partido síntese, híbrido do novo com o tradicional.
Mas, em um cenário no qual nossas direções não garantem a renovação e a transição, é possível superar os novos desafios que a nova conjuntura nos traz? Ora, vivemos justamente uma crise geracional, de baixo sentimento de representação das mulheres, com poucas lideranças negras e indígenas ocupando espaços de destaque. Crise essa que se estende para a sociedade e às suas instituições em geral.
É cada vez mais latente o vácuo político fruto do fim de um ciclo social. Para responder a isso, é fundamental termos uma direção com peso político, formado por lideranças experientes, quadros em que a sensibilidade política é inegável. Assim como é fundamental dialogar com o novo período, aumentando a representatividade e incorporando as novas demandas. Se é fato que muitos “cotistas” não estão “à altura dos desafios”, convenhamos que não são menos os chamados “homens, brancos e velhos” que ficam aquém da necessidade de superação histórica que o período exige.
Erra quem pensa que modificar as direções, retrocedendo na participação, mudará o cenário ou nos preparará para lutas futuras. Longe de “guetizar” a solução, a saída para a crise de modelo é a conjunção das experiências, a diversidade das vivências. Uma composição que agregue, amplie e vise o fortalecimento de um projeto político.
Erraremos se persistirmos em não enfrentar o novo e estabelecer narrativas que apontem para o futuro e um novo ciclo de desenvolvimento para o país. É preciso que o PT compreenda esse momento como uma oportunidade de abrir-se para modelos mais amplos e de fortalecimento, tanto da estrutura partidária quanto do empoderamento destes diversos e novos atores, à frente das direções.
A proposta da criação de um Conselho Político que assessore, aconselhe e discuta a conjuntura política cotidianamente junto à Direção Nacional pode ser um modelo que aponte para a amplitude que tanto necessitamos para reinventarmos nosso projeto político. Um Conselho abrangente, formado por integrantes expoentes históricos do nosso partido, movimentos sociais e populares, intelectuais, economistas, movimentos mídia-livristas, jornalistas, movimentos culturais, enfim uma gama de atores e atrizes que representem a diversidade e setores que sempre depositaram confiança e construíram o projeto conduzido pelo nosso partido, mas que estão cada dia mais afastados.
Outro ponto importante para reflexão é reestruturar e fortalecer as pastas temáticas da direção, retomando assessorias políticas qualificadas, com garantia de orçamento mínimo discutido em colegiado e aprovado pela Comissão Executiva Nacional, a partir da apresentação de um plano de trabalho que defina metas e ações partidárias destas pastas.
Entendemos que estas duas ações, simples do ponto de vista organizacional, são fundamentais para os atuais desafios colocados em nosso horizonte político-estratégico.
Iniciarmos os debates último Congresso interno não tem nada a ver com fortalecer ou resolver “problemas”. Tem a ver com retomar privilégios, garantir o mais do mesmo e manter uma estrutura de poder que o PT sempre se propôs a destruir.
A ousadia e a coragem de fazer o que nunca foi feito são nossos patrimônios. E está aí o caminho para dialogar com as novas bandeiras das brasileiras e dos brasileiros, o caminho é dar protagonismo a nossa diversidade. Não vamos retroceder.
Assinam este texto:
1. Erik Bouzan, Secretário Municipal de Juventude do PT de São Paulo
2. Debora Pereira, Membro do Diretório Nacional e Secretária Municipal de Organização do PT de São Paulo
3. Juliana Borges, Secretária Municipal de Mulheres do PT de São Paulo
4. Maria Alice Vieira, Militante do PT – São Paulo/DZ Pinheiros