As bancadas do PT, PMDB, PDT e do PCdoB votaram favoravelmente contra uma iniciativa do senador José Serra (PSDB-SP) que pretendia acrescentar ao Projeto de Resolução do Senado (PRS nº 84/2007), por meio de uma subemenda, a inclusão de um limite proporcional de 7,7 vezes na relação da dívida bruta da União e a receita corrente líquida. Em outras palavras, a proposta do senador tucano poderia engessar a administração da dívida por parte do governo.
O voto contrário, na verdade, foi uma manifestação favorável ao questionamento colocado pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR). Como uma subemenda poderia ser oferecida sobre outra emenda, apresentada em 2007 pelo então senador Arthur Virgílio (PSDB-AM). Como manda o Regimento Interno do Senado (RISF), o que Serra tentou fazer desrespeita as regras que ditam como devem proceder os senadores em diversas situações.
Mesmo ausente da reunião, Requião observou em seu documento que o senador tucano praticamente transformou em um projeto substitutivo o que havia sido proposto em 2007, ou seja, existiria um limite apenas para a dívida líquida na relação com a receita corrente líquida, que é o conjunto das receitas recebidas pela União. Até aí, tudo bem, porque seguia o que manda a Constituição Federal. A iniciativa de propor um Projeto de Resolução, para mexer na dívida líquida, é prerrogativa de presidentes da República e isso foi feito ainda em 2000 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Essa proposta se perdeu ao longo dos anos até 2007, quando Arthur Virgílio, na tentativa de criar obstáculos para o governo, resgatou o PRS 84 e apresentou uma emenda que propunha um limite de endividamento de 3,5 vezes para a dívida líquida em relação à receita corrente líquida. Note que ele propunha para a dívida líquida e não bruta. Com o final da legislatura, essa proposta acabou sendo arquivada, mas Serra agora ressuscitou-a.
Numa espécie de pedala, o tucano fez uma subemenda à emenda de Arthur Virgílio e é aqui que está o desrespeito ao regimento interno do Senado apontado por Requião.
Por precaução, o presidente da CAE, senador Delcídio do Amaral (PT-MS), pediu à consultoria legislativa do Senado um parecer sobre tais argumentações, de Requião e de Serra. A consultoria apontou que o regimento deveria ser respeitado, mas que poderia o presidente submeter a questão ao colegiado. E foi isso que Delcídio fez.
O líder do PT, Humberto Costa (PT-PE) fez o encaminhamento dizendo que a bancada votaria sim, a favor da proposta de Requião, preservando as regras do Regimento Interno do Senado. O PMDB, o PDT e o PCdoB também votaram sim.
Com isso, Serra pediu para retirar seu projeto de pauta, para apresentar um outro projeto. Acontece que essa prerrogativa, para mexer nos percentuais da dívida, deve partir do presidente da República.
Na semana passada, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse que era favorável à proposta de Serra pelo conceito de rigidez para a dívida bruta, mas não quer dizer que essa seja uma ideia apoiada por todos no governo. Especialistas que participaram da audiência, inclusive do Tesouro Nacional, apontaram que a proposta de Serra engessa a administração da dívida e esconde um problema maior, bom só para os financistas.
Se a proporção da dívida líquida ou bruta ultrapassa o valor da receita corrente líquida, quem compra os títulos públicos que servem de lastro para essa dívida, naturalmente e por um movimento especulativo, pede juros cada vez mais altos para comprar esses títulos do governo, virando uma bola de neve. Especulação pura, do jeito que os financistas gostam.
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) é crítico dessa proposta de Serra, porque entende que há nas forças do mercado financeiro uma pressão para engessar a administração da dívida e, ainda, substituir o padrão atual de referência, que é o PIB, pela receita corrente líquida. Hoje, por exemplo, a dívida líquida em relação ao PIB está em 34% e a bruta em 59%. Quanto menor é a dívida líquida e bruta maior é a solvência do País.
Depois da crise de 2008, os ditos analistas econômicos começaram a olhar para a dívida bruta, que sempre é mais elevada. A dos Estados Unidos supera os 100% do PIB, pelo tamanho de seu endividamento. E o patamar do Brasil, mesmo que atinja 64%, mostra a capacidade de honrar seus compromissos. Além disso, o Brasil tem US$ 370 bilhões em reservas. E reservas desse tamanho, aos olhos dos tucanos, significa gastos com juros. Mas a verdade é que quando o dólar cai e a Taxa Selic também, a dívida bruta retrai, o que é favorável. Portanto, mexer nessa relação só se a presidenta Dilma encaminhar uma mensagem ao Senado pedindo mudança.
Aí sim, conforme manda o Regimento Interno do Senado, será feito um Projeto de Resolução mudando isso. Caso contrário e se Serra apresentar um projeto específico, ele deverá ser questionado por não respeitar a Constituição. Por outro caminho, mudar o limite de endividamento é pedalada neoliberal.
Por Marcello Antunes, do PT no Senado