Retrocesso, injustiça e absurdo foram alguns dos adjetivos que parlamentares da Bancada do PT na Câmara usaram para avaliar o que representa a aprovação da PEC 215/00, que transfere do Executivo para o Legislativo a competência para a demarcação de territórios indígenas e quilombolas. A proposta foi aprovada em comissão especial na noite de terça-feira (27), sob protestos de deputados petistas e de parlamentares do PCdoB, PV, PSol e Rede, que se retiraram da sala para não compactuarem com a votação. Eles já anunciaram que pretendem recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a proposta, que fere cláusulas pétreas da Constituição.
O deputado Ságuas Moraes (PT-MT), titular da comissão e presidente da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas, enfatizou que a PEC será facilmente derrotada no STF porque fere a Constituição no princípio da separação e repartição dos poderes e na consagração dos direitos fundamentais dos povos indígenas.
“A nossa luta pela preservação dos direitos dos povos indígenas e quilombolas e pelo respeito à Constituição ainda não acabou aqui na Câmara. A próxima batalha será no plenário da Casa, onde a PEC será apreciada em dois turnos. Ainda tem o Senado e, se Congresso confirmar esse absurdo, nós vamos questionar a constitucionalidade na Suprema Corte”, afirmou.
Ságuas Moraes acrescentou que aceitar a PEC 215 é “um absurdo, um crime contra os povos indígenas e quilombolas”. Ele explicou que ao fazer a proposta de trazer para o Legislativo a possibilidade de demarcação das terras indígenas, foi estabelecido que só serão demarcadas aquelas terras que já estava ocupada pelos povos indígenas até a promulgação da Constituição de 88. “Isso é uma injustiça porque de 1988 para cá nós tivemos várias terras indígenas sendo reconhecidas, algumas demarcadas, outras só decretadas e outras ainda em estudos”, alertou.
O presidente da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas destacou que outra situação absurda proposta e aprovada na comissão da PEC 215 foi a de vetar a possibilidade de ampliação de terras indígenas. “Além de vetar, o texto aprovado ainda permite o estabelecimento de parceria com a iniciativa privada para a exploração da terra indígena, provavelmente pelo agronegócio, mas também para a exploração mineral e extrativista. Uma permissão que a gente contesta veementemente porque entendemos que, se em algum momento tiver que existir essas parceiras para a exploração, não será da forma como a PEC propõe”, afirmou Ságuas. Ele enfatizou que, da maneira que foi proposta na PEC 215 , os povos indígenas vão perder a sua condição de controle das terras.
O deputado Padre João (PT-MG), coordenador do Núcleo Agrário da Bancada do PT e integrante da comissão especial, criticou a aprovação da PEC. “A bancada ruralista insiste no caminha que viola os direitos dos povos indígenas O que se busca com a PEC 215 é a não demarcação das terras indígenas e quilombolas e, ao mesmo tempo, a possibilidade de uso das terras pelos não índios. Então, é um retrocesso, mais uma injustiça com um povo tão injustiçado”, afirmou. Padre João avalia ainda que, se for mantida a aprovação da PEC pelo Congresso, vai ampliar a tensão entre índios e não índios. “Vai aumentar a violência no campo”, lamentou.
Para a deputada Erika Kokay (PT-DF), também titular da comissão, o colegiado está “inaugurando o período de recrudescimento da barbárie!”. “A aprovação desta PEC não irá eliminar os conflitos de hoje, não haverá preservação da natureza. Esta é a PEC da morte e do conflito. A terra, para os povos indígenas, não é algo que se possa transformar em moeda. A terra é a própria vida”, afirmou a deputada.
Para a petista, trazer esse debate para o Congresso, tirá-lo do âmbito do Poder Executivo, além de inconstitucional, explicita que a intenção da bancada ruralista é acabar com a homologação das terras indígenas, quilombolas e das reservas ambientais. “O Brasil não pode permitir isso. O Brasil não pode rasgar sua própria história, sua memória e não pode rasgar sua própria Constituição”, defendeu Erika.
Mudanças – Na avaliação dos deputados da Bancada do PT as alterações propostas de última hora pelo relator da matéria, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), melhoraram alguns aspectos, mas não o fundamental. “Eles não abrem mão daquilo que é fundamental. Eles só aceitam a possibilidade da demarcação de terras ocupadas antes de 1988 e também negam a ampliação de terras indígenas. “Esse marco temporal fere de morte qualquer possibilidade de se ter garantia de terras para os povos indígenas e quilombolas”, afirmou Ságuas. Ele acrescentou ainda que o caso dos quilombolas é ainda mais grave porque existem poucas terras reconhecidas para essa população. “Esse processo para os quilombolas iniciou-se em 1988. Então, o texto nega totalmente a possibilidade desta demarcação”, alertou.
O relator também mudou os termos da transferência de competência da demarcação do Executivo para o Legislativo. Inicialmente só trazia a prerrogativa para o Legislativo. Agora, pelo texto aprovado, a Funai dá início ao processo, o governo encaminha o projeto de lei propondo a criação da terra e envia ao Congresso. O projeto terá a mesma tramitação das medidas provisória, com análise em comissão mista (deputados e senadores) e nos plenários da Câmara e do Senado. “De fundamental, então, o relator não alterou absolutamente nada. Pelo texto aprovado, a proposta de demarcação vem do Executivo, mas a responsabilidade final de reconhecer ou não as terras indígenas e quilombolas ficará com o Parlamento, é isso é inconstitucional e nos não vamos aceitar” reiterou Ságuas Moraes.
Do PT na Câmara