O apagão de dados é uma das práticas do método bolsonarista de desgovernar o Brasil. Após a contabilização de casos e mortos pela Covid-19 no portal do Ministério da Saúde ser retirada do ar em junho do ano passado, no auge da pandemia do coronavírus, devido a um “ataque hacker”, desta vez o Portal da Transparência do governo federal ficou inacessível depois que vieram a público as despesas com alimentação do desgoverno Bolsonaro em 2020, gerando uma tempestade de pedidos de investigação.
O portal saiu do ar na noite de terça (26), um dia após a divulgação dos gastos do Executivo, que somaram R$ 1,8 bilhão em 2020. Responsável pelo site, a Controladoria-Geral da União (CGU) afirmou, em nota, que a queda do portal ocorreu em função “de um volume de acessos muito grande, e fora do habitual”, e que a área de tecnologia do órgão estava atuando para “restabelecer o serviço com a maior brevidade possível”.
O site voltou a funcionar na manhã desta quarta (27) e, de acordo com a CGU, a área de Tecnologia da Informação identificou a instabilidade gerada pela sobrecarga de acessos e está apurando detalhes para “identificar as causas exatas” e reestabelecer o funcionamento do serviço.
A seção que serviu como base para o levantamento do núcleo de jornalismo de dados do portal ‘Metrópoles’, o Painel de Compras atualizado pelo Ministério da Economia, ainda apresenta lentidão na manhã desta quarta. No mesmo período, o termo “Portal da Transparência” subiu ao trending topics do Twitter, revelando a indignação da sociedade com a tentativa do governo de ocultar os gastos.
No ano passado, houve problemas na divulgação do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), também mantido pelo Ministério da Economia. Um dos mais importantes indicadores do trabalho formal no país, sua divulgação, tradicionalmente mensal, foi oficialmente suspensa pelo governo em 30 de março. A situação só se normalizou no último semestre do ano, quando houve saldo positivo na diferença entre e contratações e demissões de trabalhadores com carteira assinada.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por sua vez, passou 2020 fazendo por telefone a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, que abrange o mercado de trabalho formal e informal e revela a taxa de desemprego oficial do país. O percentual de pessoas que respondem caiu de 90% para 60%. Por conta da pandemia, os relatórios foram divulgados mensalmente, prática abandonada este ano.
Na ocasião, o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) Manoel Pires comparou a situação a uma navegação sem bússola. “Houve uma piora geral de estatísticas do governo federal neste último ano e meio. Isso se deve a desinvestimento, falta de apreço pela informação e às vezes descuido”, criticou.
Portal da Transparência foi criado pelo Governo Lula
O Portal da Transparência foi criado pelo Ministério da Transparência e CGU durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em novembro de 2004, para viabilizar o acompanhamento da execução financeira de todos os programas e ações do governo federal. Até então, boa parte do acesso às bases de dados do Executivo e autorização para a publicação das informações sobre execução orçamentária só podiam ser acessadas no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI), por servidores cadastrados.
Para que o portal pudesse atingir seus objetivos, foi necessário agregar e disponibilizar o maior número possível de dados em um mesmo banco e, além disso, fazer com que esses dados se transformassem em informações para o maior número de cidadãos possível. Embora o acesso a informações públicas estivesse previsto na Constituição Federal, o caminho para se obter esses dados era, por vezes, difuso e complexo e a linguagem utilizada, inacessível ao cidadão comum.
Sua criação só foi possível porque o programa de governo de Lula continha, entre as principais diretrizes, o compromisso com uma gestão transparente e participativa. Isso possibilitou que resistências de alguns grupos à ampla transparência proposta para o portal fossem minadas, obtendo-se mais facilmente o apoio dos órgãos da administração federal.
No portal estão disponíveis informações sobre recursos transferidos a estados e municípios, no âmbito de programas ou convênios; recursos transferidos diretamente ao cidadão; gastos diretos realizados pelo governo federal em compras ou contratação de obras e serviços, incluindo os gastos de cada órgão com diárias, material de expediente, compra de equipamentos e obras e serviços; bem como gastos realizados por meio de cartões de pagamentos do governo federal.
Além das informações sobre as despesas e receitas, o portal informa também sobre imóveis funcionais, quadro de servidores, pessoas e organizações impedidas de fazerem contratos com a administração pública. Os dados são de responsabilidade dos ministérios e outros órgãos do Poder Executivo Federal.
O principal público-alvo é o cidadão, que pode acompanhar a aplicação dos recursos públicos e exercer o controle social sobre os gastos – como ocorre esta semana. O portal atende também a outros entes, como imprensa, organizações não-governamentais, entidades privadas e gestores federais, estaduais e municipais.
A iniciativa do governo Lula estimulou a implementação de iniciativas semelhantes em governos estaduais e municipais, como o Portal da Prefeitura de São Carlos (SP, criado em abril de 2005) e o da Prefeitura de Itaúna (MG, criado em abril de 2006); o Governo Transparente de Mato Grosso (criado em novembro de 2006) e o Portal da Transparência de Pernambuco (criado em março de 2007).
Em 27 de maio de 2009, Lula avançou no processo de garantir a participação pública nos atos do governo ao sancionar a Lei da Transparência (Lei Complementar nº 131/2009), aprovada na Câmara dos Deputados em 5 de maio. A Lei 131 alterou a redação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que existe desde 2000 e foi um dos primeiros marcos legais a tratar da transparência na gestão fiscal. Faltava, no entanto, uma regulamentação geral, com procedimentos e prazos a serem cumpridos pela administração pública.
Em 18 de novembro de 2011, a então presidenta Dilma Rousseff aprimorou ainda mais o arcabouço legal sobre transparência sancionando a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011). A partir da entrada da lei em vigor, em 16 de maio de 2012, como previsto em seu texto, passou-se a tratar a publicidade como regra geral e o sigilo como exceção.
Com isso, os órgãos públicos devem partir do princípio de que as informações são de livre acesso, restringindo esse acesso apenas em casos específicos, por determinação legal ou judicial. A lei dispensa a apresentação de motivação pelo interessado numa informação pública e garante a gratuidade do procedimento, salvo custos de reprodução de documentos.
A lei vale para os três poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo), para o Ministério Público e para os Tribunais de Contas. Todos os entes federais (municípios, estados e União) também são obrigados a fornecer para a população dados específicos e atualizados sobre os recursos que foram recebidos, a origem, valor de previsão orçamentária, destinação, pagamentos e identificação dos favorecidos, como fornecedores, programas, ações e projetos.
As prefeituras e câmaras municipais de todo país são fiscalizadas por ações do Ministério Público Federal, Ministérios Públicos dos Estados, Controladoria Geral da União e por Tribunais de Contas. Além de fornecer informações requeridas pelos cidadãos, a administração pública deve publicar espontaneamente, em meio de fácil acesso, informações de interesse coletivo – prática conhecida como transparência ativa.
Um projeto de lei com teor semelhante foi apresentado em 2003 pelo deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) e chegou a ser aprovado em duas comissões da Câmara dos Deputados (PL 219/2003), mas parou em 2005. Em 2009, com o envio ao Congresso da proposta do Executivo (PL 5.228/2009), o tema foi retomado. Com os dois projetos tramitando juntos, a Lei de Acesso à Informação foi aprovada pela Câmara em abril de 2010 e pelo Senado em outubro de 2011, seguindo para sanção presidencial.
Da Redação