Após o ciclo progressista representado pela ascensão dos governos liderados pelo petismo, o Brasil passou a estar submetido à restauração neoliberal. Não seria a primeira vez a acontecer, tendo em vista que a maioria política constituída na transição da ditadura entre 1985 e 1989 pelo governo Sarney (PMDB/PFL) terminou sendo sucedida pelo neoliberalismo da “era dos fernandos” (1990-2002).
Nesta atual segunda restauração neoliberal, a base social foi estabelecida a partir das jornadas de amplas manifestações nacionais em 2013, cuja condução terminou sendo capturada pela extrema-política. Sem demonstrar capacidade de se reinventar profundamente, a esquerda ficou para trás frente às inovações anti-sistema a protagonizar mudanças na forma de fazer política e de se comunicar com as massas.
A formação de uma nova maioria política que transitou da ditadura civil-militar (1964-1985) trouxe como centralidade o estabelecimento de uma nova e avançada Constituição Federal de 1988. Embalada pelas enormes manifestações da campanha pelas eleições diretas (1984), a oposição derrotou o autoritarismo no próprio Colégio Eleitoral, embora suas forças políticas fossem acentuadamente decrescentes desde o fracasso do Plano Cruzado, em 1987.
A continuidade da trajetória de superinflação terminou validando gradualmente a justificativa neoliberal de focar no Estado a centralidade dos males nacionais. Diante do esfacelamento da maioria política que havia derrotado a ditadura nos anos de 1980, ascendeu a agenda neoliberal, que impôs radical inflexão na atuação do setor público desde a sua moderna constituição, ainda na década de 1930, no Brasil.
O sucesso do Plano Real na contenção inflacionária em 1994 facilitou o consentimento de nova maioria política liderada pelo PSDB e assentada na inserção externa passiva e subordinada à globalização. Mas, na segunda crise do Real, em 1999, com a submissão ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e suas políticas contracionistas, a base social de sustentação da agenda neoliberal entrou em colapso considerável.
Tanto assim que a reagregação de amplos segmentos de perdedores do próprio neoliberalismo dos anos de 1990 permitiu a conformação de uma nova maioria política conduzida pelo petismo desde 2003. A partir de então, o êxito nas políticas de recuperação do papel do Estado tornou a inclusão social a referência nacional e internacional dos governos progressistas em mais de um decênio.
Bastou, contudo, o deslocamento das políticas públicas inclusivas, como na opção pela recessão aberta ao final de 2014 para que rapidamente a maioria política fosse desfeita. O golpe de estado de 2016 não deixou dúvidas a respeito da restauração neoliberal implementada por Temer e, desde 2019, por Bolsonaro.
Em cinco anos, a maioria política consagrada pelos partidos políticos desde o golpe teve condições de validar a continuidade das políticas neoliberais nas eleições, tanto municipais de 2016 como presidenciais, de 2018. Novamente neste ano, o receituário neoliberal estará sendo considerado enquanto posicionamento de sua maioria política.
Embora os índices atuais de popularidade apontem para o descenso do governo Bolsonaro, não seria inesperada a prevalência da maioria política configurada pelas jornadas de 2013. O consenso neoliberal no interior da classe social dominante segue em alta, expresso por ampla propaganda midiática e dos donos do dinheiro.
Seria, contudo, o sofrimento ampliado da maioria da população ocasionado pelo rebaixamento do padrão de vida, desemprego, precarização ocupacional e pobreza suficientes para inverter a curva eleitoral de validação da restauração neoliberal? A resposta virá em nove meses.
Márcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas, e presidente da Fundação Perseu Abramo
*Artigo publicado originalmente na Rede Brasil Atual