Exatamente 50 anos após o assassinato do estudante Edson Luís de Lima Souto pela Ditadura Militar no Rio de Janeiro, a esquerda brasileira demonstrou unidade em um ato histórico no centro de Curitiba na noite desta quarta-feira (28), em defesa da democracia e contra a escalada fascista no país que se manifestou em ataques à caravana de Lula pelo Brasil.
O evento suprapartidário também marcou o final da etapa sul da caravana, após percorrer os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Lula se encontrou com o povo curitibano, recebendo o apoio de lideranças políticas como a pré-candidata do PCdoB, Manuela D’Avila; do pré-candidato do Psol, Guilherme Boulos; da presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, entre outras lideranças.
Também esteve presente a senadora Regina Sousa (PT-PI), o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT-SP), a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), o senador Humberto Costa (PT-PE), o senador Paulo Rocha (PT-PA), o senador do PSB João Capiberibe, o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), o deputado federal Carlos Zarattini, o presidente do Psol Juliano Medeiros, entre outros.
Antes de falar, Lula deu espaço para a quilombola e estudante de direito Isabela contar um pouco de sua história. Ela disse que pensava há 15 anos o que poderia dizer um dia a Lula, falou da violência contra as mulheres negras, dos jovens negros assassinados, e defendeu a democracia.
Lula afirmou que ainda tem duas caravanas para fazer, uma pelo centro-oeste e outra pela região norte, e contou que esse projeto surgiu após as eleições de 1989, quando percebeu que na campanha eleitoral não conseguia conhecer o país de verdade.
“Resolvi que se eu quisesse governar o Brasil atendendo às aspirações do povo, eu teria que conhecer profundamente a alma do povo e fazer as caravanas.”
Lula contou do percurso da viagem pelo sul, da perseguição de grupos fascistas desde a primeira parada na cidade de Bagé, que se repetiu em outras cidades como Santa Marta, São Borja, Chapecó e São Miguel das Missões, além de ofícios enviados pelo próprio Ministério Público dizendo a reitores que não deveriam recebê-lo pois seria considerado ato político, ferindo a autonomia universitária.
Após relatar os tiros dos quais a caravana foi alvo na véspera, Lula afirmou que foi um crime com responsáveis. “Isso tem responsabilidade. Queria dizer que a imprensa foi conivente com isso o tempo inteiro. A imprensa e vocês sabem que eu tenho uma visão. O culpado e estimulador desse ódio no Brasil chama-se Rede Globo de televisão.”
“Eu já tenho mais de seis horas de Jornal Nacional falando mal de mim, tenho mais de 70 capas de revistas falando mal de mim, mais de 70 capas de jornais falando mal de mim. O que eles não se conformam é que quanto mais eles falam mal de mim, mais eu cresço nas pesquisas de opinião pública.”
“Ontem alguns até tentaram defender os ataques à caravana. Como essa imprensa brasileira tem complexo de vira-lata e a imprensa estrangeira atacou os fascistas, hoje todo mundo mudou de opinião.”
Lula lembrou que já participou de muitas campanhas e nunca, nem ele nem o PT estimularam atos violentos contra adversários. “Eu perdia eleições e ia para casa chorar minhas mágoas”, disse.
Lula defendeu o legado dos governos petistas, como o crescimento do PIB a 7,5%, a criação de 20 milhões de empregos, o aumento real dos salários das categorias profissionais e do salário mínimo, a construção de hidrelétricas, estradas e linhas de transmissão de eletricidade, além da Copa do Mundo e das Olimpíadas.
“Todos sabem que foram os bancos públicos que salvaram a economia brasileira porque eu coloquei dinheiro para financiar carro, bicicleta, coloquei credito para financiar trator, a economia. Formalizamos 6 milhões de microempreendedores individuais”, disse o ex-presidente.
“Temos que ter claro o que está acontecendo nesse país, não é brincadeira, estamos perdendo a soberania nacional. Uma nação é composta do seu território, suas florestas, sua água, mas a coisa mais importante é seu povo e a capacidade criativa desse povo. Parece que depois que encontramos o petróleo as empresas internacionais não se contentaram. Dissemos que 75% dos royalties era para a educação brasileira. A gente recuperou a indústria naval.”
“Não tenho nada contra a Lava Jato, tenho contra a mentira. Digo todo dia que estou sendo vitima de uma mentira do jornal O Globo, de uma mentira da Polícia Federal que fez um inquérito mentiroso, vitima do Ministério Público da Lava Jato que fez uma acusação mentirosa e vítima do Moro que aceitou uma peça mentirosa e fez uma sentença mentirosa.”
Lula desafiou o TRF4, a Polícia Federal, o Ministério Público a provarem qualquer crime que tenha cometido. “Não sei qual foi o político que roubou ou enricou. Se estavam acostumados a lidar com político que não tinha honra e caráter, encontraram um que tem honra e caráter. Eu to nessa luta para defender minha inocência e a minha honra. Eles sabem que o apartamento não é meu, não tem escritura, não tem recibo e nunca morei lá”.
“A única coisa que não posso fazer e que tenho medo é mentir para os trabalhadores. O cara que nasceu onde nasci, que viveu o que vivi, que mora onde moro, não pode ser acusado de ladrão por nenhum deles, porque se juntar tudo e colocar em uma prensa não dá o caldo de honestidade que dá o Lula.”
Lula afirmou que parte da perseguição que sofre se deve a falta de candidato daqueles que deram o golpe contra Dilma Rousseff, que não se conformam com a entrada de pobres, negros e negras na universidade. “Eu sinceramente acho que essa gente não tem coragem de colocar a cabeça no travesseiro e dormir com a tranquilidade que eu durmo”, afirmou ele.
“Eles sabem que eu tenho um compromisso com vocês, que a hora que eu ganhar as eleições vou fazer um referendo revogatório ou uma constituinte. Eles sabem que vou desfazer o desmonte e vamos federalizar o Ensino Médio, e quem ganhar até cinco salários mínimos não paga mais imposto de renda. Vamos cuidar desse país para voltar a ser alegre, para as pessoas voltarem a ter esperança, a pensar no futuro.”
“Eles acham que sou eu o problema desse país. Eles não sabem que o Lula é apenas um ser humano feito de carne e osso igual a vocês. O que eles não sabem, é que já tem milhões e milhões de homens e mulheres que pensam como o Lula, que eles não derrotam mais. Nós somos uma ideia e eles não conseguirão prender as ideias e os sonhos.”
“Quando eles acharem que eu não posso mais andar, eu andarei pela ideia de vocês. Quando acharem que minhas ideias não viajam mais, eu viajarei pela cabeça de voc6es. A melhor coisa que eles podem fazer é deixar o rio correr para o mar e aceitar a derrota que vamos impor a eles, para recuperar a auto estima desse país, voltar a fazer a integração da América do Sul, da América Latina.”
O ex-presidente terminou sua fala afirmando que o Brasil não pode ser exportador de commodities para sempre e precisa passar a exportar conhecimento. “Pode ficar certo que nunca tive tanta vontade de voltar para ensinar para essa gente que educação não é gasto, é investimento e investimento na educação é a única possibilidade desse país se tornar competitivo do ponto de vista econômico científico e tecnológico.”
A presidenta eleita Dilma Rousseff também falou dos atos de violência sofridos pela caravana e por militantes e afirmou que “temos que ficar atentos, porque muitos querem usar a violência como álibi para não ter eleição. Temos que ao mesmo tempo denunciar a violência e o ódio fascista e ao mesmo tempo defender o processo eleitoral.”
“Eles jogam com o ódio, com as mentiras, com a violência física, e nós usamos a verdade, nossa consciência, nossa capacidade de luta e resistência.”
“Nós vamos mais uma vez ganhar essa narrativa, como nós ganhamos a narrativa que prova que 2016 foi um golpe. Agora ganhamos a narrativa que a democracia está do nosso lado, que queremos uma democracia plena, que garanta oportunidades iguais para todos, e uma demo que tenha no dialogo sua maior força”, finalizou a presidenta eleita.
A pré-candidata do PCdoB à presidência, Manuela D’Avila, defendeu que “nós precisamos nos unir, precisamos lutar porque nossas ideias são à prova das balas que atiram, mas precisamos dizer que esse grande país, com potencialidades gigantescas, vencerá o fascismo e o ódio. Juntos, mulheres e homens, militantes democratas e progressistas, nós que amamos o Brasil precisamos nos unir.”
Guilherme Boulos, pré-candidato do Psol, lembrou que fazem duas semanas do assassinato da vereadora Marielle no Rio de Janeiro e afirmou que “esse mesmo clima de ódio e fascismo, essa escalada de violência foi a que atirou em Marielle, foi a que deu os tiros ontem na caravana, e isso é muito preocupante, isso deve nos chamar à unidade.”
“Na esquerda temos diferenças de posição e pontos de vista. É importante que seja assim. Agora essas diferenças não podem e não vão nos impedir de sentar a mesa para defender a democracia nesse país, para enfrentar o fascismo”, afirmou Boulos.
A presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, disse que a caravana foi um sucesso que se confirmou no ato em Curitiba. “Resolvemos transformar esse ato em ato suprapartidário em defesa da democracia, contra a intolerância, em defesa do estado democrático de direito”, explicou ela.
“Por isso temos tantos companheiros de tantos estados para falar conosco, e para falar que a democracia tem que ser defendida por todos que acreditam a justiça social. Independente das candidatura que vamos ter, a esquerda tem que estar unida para combater o fascismo, o retrocesso.”
“Temos que mostrar a essa gente intolerante que está nos prédios, para a Rede Globo, para os eleitores do Bolsonaro que fracassaram hoje com sua carreata, que apesar da violência não temos medo deles e estamos unidos. A luta e nossa causa pelo povo é mais forte que o ódio que nos destinam. Não é só ato de encerramento da caravana, é um ato pela democracia”, finalizou Hoffmann.
Lula pelo Brasil
A viagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos estados do Sul do país, em março, é a quarta etapa de um projeto que deve alcançar todas as regiões do país nos meses seguintes. No segundo semestre de 2017, Lula percorreu todos os estados do nordeste, o norte de Minas Gerais, o Espírito Santo e o Rio de Janeiro.
O projeto Lula Pelo Brasil é uma iniciativa do PT com o objetivo de perscrutar a realidade brasileira, no contexto das grandes transformações pelas quais o país passou nos governos do PT e o deliberado desmonte dos programas e políticas públicas de desenvolvimento e inclusão social, que vem sendo operado pelo governo golpista.
Da enviada especial à caravana de Lula pelo Brasil