Partido dos Trabalhadores

Para Renato Janine, Brasil deve priorizar “quarta agenda democrática”

Para ser “democracia digna desse nome”, país tem de avançar na melhoria dos serviços públicos, afirma novo ministro da Educação

O novo ministro da Educação, o filósofo Renato Janine Ribeiro, disse que o momento é crucial para o Brasil priorizar uma “quarta agenda democrática”: a melhoria dos serviços públicos.

Em sua coluna de despedida no jornal “Valor Econômico”, publicada nesta segunda-feira (30), Janine afirma que os serviços “melhoraram mais do que se pensa”, mas que a população brasileira exige agora maior inclusão e avanços na área da educação.

“A boa notícia é que só nos falta isso, mais a inclusão remanescente, para sermos uma democracia digna desse nome”, escreveu Janine.

Segundo Janine, é preciso a adoção de “boas práticas” para melhorar a qualidade dos serviços públicos, tanto na gestão, quanto nos investimentos necessários, na formação e na remuneração dos servidores. Para ele, a educação é o fio-condutor dessa nova agenda.“A educação pode abrir para tantas formações, que nem o céu é o limite”.

Professor titular de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo (USP), Renato Janine Ribeiro toma posse no Ministério da Educação no próximo dia 6, em substituição a Cid Gomes (Pros).

Confira a íntegra do artigo:

Indo para a Educação

Em abril de 2011, as jornalistas Maria Cristina Fernandes, Denise Arakaki e Célia Franco me levaram para almoçar e me convidaram a escrever uma coluna semanal no Valor. Estes quatro anos, não deixei de contribuir uma semana sequer. Completei quase duzentos artigos nesta página, praticamente todos sobre a política brasileira. Esta é a última coluna, e digo isto com tristeza, porque foi uma experiência extraordinária: discutir nossa política sem fanatismo ou radicalismo, movido pela convicção de que o país tem agendas que demandam o diálogo, a cooperação, o empenho. Deixo a página para assumir, no dia 6 de abril, o Ministério da Educação, a convite da presidenta Dilma Rousseff. Agradeço ao jornal e aos jornalistas com quem tive contato.

Como afirmei várias vezes, aqui e na revista “Interesse Nacional”, o Brasil teve êxito em três sucessivas agendas democráticas. Chegamos à quarta. Começaram todas como projeto de uma parcela minoritária da sociedade, enfrentaram obstáculos, descrença e até mesmo repressão e mortes, para depois se tornarem parte de um patrimônio de que o Estado, a sociedade, a nação já não querem abrir mão.

A primeira foi a da democratização. Nunca tivemos uma democracia de verdade antes de 1985. Mesmo o período de ensaio democrático entre 1945 e 1964 foi turbulento, com aves de rapina ameaçando a tenra planta da liberdade. Contra a ditadura, muitos lutaram – entre eles os três presidentes mais recentes: FHC com a palavra, Lula na organização sindical, Dilma na resistência. Será por acaso que elegemos esses três combatentes da liberdade?

Na educação nem o céu é o limite

Todos eles se bateram para criar esta democracia, que é melhor do que pode parecer. O maior sinal de seu êxito está no avanço da qualidade de vida. No fim da ditadura, eram 85% os municípios brasileiros com IDH “muito ruim”. Hoje, são menos de 1%. Sem a democracia política, não teria havido esse avanço social. Foi com ela que a maioria de pobres pôde se organizar para fazer valer seus direitos.

A segunda agenda foi a vitória sobre a inflação. O mesmo cenário: décadas de corrosão da moeda, planos tentando extingui-la, finalmente, uma moeda que hoje perde menos valor em um ano do que então perdia em três dias. Restauram-se a confiança no outro e no futuro. Se o PMDB capitaneou a luta pela democracia, o PSDB assumiu a bandeira do Plano Real, que hoje pertence a todos.

A inclusão social em larga escala, como política irreversível do Estado brasileiro, foi e é a terceira agenda. É a mais difícil. Levar dezenas de milhões de brasileiros do baixo para o meio da pirâmide social, em poucos anos, é uma façanha quase sem paralelo no mundo. Falta concluí-la. Cada grupo remanescente é mais difícil de incluir. Mas é uma dívida moral que o País tem – e que o PT levantou como tema ético, desde sua fundação em 1981. No século XIX, o Brasil tinha a escravidão. Ela era nossa mancha ética, que corrompia a sociedade inteira, sobretudo os não escravos, que se beneficiavam dessa infâmia. Hoje, nossa chaga ética é a miséria – algo que não precisa, não pode, mais existir.

Se a ditadura durou duas décadas, se a inflação perdurou por tempo parecido, a exclusão beira os quinhentos anos. Começa a ser enfrentada em 1580, com os quilombos. Cinco séculos de opressão, quatro de resistência. Não venceremos esta chaga em um ano, mas derrotá-la é a prioridade ética do País.

Desde maio de 2013, com as manifestações em favor do passe livre, uma nova agenda se definiu, que eu chamo de quarta – a da qualidade dos serviços públicos. Eles melhoraram mais do que se pensa, com forte investimento em gestão. Mas a paciência da sociedade diminuiu. Daí a exigência, justificada, de educação, saúde, segurança e transportes públicos de qualidade. Daí, também, um descontentamento com bases reais, mesmo que na sua expressão uns se voltem contra o alvo errado. O Brasil tem que melhorar esses serviços. A dificuldade em consegui-lo é a má notícia. A boa notícia é que só nos falta isso – mais a inclusão social remanescente – para sermos uma democracia digna desse nome.

Sabemos hoje onde tem que se dar a ação do Estado e dos demais atores sociais e políticos. A disputa política obviamente considera diferentes rotas para chegar lá. Mas todos conhecem os indicadores. Todos sabem muito do que é preciso fazer, desde as boas práticas na gestão até os investimentos necessários, quer em material, quer em formação e remuneração de recursos humanos.

Não é fácil. Por isso o avanço educacional, que a presidenta Dilma elege como fundamento para os novos avanços sociais ao priorizar a Pátria Educadora, precisa da união de todos pela educação. O ano será difícil, devido ao orçamento. Mas não vamos pensar na educação só como o árduo e o complicado. A educação abre o mundo do saber. Conhecer é uma paixão. Por que chamamos as crianças de curiosas? Porque elas perguntam, sem parar, “por quê?”, que em latim se diz “cur”. Curioso é quem interroga por quê. Há coisa mais bela do que a curiosidade que faz os olhos dos pequenos brilharem de alegria quando aprendem algo novo? Por isso, temos de perguntar por que esta alegria depois acaba. O prazer e a festa de conhecer têm que durar a vida inteira.

Estas tarefas podem parecer complicadas, mas prefiro dizê-las complexas. O que é complexo é rico. A educação pode abrir para tantas formações, que nem o céu é o limite. Educar não é só instruir, é formar para a vida. É construir uma personalidade. É preparar eticamente. É tornar este mundo, vasto e cheio de perspectivas, um ativo de primeira grandeza. É mostrar que os problemas que traz a vida moderna são, na verdade, inúmeras soluções. Mesmo que ainda não saibamos para quê! Vejam o Facebook. É uma invenção que podia nunca ter surgido. É diferente do carro e do avião, que atendem demandas preexistentes – locomover-se depressa, voar. Não havia a demanda de comunidades virtuais antes da primeira rede social. Aí ela surge, e o que faremos com ela? Estamos descobrindo. Não é fascinante estar vivo numa época em que tudo isso é possível?

Por Renato Janine Ribeiro.”

Da Redação da Agência PT de Notícias