O ataque do golpista Michel Temer à Empresa Brasil de Comunicação (EBC) não é uma ameaça apenas à comunicação pública, mas também à liberdade de expressão e a própria democracia, afirmam entidades e especialistas na área.
“A comunicação pública é um dos poucos respiros que existem para uma comunicação alternativa, para a formação da opinião pública, para a manutenção do contraditório no espaço público. Uma questão vital para a democracia”, afirmou o membro do Conselho Curador, pesquisador e jornalista Venício Artur de Lima.
Para a Frente em defesa da EBC e da Comunicação Pública, democracia e comunicação estão intrinsecamente ligadas. “A manifestação de toda a pluralidade de atores enriquece a democracia, ampliando a capacidade de encontrar soluções que contemplem toda a sociedade. Por outro lado, a ausência de diversidade cria falsas unanimidades e prejudica o debate público”, apontou a nota divulgada pela Frente logo após o golpe de Temer na EBC, quando retirou o diretor-presidente da empresa, Ricardo Melo, para colocar o jornalista Laerte Rímoli, ex-assessor da secretaria de comunicação de Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Porém, o ataque dos golpistas à EBC não se limitou à mudança na presidência da empresa. Temer mandou a nova diretoria quebrar os contratos dos jornalistas Sidney Rezende, Paulo Moreira Leite e Tereza Crunivel, ato que em muito se assemelha à censura, pois os demitidos questionavam as ações do interino e a legitimidade do processo de afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff.
Tereza Cruvinel, que implantou e presidiu a EBC por quatro anos, afirmou que é “flagrante” seu afastamento como retaliação ao fato de ter se posicionado publicamente contra a exoneração de Ricardo Melo.
“Não procede o argumento de mudança na programação, porque o programa em que eu atuava como entrevistadora, o “Palavras Cruzadas”, vai continuar sem mim. A alegação de contenção de despesas também não se sustenta. Contratos de valor muito superior ao meu, com profissionais que atuam em outros programas, estão sendo mantidos. Então, se a razão é política, é perseguição, é macarthismo, algo absolutamente incompatível com a conduta de uma empresa de comunicação publica”, argumentou.
Além das demissões, outro ato considerado arbitrário e feito sem diálogo foi o fim da parceria entre a TV dos Trabalhadores e a TV Brasil, da EBC, por decisão do interino de Temer na empresa.
A Fundação Sociedade, Comunicação, Cultura e Trabalho, mantenedora da TVT, enviou nota em que afirma estranhar o motivo da rescisão contratual: “Nos causa estranheza que, dentro de um contrato não oneroso para ambas partes, o termo ‘conveniência’ seja utilizado para encerrar uma parceria absolutamente vencedora. Nos perguntamos quais os reais interesses que movem o presidente interino da EBC a pautar essa rescisão contratual”.
O golpista Temer também cortou publicidades oficiais do governo federal destinadas a sites e blogs, que já tinham sido aprovadas para o ano de 2016. Um desses sites foi a do jornalista Sidney Rezende, SRZD. Ele lamentou o cancelamento e criticou o que chamou de “perseguições políticas ou ideológicas”.
“Jornalismo não existe para destruir reputações e, por isso, a indignação quando da existência de perseguições políticas ou ideológicas. Perversidade não faz parte do nosso manual de conduta”, escreveu em editorial.
Ao promover um desmonte na comunicação pública, Temer está atingindo diretamente a pluralidade na mídia, além de afrontar a própria Constituição Federal de 1988 que, em seu artigo 223, prevê a complementaridade entre as comunicações privada, estatal e pública.
“A lei que criou a EBC é a expressão desse artigo, na medida em que cria um sistema público e procura garantir sua autonomia”, ressaltou Lima.
E é essa autonomia da comunicação pública em relação ao mercado e aos governos que garante a pluralidade e a liberdade de expressão. Para isso que existe o Conselho Curador, explicou o jornalista.
“O Conselho Curador tem como função principal, definida na lei, garantir o cumprimento dos princípios e objetivos da lei. Desde que estou no conselho sua preocupação básica tem sido, como manda a lei, garantir a independência e autonomia da empresa para que ela faça comunicação pública, e não comunicação governamental”, contou.
O papel do Conselho Curador na garantia de uma comunicação verdadeiramente pública também foi enfatizado pelo Coletivo Intervozes, destacando que a EBC “não pertence ao Executivo nem a qualquer partido, mas à sociedade brasileira” e, portanto, “não pode ter seus alicerces legais e finalidades atingidas pelo governo interino”.
Em nota, o Intervozes questiona as razões do “desvirtuamento dos princípios, objetivos e missão da empresa, bem como qualquer ataque à Lei da EBC e ao projeto da comunicação pública”.
Para Venício de Lima, mesmo com a volta de Ricardo Melo à diretoria da EBC, por liminar concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, a ameaça continua.
“Embora interino, provisório, ilegítimo, nada impede que esse governo vá adiante e publique uma medida provisória que modifique a lei. Reafirmo que espero que isso não aconteça. Se acontecer, ficará mais claro ainda que o que ele quer, no caso da EBC, é destruir o projeto de construção de uma comunicação pública”, disse.
O pesquisador destacou que a EBC é importante e necessária no Brasil, principalmente “considerando que temos uma situação de prevalência total da mídia privada, que historicamente se constituiu através do controle de uns poucos monopólios”.
O ministro da Secretaria de Comunicação do governo da presidenta Dilma, Edinho Silva, concorda com o membro do Conselho Curador.
“Quando se pensou um modelo de comunicação pública, se criou a autonomia da EBC, por isso, a EBC tem mandato. A diretoria tem mandato para que ela tenha autonomia editorial, para que não haja ingerência governamental na linha da EBC. Quando você interrompe mandato, está transformando a EBC em comunicação estatal. Significa que quer mexer na produção de conteúdo, quer alterar a produção de conteúdo”, enfatizou.
Da Redação da Agência PT de Notícias