O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) falou, em entrevista ao PT na Câmara divulgada na sexta-feira (20), sobre a dimensão do “Caso HSBC”, conhecido nas redes sociais como “Suiçalão”. Para o parlamentar, o episódio escancara a hipocrisia e o moralismo de ocasião da grande mídia e de parte da sociedade brasileira.
Pimenta solicitou ao Ministério da Justiça e à Procuradoria-Geral da República a investigação do esquema, cujo volume no mundo ultrapassa a casa de 100 bilhões de dólares. Só no Brasil, O “Suiçalão” pode ter movimentado cerca de R$ 20 bilhões.
No início de fevereiro, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) divulgou o projeto SwissLeaks, por meio do qual foram expostos quase 60 mil arquivos com detalhes sobre mais de 100 mil correntistas do HSBC e suas movimentações bancárias, entre 1988 e 2007.
As contas bancárias reveladas somam mais de US$ 100 bilhões depositados em filiais do banco por correntistas ao redor do mundo.
Os dados sobre as contas correntes foram vazados pelo ex-funcionário do banco Herve Falciani. As informações foram entregues por ele a autoridades francesas, em 2008. Com o projeto SwissLeaks, mais de 140 jornalistas em 45 países investigam os nomes envolvidos no caso.
Até o momento, foram descobertas contas secretas, no HSBC da Suíça, de 6,6 mil brasileiros. Estima-se que os depósitos de correntistas brasileiros no paraíso fiscal possa chegar a US$ 7 bilhões.
Qual a dimensão real do “Suiçalão” no mundo e no Brasil?
Pimenta: Devemos ter claro, em primeiro lugar, que podemos estar diante do maior caso de corrupção já detectado no mundo. Estamos falando de um volume em torno de 100 bilhões de dólares, montante que foi movimentado por um banco que se vale da sua presença em todo o mundo para operar como uma verdadeira multinacional da sonegação e da evasão fiscal, uma multinacional de crimes financeiros. E é um caso que envolve milhares de pessoas físicas, mas também empresas de vários setores, inclusive da própria mídia*. O SwissLeaks é um escândalo gigantesco, e não um caso de proporção menor, como certos setores buscam tratá-lo aqui em nosso país. É um esquema que precisa ser investigado de forma cooperativa pelos governos, parlamentos e ministérios públicos dos países que são vítimas da ação do banco. Somente no Brasil trata-se de uma quantia aproximada de 20 bilhões de reais que possivelmente foram sonegados e evadidos e isso prejudica a nossa economia. Para termos uma noção de comparação, o orçamento inteiro do programa Bolsa Família para 2015, que beneficiará diretamente cerca de 50 milhões de pessoas, é de 26 bilhões de reais! E neste caso estamos falando de 8.867 pessoas [no Brasil] envolvidas no esquema.
Como tal esquema pode funcionar alheio à fiscalização do sistema financeiro?
Pimenta: Na realidade este é mais um escândalo causado pela desregulamentação do sistema financeiro, pela frouxidão da fiscalização das atividades das instituições financeiras. Quando eclodiu a crise de 2008, o mundo todo clamou por mais transparência e regulamentação, por mecanismos mais sólidos e consistentes para monitorar e determinar sanções ao sistema financeiro, mas quase nada de efetivo foi feito. Em 2013, a senadora Elisabeth Warren, dos Estados Unidos, questionou publicamente quanto tempo ainda seria necessário para se fechar um banco como o HSBC. E esse é apenas um banco, pois temos muitos casos nas últimas décadas que mostram, no mundo inteiro, os vínculos do sistema financeiro com ditaduras, com o crime organizado, com o narcotráfico, com o contrabando de armas e com outros tipos de ilícitos e contravenções. Ou nós estabelecemos uma fiscalização mais forte sobre o sistema financeiro ou casos como este continuarão se repetindo. Nós temos agora uma oportunidade histórica para reformar esse setor, que não pode seguir atuando à margem da lei.
O que deve ser feito pelos órgãos competentes?
Pimenta: Obter acesso à lista das contas dos clientes brasileiros é a primeira providência. Então será possível confirmar se houve sonegação fiscal e evasão de divisas. E a partir daí é preciso verificar a origem desses recursos e apurar se há outros crimes envolvidos. O interesse nas aplicações financeiras na Suíça é óbvio e todos sabem qual é: a busca pelo anonimato e a privacidade que os bancos desse país oferecem e que permitem que seja burlado o fisco brasileiro. Por isso é necessário que seja feito um “pente fino” pelo Banco Central, pela Receita Federal, pelo COAF [Conselho de Controle de Atividades Financeiras], pelo Ministério Público Federal e pela Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros da Polícia Federal, bem como pelo Congresso Nacional, que deve se debruçar sobre essa questão, seja por meio de uma comissão externa que vá à Suíça, seja através de outro instrumento. E a mídia brasileira tem a obrigação profissional de informar a sociedade a respeito deste escândalo, que não encontra nenhum caso paralelo na nossa história.
Por falar nisso, parece que esse caso demonstra a indignação seletiva e moral casuística da mídia e de parte da nossa sociedade. Como você enxerga esse aspecto?
Pimenta: A cobertura desse episódio na grande mídia até o momento tem sido pífia e absolutamente vergonhosa. Os veículos, colunistas, articulistas e comentaristas de TV, rádio, imprensa e portais estão visivelmente constrangidos e sem saber como tratar a questão, que certamente envolve muitos personagens que historicamente são blindados politicamente. Isso é comprovado pelo silêncio retumbante em relação ao ex-assessor graúdo [Saul Sabbá] do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que atuou diretamente no processo da privataria tucana, cujo nome já apareceu como um dos titulares das contas na Suíça, mas sequer foi mencionado por qualquer grande veículo. Imagine se fosse um ex-assessor do presidente Lula ou se fosse um militante petista qualquer. Com toda certeza a grande mídia forjaria um escândalo de proporções gigantescas. No âmbito da sociedade, vemos nas redes sociais um silêncio muito grande dos setores que historicamente criticam o Bolsa Família e as políticas sociais dos governos petistas, que são os mesmos setores que costumam usar a máxima “bandido bom é bandido morto”, mas, pelo jeito, não consideram criminosos aqueles que cometem práticas de evasão e sonegação fiscal, exceto quando se trata de um petista ou de alguém da esquerda envolvido. A hipocrisia, o moralismo de ocasião e o casuísmo estão ficando muito nítidos nesse caso.
Em outros países a cobertura jornalística tem sido diferente?
Pimenta: Com certeza. Na Inglaterra, jornalistas do The Daily Telegraph denunciaram a censura do jornal ao tema e um deles [Peter Oborn] pediu demissão em razão disso. Na França e no restante da Europa, assim como nos Estados Unidos e mesmo na nossa vizinha Argentina**, a cobertura tem sido ampla e honesta com a sociedade. No Brasil parece que a liberdade de empresa prevalece sobre a liberdade de imprensa e sobre a liberdade de expressão dos profissionais. Aqui, o que a mídia vai tentar é criar uma cortina de fumaça sobre o tema e desviar o foco do debate do que realmente interessa. Felizmente, a blogosfera progressista está fazendo um trabalho coletivo de apuração que pode contribuir muito para a compreensão do assunto.
Esse caso fortalece a proposta de taxação dos mais ricos?
Pimenta: Sem dúvida que esse debate ganha força. A taxação das grandes fortunas e das heranças é uma proposta defendida há décadas pelo PT no Congresso, existem inúmeros projetos de lei a respeito disso, mas não conseguem avançar nem um milímetro por conta da hegemonia conservadora na sociedade e no Parlamento. Por outro lado, essa é uma questão que está na agenda do dia em todo o mundo: nos Estados Unidos o presidente Obama já anunciou disposição em promover, na França e em outros países europeus já se pratica ou devem aumentar a taxação e o economista Thomas Piketty [autor do celebrado livro “O capital no século XXI”] já afirmou com todas as letras que – na situação atual do mundo, com a concentração de renda e patrimônio em níveis insustentáveis – é “loucura” não discutir a taxação dos mais ricos.
Da Redação da Agência PT de Notícias, com informações de Rogério Tomaz Júnior, do PT na Câmara