Profissionais de Enfermagem vão às ruas para protestar contra a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu por 60 dias a lei do piso salarial para enfermeiros, técnicos, auxiliares de enfermagem e parteiras. Reunidas no Fórum Nacional da Enfermagem, as entidades representativas da categoria estão convocando os profissionais para atos nesta sexta-feira (9/9), em todas as capitais.
As entidades de classe também promoverão mobilizações em redes sociais para discutir e pedir celeridade aos projetos que apontem fontes de financiamento para a saúde. A presidenta da Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE), Shirley Morales, não descarta uma greve geral contra a decisão “monocrática e aterradora” de Barroso.
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“O que nós não podemos dizer é que essa decisão não traz uma indignação às categorias, que inclusive já estão se mobilizando para a possibilidade de uma paralisação geral em todo o Brasil diante do desrespeito à luta histórica de enfermagem brasileira”, afirmou Shirley ao Brasil de Fato.
Solange Caetano, do Fórum Nacional da Enfermagem, acrescenta que a liminar de Barroso não questiona a constitucionalidade do piso, mas aponta a ausência de fontes de custeio. As entidades, diz ela, vão dialogar com os ministros do STF para que tenham maioria quando a pauta for para o plenário da Corte.
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Autor do projeto de lei (PL) 2.564/2020, que institui o piso salarial, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) também lamentou a decisão de Barroso. Ele anunciou em suas redes sociais que irá ao STF na tarde desta terça-feira (6), acompanhar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em reunião com o ministro do STF.
“Os médicos têm piso salarial QUATRO vezes maior, e o Judiciário jamais vetou esta medida. Os enfermeiros conquistaram a duras penas esse direito por decisão do Poder Legislativo e do Poder Executivo, em ampla e democrática mobilização”, destacou Contarato em postagem anterior.
Nesta segunda, a presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann, divulgou nota oficial do partido em apoio aos profissionais de Enfermagem. “É imensa a indignação que nos atinge ao ver frustrado o pagamento desse direito, por decisão judicial monocrática que atende interesses privados, em detrimento dos profissionais de Saúde e do bom atendimento à população”, afirma o texto.
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Lei foi construída em três décadas de luta dos trabalhadores
Após quase 30 anos de luta, trabalhadoras e trabalhadores da área de enfermagem finalmente conquistaram o piso salarial com a aprovação, em julho, do PL 2.564/2020. No mesmo mês, o Congresso promulgou emenda constitucional (PEC 11/2022), que criou o piso. Os valores estavam definidos: R$ 4.750,00 para enfermeiros; R$ 3.325,00 a técnicos de enfermagem; e R$ 2.375,00 a auxiliares e parteiras.
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“A conquista deste direito foi construída em ampla discussão legislativa no Congresso Nacional, tendo sido viabilizada tanto com aprovação de Emenda Constitucional quanto por projeto de lei sancionado pela Presidência da República. O Congresso esteve aberto à todas as partes envolvidas nesse debate, inclusive o setor patronal”, destaca o senador Contarato.
Jair Bolsonaro sancionou a Lei n. 14.434/2022 no início de agosto, mas a medida gerou uma onda de reclamações de instituições de saúde, porque não foi indicado de onde viriam os recursos para garantir o pagamento. Em 10 de agosto, a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) e outras sete entidades, entre elas a Federação Brasileira de Hospitais (FBH), pediram a suspensão da nova legislação, alegando falta de cumprimento de trâmites legislativos.
As entidades patronais também se queixaram que a instituição do piso quebra a autonomia orçamentária de estados e municípios, podendo prejudicar a oferta de tratamentos essenciais em razão da falta de repasses, e passaram a ameaçar com uma onda de demissões. Após a concessão da liminar, as entidades afirmaram que a medida permite que, com mais tempo, “se construam soluções para a valorização da enfermagem”.
Pela decisão do STF, a lei fica suspensa até que sejam esclarecidos os impactos sobre a situação financeira de estados e municípios. Os órgãos têm 60 dias para dar os esclarecimentos baseados nas informações de entes estatais, órgãos públicos e entidades representantes da categoria e dos setores afetados pela nova lei.
“Barroso traz um retorno ao status quo da nossa luta, ignora todo e qualquer documento, os relatórios dos grupos de trabalho do Congresso Nacional, ele ignora o que já foi debatido, e retoma o que já tinha sido vencido”, pontua a presidenta da FNE. Segundo Shirley Morales, as argumentações do ministro sobre o impacto financeiro, redução de leitos e as demissões em massa “já foram colocadas e apresentadas durante o processo de aprovação do piso”.
Em relação à CNSaúde, a dirigente sindical afirma que “as operadoras privadas, que são as maiores contratantes dos hospitais privados, tiveram mais de 50% de lucro durante a pandemia”. Ela também cita que vários municípios, desde 2019, já mantêm a média salarial dos enfermeiros acima do valor que está na lei, em torno de R$ 5.250.
Logo após a aprovação do projeto no Congresso Nacional, analistas do Banco Citi alertaram em relatório que o piso salarial da enfermagem traria risco de queda no lucro de hospitais privados. Para eles, a novidade representaria risco ao setor de saúde e peso sobre a lucratividade das empresas, e resultaria em aumento de preços nos serviços. Como “saída”, recomendaram a concessão de subsídios para o setor privado.
O relatório do Citi menciona gigantes do setor, como a Rede D’Or. A rede de hospitais privados está entre os que mais faturaram na fase aguda da pandemia, revelou a revista Forbes, que mede a riqueza de bilionários. Entre abril de 2020 e fevereiro de 2021, a fortuna do dono da Rede D’Or pulou de US$ 2 bilhões para US$ 13 bilhões.
Segundo o Conselho Federal de Enfermagem (Confen), há mais de 2,6 milhões de trabalhadores ativos no Brasil nos quatro segmentos da enfermagem, sendo 642 mil enfermeiros, 1,5 milhão de técnicos, 440 mil auxiliares e 440 parteiras. O profissional pode ter registro em mais de um segmento.
Da Redação, com PT no Senado