Em junho de 2016, o Partido dos Trabalhadores ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.551) no Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo que fosse declarada inconstitucional a Medida Provisória 727/2016. Editada em 12 de maio, um dia após o Senado aprovar o afastamento de Dilma Rousseff, ela criou o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), alterando o sistema que vigorara por 20 anos no setor.
Segundo a ação do PT, a MP, que violava mais de uma dezena de dispositivos constitucionais, transformaria o BNDES num “agente de financiamento da privatização, como no governo FHC”, nas palavras do professor da Unicamp Marcelo Manzano.
A MP, uma das primeiras assinadas pelo então interino Michel Temer, foi vista como uma “carta de intenções” ao mercado. Temer escreveu na exposição de motivos que ela visava “à ampliação e fortalecimento da interação entre o Estado e a iniciativa privada para viabilização da infraestrutura brasileira”.
Além de criar o PPI e uma secretaria para cuidar dele, a MP criou o Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias, vinculado ao BNDES, responsável por gerir as verbas destinadas aos projetos de concessão, parcerias e privatizações nos moldes vistos hoje.
Essa distorção do papel do BNDES é criticada pelo assessor da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) e especialista em saneamento Edson Silva. Segundo ele, o setor do saneamento público e universal vem sendo atacado com propostas de privatização de empresas estaduais por todo o país, seja pela implantação de Parcerias Público-Privadas (PPPs), seja via leilões de parte das companhias.
“A lógica deste governo é a de que o setor privado vai aportar recursos. O que temos dúvida, porque o setor privado não vai trazer dinheiro novo, vai se utilizar de recursos públicos do BNDES e Caixa que poderiam estar sendo oferecidos para o próprio setor público”, critica o especialista em saneamento.
Em 2020, os investidores estrangeiros retiraram US$ 51 bilhões líquidos em investimentos do Brasil. Foi o oitavo ano consecutivo de fuga de recursos, conforme dados divulgados pelo Banco Central. Somente em fevereiro, março e abril, R$ 31 bilhões líquidos ultrapassaram as fronteiras brasileiras pela via financeira.
Em oito anos, de 2013 a 2020, os estrangeiros retiraram US$ 318,9 bilhões líquidos do Brasil. Esta cifra diz respeito aos investimentos estrangeiros em novas plantas ou em empresas já em funcionamento, aos aportes em ações e demais ativos financeiros e às remessas de lucro e pagamentos de juros no exterior, entre outras operações.
‘Livro Azul’ retrata o fracasso golpista
O fracasso da “ponte para o futuro” dos golpistas está retratado no ‘Livro Azul da Infraestrutura’, lançado em dezembro passado pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB). O documento descreve em detalhes a trajetória descendente dos investimentos no Brasil ao longo dos últimos anos.
“Desde 2014, quando o Brasil conseguiu investir R$ 180,3 bilhões na infraestrutura, ponto máximo da história recente, os investimentos anuais caíram drasticamente, fazendo com que o hiato entre a realidade do que é investido e a necessidade de investimento anual permaneça muito grande em um país com deficiências históricas no acesso e na qualidade da infraestrutura”, aponta o estudo. “Cabe recordar que o Brasil apresentou uma taxa de investimentos média durante o período 2010-2014 de 20,5% do PIB.”
O documento prossegue informando que, no total, o investimento em infraestrutura somou R$ 123,9 bilhões em 2019, inferior em 31,3% ao pico de R$ 180,3 bilhões atingido em 2014, sob a presidenta legitimamente eleita Dilma Rousseff. “A parcela privada de investimentos no setor apresentou queda de 17,8% entre 2014 e 2019 – uma retração de R$ 109,3 bilhões para R$ 89,8 bilhões. No mesmo período, a parcela pública caiu ainda mais: 52,0%, de R$ 71,0 bilhões para R$ 34,1 bilhões”, elenca o relatório.
Segundo os cálculos da entidade, o Brasil investe apenas 44% do necessário para reduzir os gargalos da infraestrutura no período de uma década. Para dispor de uma infraestrutura competitiva, o país precisaria elevar os investimentos de 1,9% do PIB para um patamar entre 4% ou 4,5% do PIB nos próximos dez anos.
E a retomada dos investimentos públicos será ainda mais importante no pós-pandemia, na visão da Abdib. A entidade cita o estudo ‘Investimento público para a recuperação’, do Fundo Monetário Internacional (FMI), segundo o qual o investimento público pode gerar entre dois e oito empregos diretos para cada milhão de dólares gastos em infraestrutura.
Conforme o relatório do FMI, em 15 países da América Latina e Caribe, incluindo o Brasil, na média anual entre 2008 e 2013, o setor público foi responsável por 90% dos aportes na área de recursos hídricos e saneamento básico e por 77% no setor de transportes. Em energia e telecomunicações, os aportes do Estado corresponderam respectivamente a 44% e 7% do total dos investimentos feitos no período em questão.
Ainda segundo o estudo, um aumento do investimento público em 1% do PIB poderia “fortalecer a confiança na recuperação e impulsionar o PIB em 2,7%, o investimento privado em 10% e o emprego em 1,2%”. O órgão internacional defende que, num cenário ainda com forte incerteza diante dos desdobramentos da pandemia do coronavírus, é necessária uma ação contracíclica dos governos.