A ausência de aplicação de recursos do desgoverno Bolsonaro para combater a pandemia do Coronavírus nas aldeias indígenas do país retrata um cenário de descaso e violação de direitos humanos. Um balanço do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) revela uma nação sufocada em relação ao orçamento geral da União.
A Covid-19 matou 942 e contaminou 47.542 indígenas desde o início da pandemia. Com atuação ineficiente, o governo federal sequer oferece abastecimento de alimentos e suprimentos de saúde suficientes para enfrentar o vírus, que já matou mais de 350 mil pessoas no Brasil.
Segundo o estudo, os efeitos da pandemia em territórios indígenas são desastrosos e exigem atuação mais aguçada da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e da Fundação Nacional do Índio (Funai).
O que se constata é uma atuação propositadamente desencontrada, além de denúncias de subnotificação de contaminação entre indígenas e, ainda, divulgação de fake news contra a vacinação.
Ocorrem também tentativas de apropriação, por parte de órgãos governamentais, de iniciativas de contenção da pandemia, levadas a cabo pelas organizações indígenas nos territórios.
A secretária Nacional de Movimento Populares e Políticas Setoriais do PT, Vera Lúcia Barbosa, alerta para o estudo que é um retrato da realidade que a população originária do Brasil “sente na pele”.
“A população indígena está em uma situação mais vulnerável e na linha de frente de oposição ao governo. A base desse governo bolsonarista é terra e a nossa biodiversidade, as nossas riquezas naturais, porque é um governo de ruralistas. Estão desconstruindo o nosso estado brasileiro. Portanto, as políticas públicas voltadas para toda a população empobrecida e principalmente para os povos indígenas e a população da zona rural está sendo desconstruída”, explica.
Respiro
Nos governos Lula e Dilma houve respiro para os povos originários, com o incentivo de políticas públicas e a retomada de terras. Com o golpe, afirma Vera Lúcia, iniciou uma decorada das conquistas. “Esse governo chegou para coroar essa estratégia e implementar de fato um projeto genocida, um projeto de morte. E morte à população empobrecida do nosso país. A pandemia chega em um momento de implementação desse projeto e por isso as atitudes dele em não ajudar, em não agir enquanto Estado para o povo brasileiro. Eles querem atrapalhar os processos que nos ajudam a superar esse período da pandemia. As terras indígenas estão na mira desse desgoverno”.
Obter conhecimento e construir saídas coletivas e de proteção da população é o caminho para preservar a saúde, a cultura e as terras, segundo Vera. A Secretaria Nacional de Movimento Populares e Políticas Setoriais do PT acompanha as diversas iniciativas organizadas pelas frentes das populares, mas alerta que o momento exige força popular e de rua que, infelizmente, está impedida de acontecer diante do isolamento social necessário para combater a pandemia do Coronavírus.
“Temos muitos desafios pela frente e precisamos agir enquanto classe dos povos indígena, sem terra e quilombolas. Necessitamos construir um mundo melhor para todos e todas”.
Funai entregou ‘uma’ cesta básica
Na aldeia Pataxó Pé do Monte, no extremo Sul da Bahia, muitos indígenas estão sobrevivendo com o plantio de sementes e com doações de cestas básicas por meio de mobilização das lideranças da aldeia, apoiadores dos povos Indígenas e do professor de Patxôha (língua de guerreiro Pataxó), o líder Tohõ Pataxó.
Ele conta que a Funai, desde o início da pandemia, entregou apenas uma cesta básica para cada família e, que da Sesai, receberam poucos insumos de saúde para o combate à Covid-19. Ao todo, vivem 47 famílias na aldeia, somando 200 pessoas.
“Aqui, nas comunidades a realidade é diferente. Estamos passando por momentos difíceis nessa pandemia. A vacina chegou, alguns tomaram e outros não por desconfiança criada pelo governo”, diz o líder Pataxó.
“Ganhamos da Funai apenas dois sacos de sementes para podermos sobreviver e se manter, algumas botas, ferramentas e nada mais. O incentivo foi pouco. Eu como liderança da comunidade fiz vários pedidos para amigos e conseguimos quatro cestas básicas”, denuncia.
Distanciamento afetado pela fome
O isolamento social ficou comprometido nas aldeias porque na luta pela sobrevivência, muitos indígenas precisaram sair para trabalhar em colheitas de café, em fazendas ou na praia.
O líder Pataxó conta que a conscientização em relação ao distanciamento social ficou difícil de praticar: “Vimos um total descontrole porque faltou apoio do governo. Além de alguns saírem para tentar trabalho, outros visitavam parentes para tentar ganhar alimentos na cidade. Deram muito pouco.É um momento muito crítico e difícil. O governo federal que não há recursos, mas sabemos que há. Quem sofre na base somos nós”.
Na luta pela sobrevivência, os indígenas passaram a plantar mandioca e hortas. Porém, por falta de água suficiente, as pequenas lavouras ficam comprometidas.
“As comunidades precisam de apoio da Funai, do governo. Muitas famílias estão passando dificuldade. Alguns trabalham com artesanato e não podem vender, ainda mais agora com o auxílio menor e que não será para todos”, lamenta um dos líderes da aldeia.
Protocolo próprio e fake news
O coordenador regional do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba), Agnaldo Pataxó Hãhãhãe, afirma que a venda de artesanatos caiu significativamente e que o auxílio emergencial, reduzido, não supre as necessidades das famílias. Além disso, para conter o contágio da Covid-19, as aldeias criaram seus próprios protocolos, com barreiras para impedir o avanço da pandemia.
“O poder aquisitivo do nosso povo tem diminuído muito. O que ajuda são alguns parceiros externos. Nossa dificuldade é imensa no que diz espeito a contrair o vírus. As aldeias mais próximas dos centros urbanos enfrentam momentos difíceis. Fizemos um protocolo próprio para evitar o avanço da pandemia com barreiras próprias”, conta.
Em relação à vacina, o professor indígena explica que a imunização trouxe mais tranquilidade nas comunidades. Porém, conta que as fake news contribuíram para parte dos indígenas não vacinarem.
“É uma preocupação muito grande em toda a liderança, pois quando a doença chega em nossa aldeia, devido a nossos costumes de envolver a cultura e a dança, se alastra muito rapidamente”, relata.
“Temos procurado apoio governamental para poder superar esse momento de obstáculos, mas sofremos com as perdas em uma investida muito grande do governo federal para derrubar os marcos legais de garantia dos nossos direitos. Precisamos de apoio externo”.
Conforme Ricardo Oliveira, conselheiro de Saúde Indígena da Bahia, a Funai realizou trabalhos nas aldeias com a distribuição de apenas dois kits de higiene, mas não possui um plano de enfrentamento da Covid-19 para tentar frear a pandemia nas comunidades. Inclusive, as lideranças buscam por meio do Ministério Público Federal (MPF) e da Justiça Federal conseguirem leitos para os povos indígenas.
“A situação está muito precária, com barreiras que fizemos por conta própria e sem nenhuma proteção, tentando impedir do vírus entrar no território. Temos dificuldades de matérias de higiene e também em relação a leitos de UTI. Tem muitos indígenas doentes, precisando de leito. A Sesai praticamente parou em relação ao transporte e ao atendimento também. Está muito difícil pra gente”, afirma.
Sem funcionário, sem Funai
Segundo a pesquisa do Inesc, os gastos com pessoal e encargos sociais praticamente se mantiveram, em 2019 e 2020, na casa dos R$ 335 milhões. Apesar de representar boa parte dos recursos destinados à autarquia, trata-se de valor insuficiente para garantir o seu devido funcionamento. Assim, além do já mencionado aparelhamento ideológico do órgão, o quadro de servidores encontra-se também esvaziado.
A atuação nos territórios, realizada por meio das 39 Coordenações Regionais (CRs) e pelas Coordenações Técnicas Locais, é a mais prejudicada com a falta de pessoal.
Na prática, isso implica dizer, mais uma vez, que aqueles que deveriam ser os beneficiários do trabalho da Funai tendem a não sentir os efeitos da atuação indigenista.
O parco orçamento executado pelas Coordenações Regionais é um indício da falta de capacidade de realização de um órgão sem quadro suficiente de servidores.
Coordenações regionais
Com exceção da Coordenação Regional (CR) de Ponta Porã, o número de funcionários lotados nas cinco coordenações não chega à casa das dezenas. Para se ter uma ideia, a Coordenação Regional de Tapajós atende a cerca de 20 mil indígenas de 13 etnias distintas na região do Médio Tapajós e sua área de atuação abrange cinco municípios do Estado do Pará.
A Coordenação Regional do Xingu atende a cerca de 7 mil indígenas de 16 povos distintos. A Coordenação Regional de Nordeste II, a cerca de 31 mil indígenas, de três estados diferentes e 14 povos distintos.
A Coordenação Regional do Juruá atende a 29 terras indígenas e 12 povos indígenas, localizados em oito municípios, num total aproximado de 12.541 indígenas, em 134 aldeias.
Já os aparentemente abundantes funcionários da Coordenação Regional de Ponta Porã atendem a aproximadamente 33 mil indígenas em 56 áreas no extremo sul de Mato Grosso do Sul.
Leia o estudo completo aqui.
Da Redação, com informações do Inesc