Espanto não é bem a palavra que define o que sente Ronnie Aldrin Silva diante da maior crise ambiental da história do Brasil. Ainda que os dados sejam alarmantes, com desmatamento recorde e queimadas a perder de vista, o geógrafo é pragmático para constatar o que só agora o Brasil e o mundo se deram conta: a destruição da Amazônia é uma tragédia anunciada.
Em entrevista à Agência PT, o especialista explicou porque o atual governo deve carregar a culpa por ter tirado o país do posto de referência mundial em políticas de preservação para transformá-lo no maior vilão ambiental da atualidade: “O governo Bolsonaro teve a habilidade de errar ao fazer e ao não fazer. Isso tudo gerou esta crise ambiental e, pode-se dizer, diplomática internacional. Ele não propiciou a mínima proteção que uma região de tamanha relevância mundial necessita, seja no tocante à mineração ilegal, ao desmatamento, às invasões de terras protegidas ou às violências contra os povos indígenas”.
Em suma, Aldrin Silva deixa claro que o desmatamento é justamente a consequência do que propunha o atual governo antes mesmo de Jair Bolsonaro (PSL) assumir a Presidência. De janeiro para cá, todas as medidas tomadas em relação ao Meio Ambiente eram alertas do colapso sem precedentes que está em curso: extinção do Fundo Amazônia, enfraquecimento dos órgãos de fiscalização, sucateamento do Ibama, ataques ao Inpe e submissão total aos interesses da Bancada Ruralista são só alguns dos pontos que explicam tamanho retrocesso.
E mais: caso a situação não seja controlada a tempo, o Brasil tal qual o conhecemos poderá deixar de existir. “No longo prazo há o risco trágico de parte da Amazônia colapsar caso o desmatamento avance para mais de 20% da floresta. Isso faria parte dela se transformar em savana (como na imagem a seguir) e afetaria os regimes de chuvas do Centro Oeste, que poderia ficar infértil. Vale lembrar que essa região fica nas mesmas latitudes globais de desertos como Atacama (Chile), Kalahari (África), Grande deserto australiano. Então sem a umidade amazônica que escoa para lá essa é a tendência geográfica da região.
1. Qual é de fato a influência estrangeira sobre a região amazônica e o papel das ONGs por lá?
Ronnie Aldrin Silva – A influência estrangeira na região amazônica é benéfica principalmente quando você tem um governo que está fragilizando a estrutura de proteção de todos os biomas brasileiros, não só da Amazônia. Nós podemos perceber que somente após a recente pressão internacional é que o governo de fato se mobilizou para combater os incêndios na Amazônia.
É óbvio que há biopirataria há séculos, começou com a borracha, mas este é um procedimento feito naturalmente à margem da legalidade e não por ONGs que atuam formalmente na região e que recebem fundos nacionais e internacionais pelos quais elas são obrigadas a prestar contas.
As ONGs na região geralmente atuam em parcerias com governos municipais, estaduais e também com o federal por vezes ou diretamente com as comunidades onde projetos de geração de renda e desenvolvimentos sustentáveis são tocados. Elas são as responsáveis por fazer o papel que o estado deveria fazer e nunca o fez na sua completude que é impedir a exploração predatória nos biomas brasileiros.
Amazônia, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica, Caatinga, Pampa…em todos estes biomas há ONGs atuando para a proteção do meio ambiente.Isso de culpabilizá-las é uma tentativa patética do governo federal de ir contra quem enfrenta os interesses do agronegócio e da mineração ilegais no país.
Naturalmente não deveremos ser ingênuos. Há, sim, um incômodo de setores agrícolas europeus com o possível acordo UE-Mercosul como França, o de carne, da Irlanda. Mas infelizmente para nós brasileiros os líderes europeus estão corretos em suas alegações de que o governo está atuando de forma negligente na Amazônia.
2. A extinção do Fundo Amazônia trará quais impactos para a região?
RS – Segundo o decreto 6527/O8, o Fundo Amazônia capta doações para executar ações de proteção, monitoramento, combate ao desmatamento e de promoção da conservação e do uso sustentável da floresta e bioma amazônico.
A ideia do Fundo foi lançada pelo Brasil durante a Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, a COP, há 13 anos, em 2006. O Fundo é gerenciado pelo BNDES e possui ou possuía dois comitês: o orientador, responsável pela aprovação dos projetos e aprovação de contas dos mesmos e o técnico, responsável por mensurar a redução efetiva da emissão de carbono provenientes dos desmatamentos. É desse cálculo que sai os valores dos recursos que os países devem contribuir.
A extinção de ambos os comitês pelo ministro Ricardo Salles foi o gatilho que deixou de orelha em pé os principais contribuintes do fundo, que são Alemanha e Noruega. Estes países foram responsáveis por 99,5% dos mais de R$ 3 bilhões que foram despendidos em mais de 100 projetos destinados à proteção do bioma que registra a maior biodiversidade do planeta.
É importante salientar que mais de 60% desses recursos foram gastos com as próprias instituições governamentais e não com ONGs tão demonizadas pelo governo. Um exemplo são as atividades de fiscalização e controle do desmatamento do Ibama, outro é o monitoramento ambiental via satélite do Inpe e diversos governos estaduais e municipais da região com projetos de desenvolvimento sustentável.
Por isso, a extinção do Fundo é trágica para a região e muitos prefeitos e governadores estão procurando se articular rapidamente para tentar voltar a captar pelo menos uma parte desses recursos por fora do Fundo.
É triste porque muitos projetos até então patrocinados pelo Fundo, inclusive de combate a incêndios, foram abortados neste ano. Em Rondônia o principal avião específico de combate às queimadas foi comprado pelo fundo. Sorte que isso ocorreu até dezembro do ano passado senão nem este avião teríamos.
3. O que de fato tem sido feito (ou deixado de fazer) pelo governo Bolsonaro que acarretou nesse desastre ambiental?
RS – O governo Bolsonaro teve a habilidade de errar ao fazer e ao não fazer. Isso tudo gerou esta crise ambiental e, pode-se dizer, diplomática internacional. Ele não propiciou a mínima proteção que uma região de tamanha relevância mundial necessita, seja no tocante à mineração ilegal, ao desmatamento, às invasões de terras protegidas ou às violências contra os povos indígenas.
Sobre o que ele fez de errado começa com a ascensão dos ruralistas ao poder de fato. Eles se consolidaram como grupo de interesse do governo que demandam apoios e subsídios para o aumento da sua produção agrícola a qualquer custo.
A reforma ministerial desestruturou o Ministério do Meio Ambiente, principalmente nas áreas de serviços florestais e recursos hídricos e também extinguiu a área responsável por mudanças climáticas, restringiu orçamento a cifras insignificantes.
No aspecto ideológico houve a implantação de uma visão de meio ambiente que desacredita no aquecimento global e que prioriza a exploração irresponsável dos recursos da florestas e que entende que os indígenas desejam e devem ter o mesmo modo de vida da população urbana. Ouvimos da boca do próprio Bolsonaro, inclusive.
Tivemos um aumento de desmatamento que os últimos dados apontam 88% em junho e 278% em relação aos mesmos meses do ano anterior. A própria suspensão do Fundo Amazônia, está ocorrendo uma liberação excessiva de agrotóxicos proibidos em outros lugares do mundo, há também propostas de redução de terras indígenas e redução de áreas remanescentes de quilombos.
No período, houve ainda o aumento da violência no campo e em terras indígenas, tivemos episódios graves recentes de assassinatos de lideranças indígenas, o enfraquecimento da estrutura de fiscalização de combate ao desmatamento e do ICMBio, a flexibilização das multas por crimes ambientais, que é uma questão sensível para o Bolsonaro que já foi multado por crime ambiental em Ilha Grande. Então tem uma bronca pessoal.
O próprio perfil e histórico do atual ministro do Meio Ambiente é um retrocesso, já que ele foi condenado por fraudes ambientais. Houve também a retirada da proteção da Guarda Nacional aos agentes de fiscalização do Ibama pelo Ministério da Justiça e com isso cessaram as fiscalizações de queimadas.
Uma das consequências disso foi o Dia do Fogo, em Rondônia, em que entre os dias 10 e 11 de agosto houve mais 1 mil focos de incêndio combinadas entre os fazendeiros da região.
Ao receber críticas, Bolsonaro acabou pesando a mão ou a língua em assuntos em que deveriam prevalecer a diplomacia, criou atritos desnecessários e ficou negando os problemas devido à sua falta de ação inclusive na Amazônia, mas daí vieram as nuvens de fumaça para desmenti-lo.
Até alguns importantes ruralistas estão preocupados, como o Blairo Maggi, maior produtor de soja nacional. E os riscos para o agronegócio são grandes. No curto prazo, a imagem ambientalmente negativa dos produtos brasileiros traz os riscos de boicote dos europeus, principalmente.
No longo prazo o risco trágico de parte da Amazônia colapsar caso o desmatamento avance para mais de 20% da floresta. Isso faria parte dela se transformar em savana e afetaria os regimes de chuvas do Centro Oeste, que poderia ficar infértil. A atuação irresponsável do atual governo tem assustado também o governador do Amazonas, Wilson Lima, que é do PSC (partido de um dos filhos do Bolsonaro), e disse que os recursos do Fundo Amazônia e outros internacionais são essenciais para a conservação da Amazônia, principalmente devido à fragilização ocorrida em órgãos de fiscalização e a ampliação de discursos permissíveis para crimes ambientais.
O que também é reconhecido pelo governo do Amazonas, estado em que as queimadas cresceram 100% neste ano, que elas são criminosas, sim.
Bolsonaro e seu ministro Ricardo Salles têm repetido que pretendem levar “desenvolvimento a qualquer custo” para a região amazônica e culpam sem apresentar provas as gestões passadas pela baixa qualidade de vida dos moradores locais. Como é possível aliar desenvolvimento com preservação da natureza?
RS – A ideia de desenvolvimento a qualquer custo por si só esclarece que ocorrerão prejuízos no processo. A questão é: quem fica com o desenvolvimento e quem fica com os prejuízos. Se o desenvolvimento não for sustentável, o prejuízo será de todos mais cedo ou mais tarde.
A região Norte já passou por inúmeras estratégias de desenvolvimento durante o governo militar. Muitos deles grandes fracassos como a Transamazônica, Projeto Jari. Sobre essa questão eu refaço a pergunta, quem lucrou, quem ficou no prejuízo? Hoje a comunidade dessa região ainda sobre com as consequências desse projeto.
O governo federal vem acenando com propostas muito simplistas e desconectadas da realidade sem histórico de experiências de sucesso, sem fundamentação nem dados.
O Fundo Amazônia seria uma opção importante de desenvolvimento sustentável para a região pelos projetos relevantes e pelo potencial desses se forem executados em grande escala. A continuidade de programas federais que alinhe distribuição de renda à prática de qualificação profissional e geração de ocupação pode fazer com que o desenvolvimento volte à região.
Por Henrique Nunes da Agência PT de Notícias