Luiz Pinguelli Rosa
A privatização da Petrobrás é o novo capítulo da crise política que se abateu sobre o país com o governo Jair Bolsonaro. Tendo em vista as implicações futuras para o país e para a sociedade brasileira, o tema merece um julgamento apurado.
Para driblar a necessidade legal de aprovação pelo Congresso da venda em fatias da empresa estatal, o caso foi submetido ao Supremo Tribunal Federal. No início, os primeiros votos foram contrários à distorção da lei e da Constituição, com base no entendimento de que a venda pretendida das refinarias —Abreu e Lima, Landulpho Alves, Presidente Getúlio Vargas e Alberto Pasqualini— deveria ser submetida ao Congresso, como manda a lei.
Entretanto, o presidente do Supremo, Luiz Fux, interrompeu a votação e mudou o processo decisório para, assim, autorizar a venda, como era a intenção do ministro da Economia, Paulo Guedes, um autoritário ultraliberal. Desse modo, a maioria dos ministros do STF atendeu aos interesses da classe dominante, contrários aos interesses do país, como mostrarei a seguir.
A grande mídia noticiou o fato como vitória da Petrobras, o que confunde a opinião pública, pois a atual gestão da estatal indicada por Bolsonaro é ideologicamente contrária aos interesses nacionais, os quais incluem atender a demanda interna de derivados a preços justos, bem como desenvolver a exploração, a produção e a tecnologia, incluindo os biocombustíveis. Não basta dar lucro para os acionistas, em particular os norte-americanos.
À parte o interesse nacional, que cabe à gestão da estatal defender, o próprio interesse da empresa energética está em jogo. A posição das maiores empresas petrolíferas do mundo é de possuir uma grande capacidade de refino, maior até que a de produção. A razão é simples: o preço internacional do barril do petróleo varia muito. Nos últimos anos foi de US$ 100 a US$ 20; logo, a margem de lucro na sua produção tem uma variação difícil de prever.
Entre 2015 e 2016, o lucro líquido da Petrobrás no refino foi maior do que na exploração e produção (E&P). Já em 2017, a situação se inverteu. A verticalização, englobando “upstream” (E&P) e “downstream”, que inclui refino, transporte e distribuição, permite equilibrar o lucro da empresa.
A maior refinadora do mundo é a ExxonMobil, com 5,5 milhões de barris por dia (b/d), seguida pela Shell, com 4,2 milhões de b/d. Suas refinarias se espalham pelo mundo, pois são empresas globais. Atualmente, a ExxonMobil está expandindo sua capacidade de refino nos EUA. A capacidade de refino da Petrobrás é de 2,4 milhões b/d. Por que vender o controle de suas refinarias? Será que a ExxonMobil e a Shell estão erradas?
Enquanto o presidente faz performances para o público, o ministro Paulo Guedes vende sorrateiramente pedaços da Petrobras e anuncia o mesmo para a Eletrobrás. Já vendeu a preço de banana o controle de gasoduto e da distribuidora BR, da Petrobrás. Agora, pretende apurar cerca de R$ 50 bilhões com a venda do controle das refinarias
O Brasil produz 2,7 milhões de b/d e consome cerca de 3 milhões de b/d, mas deixa ociosa cerca de 25% da capacidade de refino nacional, importando derivados principalmente dos EUA. Se a Petrobrás diminuísse um pouco os preços dos derivados, deslocaria os importados do mercado interno e aumentaria o seu faturamento, eliminando a capacidade ociosa de suas refinarias. Mas a política do governo é manter os preços no nível internacional e abrir o mercado.
Enquanto o presidente faz performances para o público, o ministro Paulo Guedes vende sorrateiramente pedaços da Petrobras e anuncia o mesmo para a Eletrobras. Já vendeu a preço de banana o controle de gasoduto e da distribuidora BR, da Petrobras. Agora, pretende apurar cerca de R$ 50 bilhões com a venda do controle das refinarias —ou seja, uma ninharia, pois só de lucro em 2019 a Petrobras recebeu R$ 40 bilhões. Ademais, as refinarias podem se voltar para a transição energética para reduzir emissões de CO2, incorporando à produção do HVO (“hydrotreated vegetable oil”), o diesel verde, melhor que o biodiesel, como substituto ou aditivo do diesel.
Enfim, a privatização da Petrobrás parece mais um caso de jabuticaba brasileira. Com a palavra, o almirante Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia.
Mestre em engenharia nuclear e doutor em física, é ex-secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças do Clima (2004-2015), ex-presidente da Eletrobras (2003-2004, governo Lula) e professor de planejamento energético da Coppe/UFRJ
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo, em 26 de outubro de 2020