A luta pela regulação da mídia brasileira acaba de ganhar um importante reforço. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) lançou, nesta quinta-feira (5), uma plataforma virtual para colher assinaturas de eleitores favoráveis à regulação das comunicações do País.
A ação faz parte da campanha “Para Expressar a Liberdade” que defende a aprovação do Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Comunicação Social Eletrônica, popularmente conhecido como Lei de Democratização da Mídia.
Na entrevista abaixo, concedida à Agência PT de Notícias, o secretário-executivo do FNDC, Paulo Rafael Vilela, explica que mais do que colher 1,4 milhão de assinaturas necessárias para chegar ao Congresso Nacional, a ação busca conscientizar a sociedade sobre a importância e a urgência de tornar democrático, educativo e cidadão o sistema de comunicação brasileiro. Leia a íntegra:
Agência PT: A campanha “Para Expressar a Liberdade” foi lançada em 2012. Como ela foi articulada e quais os avanços ocorridos desde então?
Pedro Vilela: Esse projeto de mobilização vem desde a Conferência Nacional de Comunicação que aconteceu em dezembro 2009, em Brasília. Foram aprovadas mais de 600 propostas da sociedade civil, empresários e gestores públicos. No entanto, as propostas não tiveram consequências em termos de adoção de políticas públicas e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, que articula centenas de entidades, viu a necessidade de avançar e pressionar mais para que as propostas aprovadas na conferência fossem efetivamente aplicadas.
O primeiro movimento foi um documento que se chama “20 Pontos para Democratizar a Comunicação no Brasil”. Este documento sintetizou as 600 propostas da conferência, para facilitar a nossa reivindicação. Posteriormente, em 2012, foi lançada a campanha “Para Expressar a Liberdade” e, em 2013, lançamos o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Comunicação Social Eletrônica.
Como mais um desdobramento, agora, a gente lançou essa plataforma para coleta de assinaturas online. O objetivo é fortalecer e garantir que haja ainda mais adesão, a partir da internet, a esse projeto de lei. A Ficha Limpa também foi aprovada a partir de um projeto de iniciativa popular, com muita pressão social e muitas assinaturas coletadas presencialmente e pela internet. Para o Marco Civil da Internet, que foi aprovado no ano passado, também houve muita pressão e um momento de coleta de assinaturas online, por mio de uma petição pública que depois foi apresentada no Congresso. Isso impulsionou a aprovação da matéria.
O projeto precisa de quantas adesões? Há um limite de tempo determinado para o fim da coleta das assinaturas?
A Constituição Federal diz que um projeto de lei de iniciativa popular precisa ter a adesão de 1% do eleitorado nacional, em cinco estados diferentes. Mas a Constituição é de 1988 e não prevê um mecanismo de coleta de assinaturas pela internet. Então, na verdade, essa plataforma na internet não substitui a coleta presencial – o objetivo é que se some a ela.
O número de assinaturas necessárias para ingressar com a iniciativa popular no congresso gira em torno de 1,4 milhão. O nosso objetivo é colher o número de assinaturas necessárias, mas ir muito além disso: é ganhar um apelo social grande em torno dessa agenda que é fundamental para a gente completar o nosso processo de democratização. A gente não estabeleceu um prazo e vamos tentar recolher o máximo de assinaturas possíveis. A gente espera que o debate em torno desse tema cresça ao longo dos próximos meses. Na semana passada, o ministro das Comunicações [Ricardo Berzoini] mostrou seu compromisso em discutir o tema.
Em sua análise, qual a importância de um processo de democratização das comunicações no Brasil?
O Brasil é um dos poucos países democráticos do mundo com altíssima concentração econômica dos meios de comunicação. Ao contrário de países como Argentina, Estados Unidos, França, Portugal, Reino Unido, Alemanha e Canadá, que promovem regulação democrática de seus sistemas de comunicação, o Brasil possui um dos sistemas de mídia mais concentrados que existem. Isso vale principalmente para a radiodifusão, mas até mesmo na internet a presença dos grandes conglomerados de mídia é forte.
Nós carecemos de mecanismos democráticos e de transparência para a concessão de outorgas de rádio e televisão, que são concessões públicas, elas pertencem ao povo e ao estado brasileiro. O estado brasileiro tem a prerrogativa de conceder a outorga a si próprio ou a terceiros, para exploração privada. Para isso, eles devem atender aos princípios constitucionais de conteúdo e de não formação de oligopólio mas, infelizmente isso não acontece.
A pluralidade de conteúdo também não tem sido levada em conta no sistema de comunicação brasileiro?
Nós não temos uma política que garanta a complementaridade entre o sistema público, privado e estatal. A maioria é privado-comercial. Não temos também dispositivos de fomento à produção regional e independente. Basta assistir a programação das emissoras de televisão para perceber que existe pouquíssima, ou quase nula, regionalização da programação.
Temos também uma situação de sublocação, transferência e arrendamento de canais de televisão. É flagrantemente inconstitucional esse tipo de comércio em que as emissoras vendem a grade de sua programação para grupos religiosos, para programas do tipo “Polishop”. Isso tudo fora a falta de direito de resposta e uma série de violações cometidas pelos meios de comunicação. Essa é a realidade do Brasil que outros países já enfrentaram e estão enfrentando – o Uruguai recentemente aprovou a sua Lei de Meios, que enfrenta a questão do monopólio.
Algumas opiniões contrárias à regulamentação da mídia sustentam que o processo poderia levar a regulação do conteúdo transmitido. A Lei da Democratização da Mídia não prevê censura aos meios de comunicação, certo?
Em nenhum momento a gente fala em regulação prévia de conteúdo e esse é um debate que a gente precisa desmistificar. A regulação de conteúdo na mídia já existe, como no horário eleitoral gratuito, na Voz do Brasil e na classificação indicativa. A liberdade de expressão não é violada em nenhum desses mecanismos. A gente quer, por exemplo, cotas de programação regional independente e isso não é violar a liberdade de expressão. Pelo contrário, é ampliá-la para outros grupos e garantir uma pluralidade. A gente não quer que haja concentração econômica dos meios de comunicação.
A legislação brasileira de rádio e televisão é de 1962 e está completamente dissonante das mudanças tecnológicas. Por ser de 1962, ela não dialoga com a constituição de 1988 – que tem um capítulo específico sobre a comunicação social e que a maior parte de seus artigos não foram regulamentados. Ser informativo, cultural e educativo são os princípios de conteúdo previstos na constituição e é preciso fazer um processo licitatório que incorpore a dimensão de conteúdo.
Na Europa, por exemplo, quando as empresas vão ganhar uma concessão elas apresentam um caderno de encargos explicando qual tipo de programação vai apresentar, com conteúdo infantil, jornalístico, científico, cultural. No Brasil não existe isso e é precária a maneira como se distribui outorgas de rádio e televisão. É como um comércio onde quem oferece mais na licitação ganha e não tem nenhum compromisso com o conteúdo e com o papel daquela emissora.
O projeto de Lei de Democratização da Mídia pode enfrentar dificuldades para ser aprovado no Congresso Nacional?
Pode haver dificuldade. Há muitos parlamentares concessionários de emissoras de rádio e televisão – o que é inconstitucional. Ao mesmo tempo em que temos bancada religiosa, bancada ruralista, temos também uma bancada da mídia. Evidentemente vamos enfrentar um desafio no avanço desse debate, mas a gente entende que é possível construir um processo de convencimento, de diálogo e principalmente de mobilização social.
O governo também precisa fazer o enfrentamento no Congresso Nacional – como fez no debate do Marco Civil da Internet. É preciso que o governo e a sociedade joguem peso sobre a questão. O Congresso não é um obstáculo intransponível. É um ambiente de desafio, de debate, de resistência, mas a gente tem todas as condições de avançar.
Por Victoria Almeida, da Agência PT de Notícias.