Já que não debatemos suficientemente as ideias, as “visões de mundo” existentes e um projeto de país digno de nome, “vamos ao que interessa”, dirão os pragmáticos: traduzir as propostas econômicas da candidata Marina Silva para o futuro da juventude brasileira.
Este é o objetivo central deste artigo, principalmente neste momento em que as eleições presidenciais estão chegando e a candidata Marina Silva apresenta-se como representante da Nova Política, com palavras bonitas, frases de efeito e uma importante história de vida.
Vamos nos concentrar no tema das propostas econômicas porque estas questões realmente podem afetar as perspectivas de vida dos jovens para os próximos anos, ainda mais quando Marina propõe alterações importantes que não dependem do Congresso Nacional.
Este tema também costuma ser apresentado de forma muito difícil para a compreensão de quem não é especialista. Com o programa de Marina não é diferente.
Apesar de conectados o tempo todo, na prática, os jovens são vítimas, como todo mundo, da desinformação e superficialidade com que grande parte da mídia trata a política e a economia, rotulando e criando falsos problemas e soluções para tudo.
Eram crianças ou nem eram nascidos quando este país não dava nenhuma oportunidade para a imensa maioria dos jovens, inclusive de classe média.
Por ser um pouco mais velho, acompanhei de perto a hiperinflação dos anos 80, quando minha família precisava fazer uma compra gigantesca por mês nos supermercados, estocando alimentos e outros produtos para tentar se defender da inflação de mais de 20% ao mês.
Quando iniciei o curso superior, no início dos anos 90, a disputa por qualquer estágio era violenta, já que havia pouquíssimas vagas abertas.
Naquela época começou o combate à inflação com o Plano Real, que melhorou o poder de compra da população reduzindo a inflação para os níveis que vemos até hoje.
Na prática, nenhum governo nestes últimos vinte anos descuidou da inflação.
Por outro lado, os jovens nos anos 90 perceberam que a estabilização da economia não era tudo. Não encontravam emprego facilmente no setor privado, os concursos públicos eram raros e as possibilidades de financiar uma casa própria ou um carro eram nulas. Era comum, naquela época, morar em um “puxadinho” da casa dos pais quando o casamento viesse, ou guardar dinheiro para tentar comprar um carro usado.
Nestas eleições de 2014, uma grande parcela da juventude está indecisa, muitos tendendo a votar em Marina. Ela parece representar o “novo”, um símbolo maior das manifestações de junho do ano passado.
O problema é que as propostas sobre a economia brasileira de Marina não têm nada de novo, e vão atingir a vida de todos, especialmente os mais jovens.
Para quem não tem conhecimentos de economia, antes de analisarmos as propostas de Marina, temos que destacar como o governo pode atuar na economia. Em resumo, qualquer governo possui duas armas para modificar a situação da economia de um país: a política fiscal e a política monetária.
A política fiscal representa como e quanto o governo vai cobrar de impostos da sociedade e como vai gastar os recursos, através de políticas para a saúde, educação, segurança, cultura, esporte, investimentos em infraestrutura, entre outras coisas.
A política monetária representa qual a quantidade de moeda que o governo vai deixar circular, qual o volume de crédito que ele vai liberar (através de bancos públicos ou privados) e qual a taxa de juros básica da economia (ou o preço do dinheiro emprestado).
Marina acredita que, hoje, o maior problema da economia brasileira é a inflação (aumento dos preços dos produtos e serviços).
Só para lembrar, nossa inflação anual gira em torno de 6% ao ano. Nos anos 80, tínhamos inflação superior aos 20% ao mês. Nos anos 90, durante o governo FHC, mesmo depois do Plano Real, nossa inflação anual girava na casa dos 9% ao ano.
Todos os governos brasileiros, depois do Plano Real, buscaram manter a inflação em níveis baixos e controlados.
Para Marina, porém, a principal meta econômica é levar a inflação para os 4,5% ao ano, custe o que custar.
Isso fica claro em todo o capítulo sobre economia, principalmente na página 46, onde Marina resume as propostas. Vamos tentar reproduzir e explicar o que significam as propostas para o futuro da juventude:
1) Marina defende que o governo vai “trabalhar com metas de inflação críveis e respeitadas, sem recorrer a controle de preços que possam gerar resultados artificiais, e criar um cronograma de convergência da inflação para o centro da meta atual”.
Traduzindo, a principal meta de Marina, como já dissemos, é baixar a inflação para, pelo menos, 4,5% ao ano, sem, no entanto, adotar qualquer tipo de controle de preços.
Na prática, os combustíveis e a energia podem ficar mais caros logo no início do governo Marina, que deve autorizar reajustes cada vez maiores em 2015 e nos anos seguintes. O preço do combustível para encher o tanque, portanto, vai subir, assim como o preço de tudo que consumimos. Para evitar que a inflação aumente de maneira brutal, ao invés de diminuir, Marina propõe o segundo ponto:
2) “Gerar o superávit fiscal necessário para assegurar o controle da inflação (…)”.
Superávit fiscal é o resultado da chamada política fiscal, ou a diferença entre as receitas (impostos arrecadados) e as despesas (manutenção dos programas sociais e investimentos públicos).
Para Marina, a política fiscal serve, unicamente, para segurar a inflação. Nesta visão, o gasto do governo é o grande culpado pela inflação. Para fazer isso, como não é possível cortar impostos no início, Marina já promete cortar gastos.
Analisando os gastos do governo, como não é possível despedir a maior parte do funcionalismo, desmontar os programas sociais existentes ou reduzir o gasto com a aposentadoria paga pelo governo de uma hora para outra, muito provavelmente, os investimentos serão os primeiros a serem cortados.
Na prática, se os jovens demandam por mais educação, saúde, transporte público, segurança, cultura e outras coisas importantes, nada disso poderá ser atendido por Marina nos primeiros anos. Em outras palavras, suas propostas nas outras 240 páginas do programa de governo não poderão ser atendidas durante seu mandato.
Mas o drama para a juventude é maior nas propostas seguintes. Marina pretende:
3) “(…) sinalizar para o mercado que políticas fiscais e monetárias serão os instrumentos de controle de inflação de curto prazo”.
4)“Assegurar a independência do Banco Central o mais rapidamente possível, de forma institucional, para que ele possa praticar a política monetária necessária ao controle da inflação”.
Traduzindo, tanto a política fiscal (através da definição dos impostos e do gasto público) como a política monetária (definição da moeda em circulação, da taxa de juros – preço do dinheiro – e da quantidade de crédito na economia), deverão ter como única prioridade o controle da inflação. Na visão do programa de Marina, outra culpa da inflação é que existe muita demanda para pouca oferta.
Para controlar a inflação através da política monetária, a medida mais rápida é aumentar ainda mais a taxa de juros (custo do dinheiro emprestado), reduzindo os investimentos, o crédito, o emprego e a renda (salário) das pessoas.
Quando aumentamos fortemente os juros, é isso o que acontece.
Para os jovens que estão com emprego e salário, a situação pode ficar mais difícil.
O desemprego para a juventude, que atinge menos de 20% dos jovens do país, deve atingir mais de 50% nos próximos anos, como já ocorre recentemente na Europa, que adota as medidas propostas por Marina.
Os jovens que possuem gastos no cartão de crédito também devem estar preparados para reduzir seu consumo. As contas do cartão vão ficar ainda mais caras. Como conseguir ou trocar de emprego vai ficar mais difícil, a inadimplência deve inclusive aumentar.
Com menos emprego, salário, crédito e juros mais altos, a “economia” passa a girar mais devagar. Com menos demanda, a inflação pode até baixar, deixando, porém, um rastro de problemas sociais e econômicos. Os mais atingidos, sem dúvida, serão os jovens.
Finalmente, Marina propõe, na página 59, que:
5)“Os subsídios ao crédito agropecuário e aos programas de habitação popular deverão continuar, mas com maior participação dos bancos privados”.
Na prática, esta parte do programa só pode ter sido redigida pelo Banco Itaú. O crédito para a moradia e a agricultura, no Brasil, sempre foi atendido pelos bancos públicos (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal). Os bancos privados, como normalmente ocorre, querem aplicações mais rentáveis.
Sem dúvida, aplicar em títulos públicos do governo sempre foi mais rentável do que em construção de moradias ou plantio de alimentos. Como Marina deve aumentar os juros, aplicar nos títulos do governo continuará sendo muito mais rentável.
Se Marina pretende reduzir o espaço dos bancos públicos, dá para perceber que o crédito para habitação e agricultura ficará menor.
Traduzindo, os jovens que quiserem financiar sua casa própria nos próximos anos (inclusive no Minha Casa Minha Vida) devem se preparar: o cenário ficará muito mais difícil.
Repetir nunca é demais, a receita econômica proposta por Marina é idêntica ao que vem ocorrendo em toda a Europa nos últimos anos, com efeitos trágicos sobre o futuro da juventude naqueles países. Portanto, reflita bem antes de exercer o direito de cidadão, votar.
Artigo publicado originalmente no site www.viomundo.com.br/