Ao discorrer sobre a mentira, Razumíkhin, patrício de Raskólnikov, o protagonista do romance “Crime e Castigo”, de Dostoiévski, reflete: “(…) mas nós não somos capazes nem de mentir com inteligência!”. Poderíamos, hoje, à luz das quimeras propagandísticas repetidas “adnauseam”, adaptar aquela sentença: “eles não são capazes nem de mentir com inteligência”.
Refiro-me a diatribes do tipo “o país quebrou” e “vivemos a pior crise da história”. O pais não quebrou. Crises, já tivemos muitas. O que está posto hoje no Brasil não é a disputa pelo receituário econômico mais adequado, é a disputa de projeto político.
Para tanto é preciso constatar os avanços nos últimos 12 anos. Movido pela agenda do Ministério do Desenvolvimento Agrário, tenho viajado o Brasil. Por conta do projeto Territórios em Foco, quando mergulho numa região por três dias, experimento as políticas públicas e ouço a comunidade local. As andanças revelaram um Brasil muito maior do que a crise.
Em especial, chamou a atenção os quatro anos da seca no semiárido nordestino. Há 12 anos poderíamos prever as consequências da estiagem: levas de retirantes clamando por comida. O cenário hoje é visceralmente distinto.
Agora vi quilombolas, antes renegados, cultivando a terra e preservando suas tradições no Maranhão. Vi filhos de agricultores familiares nas escolas Família Agrícola, no Espírito Santo. No Ceará, vi plantação irrigada de feijão. Vi o sertanejo enfrentando a seca amparado em 1,2 milhão de cisternas.
Vi a eficácia do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que cresceu dez vezes nos últimos 12 anos e hoje assegura recursos de R$ 28,9 bilhões. Vi agricultoras recebendo títulos de terras das quais detinham apenas a posse. Vi filhos de agricultores beneficiados pelo Prouni.
Viajando, vi a eficiência dos programas implantados desde que o presidente Lula assumiu a Presidência, em 2003. Senti os efeitos positivos do Bolsa Família, do Beneficio de Prestação Continuada.
Quando Lula lançou o Fome Zero, muitos disseram que o programa era inexequível. Duvidavam: “Acabar com a fome?”. Pois em 2014 vi a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) retirar o Brasil do mapa da fome.
Tudo isso não é passado, é presente. A propaganda que avassala o pais cria o desvario da “terra arrasada”, como se tudo o que foi construído nos últimos 12 anos tivesse desaparecido. Ao contrário, foi incorporado de forma incontornável à nossa realidade. Por isso precisamos ter consciência da ameaça representada pelo pessimismo.
Claro que temos desafios pela frente. É preciso avançar nas reformas agraria, tributária e urbana. Acelerar o desenvolvimento da agricultura familiar, aumentando a produtividade, priorizando a produção de alimentos saudáveis, incrementando o cooperativismo. Radicalizar a distribuição do poder econômico, pois, sem ele, não teremos a distribuição do poder político.
É necessário reconhecer que houve equívocos nessa trajetória, mas não podemos olvidar nossas conquistas. Precisamos perseverar na trilha do país de oportunidades iguais para todos. Prognósticos irreais alimentam a incerteza e o medo; precisamos de expectativas conscienciosas, que inflem o ânimo dos cidadãos.
Como o otimismo versejado por João Cabral de Melo Neto ao final de seu “Morte e Vida Severina”. Ao descrever a desventura, apontou a esperança diante do nascimento do rebento: “E não há melhor resposta/que o espetáculo da vida/ (…/vê-la brotar como há pouco/em nova vida explodida”.
(Artigo inicialmente publicado no jornal ‘Folha de S. Paulo’, no dia 4 de novembro de 2015)
Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Agrário