A imagem emblemática do presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, e sua equipe de governo – composta por 14 mulheres e 10 homens – correu o mundo sinalizando novos tempos para o povo chileno e renovando a nossa esperança de que a paridade entre homens e mulheres na política se torne realidade no nosso país.
A maioria feminina no gabinete recém-formado é resultado de uma série de grandes protestos que começaram em 2011, dos quais Boric participou como líder estudantil, e tiveram ápice em 2019. Dessas manifestações, saíram grandes conquistas como a legalização do aborto em casos de estupro e as bases para a instalação de uma nova Assembleia Constituinte, a primeira do mundo com paridade de gênero.
São 77 mulheres e 78 homens que tomaram posse em julho do ano passado, após vencerem uma eleição que contou com a participação de 699 candidatas e 674 candidatos. Os constituintes terão a missão de redigir a nova carta magna do país andino de 19,5 milhões de habitantes e transferir essa representação igualitária para um texto constitucional que ofereça garantias de igualdade efetiva entre homens e mulheres.
Para se ter uma ideia do que está acontecendo no Chile, o gabinete do atual presidente, Sebastián Piñera, tem 7 ministras e 17 ministros. E isso porque Piñera cedeu à pressão popular em 2019 e promoveu mudanças em sua equipe de governo. Em 1989, o 1º escalão apresentado pelo então presidente Patricio Aylwin, o primeiro após a ditadura do general Augusto Pinochet, não possuía uma mulher sequer.
É fato que o Chile vive um momento de transformação social emanado das ruas. E Boric, de 35 anos, foi escolhido para liderar esse processo de mudança. A escolha de uma equipe diversa, com pessoas de origens e formações distintas, sintetiza seu compromisso com a real representatividade do povo chileno no Palácio de La Moneda.
Enquanto a nova equipe ministerial chilena é 58% feminina, apenas duas mulheres (9%) ocupam nossa Esplanada dos Ministérios, que abriga 23 pastas. Nosso país está entre os piores em participação de mulheres no governo, segundo relatório da ONU (Organização das Nações Unidas). O Brasil ocupa a posição 149 no ranking mundial em um total de 188 nações.
No parlamento, após anos de luta no Congresso Nacional, conquistamos – por meio da Resolução 23.553/2017, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) – a destinação mínima de 30% do total dos recursos do Fundo Partidário ao financiamento de campanhas femininas.
A nova regra começou a valer nas eleições de 2018 – para deputado estadual, federal, senador, governador e presidente da República – e o número de mulheres eleitas naquele ano cresceu 52,6% em relação ao pleito de 2014, segundo balanço do TSE.
Uma proposta em discussão no Congresso Nacional pode melhorar esse cenário. O projeto, aprovado pelo Senado no ano passado e em análise na Câmara, garante ao menos 30% das vagas para mulheres na Câmara Federal, assembleias legislativas estaduais, Câmara Legislativa do Distrito Federal e câmaras de vereadores. O texto prevê que esse percentual seja atingido, de forma paulatina, até as eleições de 2040.
Participamos desse debate na Câmara dos Deputados, por meio da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 134, apresentada em 2015. O texto passou pela Comissão de Justiça e de Cidadania, a principal da Casa de Leis, mas não foi votado em plenário.
Mesmo com avanços, ainda estamos distantes da paridade. Na Câmara dos Deputados, apesar do aumento de 51% na participação feminina, conquistado nas últimas eleições, são 77 cadeiras ocupadas por mulheres, que correspondem a apenas 15% das 513 vagas. No Senado, são 13 parlamentares (16%). Uma vez que somos 52,5% do eleitorado (quase 80 milhões de eleitoras), precisamos fazer valer essa representatividade nos espaços de poder, como está acontecendo no Chile.
Para isso, não bastam a movimentação de partidos políticos, a ação de movimentos sociais, projetos de lei de deputados e senadores e resoluções de tribunais superiores. O desejo de mudança deve emanar do povo. Quando nos unirmos e acreditarmos que a paridade e a valorização da diversidade do nosso povo são as chaves para a construção de um país mais justo e humano, atingiremos a plenitude da política como instrumento de participação popular, transformação social e melhoria da qualidade de vida da nossa gente.
Ana Perugini é funcionária pública do TJ-SP, com formação em direito pela PUC-Campinas e pós-graduação em gestão pública pela FGV/Perseu Abramo. Mãe de três meninas, foi vereadora, deputada estadual e federal, quando presidiu a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. É autora do projeto que cria o PIB da Vassoura