Lemos com atenção o artigo O petismo vive! E o PT?, assinado pela companheira Alana Moraes e os companheiros Jean Tible e Josué Medeiros, na revista Teoria & Debate e, com ele, queremos estabelecer um diálogo, sobretudo, porque grande parte do PT do século XXI tem que ser formulado por sua nova geração, quadros forjados na resistência anti-neoliberal, primeiros governos do PT e disputas sobre os rumos partidários dos anos 90, além, claro, na experiência de 13 anos de governos Lula e Dilma à frente do país. Antes de tudo, é imprescindível dizer que o debate sobre o fim ou continuidade do PED merece resposta favorável à sua manutenção, para que a principal característica do PT e do petismo, partido e corrente política social de massas, não se arrefeça, o que seria o maior retrocesso desde a fundação do partido. Sobre isso, recomendamos o artigo do companheiro Cassio Nogueira, jovem membro do Diretório Nacional PED: a solução para a crise é mais partido de massas.
Contudo, é necessário sistematizar a plataforma organizativa do presente, não caindo nas armadilhas de reivindicar “acertos de contas” com as reformas partidárias implementadas na mesma década de 1990. Um “acerto” que diz respeito às polêmicas sobre o passado e diz pouco sobre os passos seguintes.
O PT é uma sina, saga e chaga de uma trajetória histórica da esquerda
Temos pleno acordo que “O petismo é uma sina. Saga. Chaga. A mais forte e bela experiência de auto-organização em massa dos trabalhadores brasileiros. O PT foi um instrumento fundamental para as conquistas recentes que estremeceram a experiência de classes no país”, mas é preciso superar o divórcio histórico com a importante tradição trabalhista brasileira, os legados de Getúlio e João Goulart, as reformas de base como caminho nacional para o socialismo democrático, como proclamava Darcy Ribeiro e San Tiago Dantas, reivindicando esta tradição como parte da trajetória da esquerda brasileira da qual o PT é o ápice.
Isso constrói uma narrativa sobre o histórico da disputa de rumos do Brasil rumo (ou não) à soberania política, independência econômica, justiça social e a construção da Pátria Grande latino-americana, permitindo à sociedade identificar suas tendências e sua evolução. O oposto nos circunscreve a uma especificidade da jornada do povo brasileiro por sua emancipação, que só responderá ao futuro enquanto tal cuja permanência ou não é mero acidente ou fato social e histórico “facultativo”. Para nós, trata-se de consolidar renovando a corrente e o pensamento de massas Popular, Democrático e Nacional. Welfare State “Tropical”, o caminho brasileiro ao socialismo democrático com alianças populares, nacionais e democráticas
A narrativa sobre o realizado nos governos Lula e Dilma I, “Protagonizamos a diminuição das desigualdades com o avanço dos mercados de trabalho e consumo, vivenciamos a recuperação do salário mínimo e a expansão dos programas sociais, erradicamos a fome, combatemos a pobreza e a miséria, distribuímos renda, incluímos negros/as nas universidades e promovemos diversas revoluções simbólicas que melhoraram a auto-estima do povo brasileiro, estabelecemos um novo diálogo internacional e colocamos o país em um outro patamar da geopolítica e da geoeconomia global” chamamos de Estado de Bem-Estar Social em construção – como o país – alicerçado numa estratégia e modelo de desenvolvimento – que obteve êxito até aqui – na expansão de direitos e das políticas e serviços públicos, pelo protagonismo estatal, por meio do resgate do planejamento, mas com participação social, cuja mola propulsora foi a combinação de estabilidade da moeda, crescimento econômico e distribuição de renda.
Este processo, sobretudo, se baseou na busca por expandir e materializar o arcabouço da Constituição de 88, resultante da decisiva intervenção da então pequena bancada do PT e do resgate de elementos constantes na plataforma das Reformas de Base dos anos 60 ou a atualização destes por novos movimentos sociais ante sua negação pelas medidas tomadas na ditadura militar.
A esta proposta de narrativa cabem duas perguntas? É desejável e possível a construção deste Welfare State “Tropical”?
Nossa resposta é que, sim, é desejável, contudo o caminho percorrido para a consolidação deste horizonte na periferia global guarda profundas contradições com o Imperialismo, sendo efetivamente uma janela para aquele “caminho brasileiro” ao socialismo democrático. Então, de partida, este horizonte é capaz de aglutinar – para um objetivo cujo desfecho é aberto em suas consequências e desenvolvimento – não só os socialistas, agregando força social e política tanto para chegarmos até aqui quanto para “mais mudanças, mais futuro”.
É neste sentido que discordamos da afirmação pela qual “O PT, no entanto, está morrendo. Ao que tudo indica, o Partido parece não mais estar à altura de acompanhar as mudanças da sociedade que ele próprio ajudou a transformar. Sequestrado pelo burocratismo partidário, capturado pelo gabinetismo parlamentar, preso à racionalidade das alianças com a direita para manter a ‘governabilidade'”.
Consideramos que não é correto confundir a crítica à processos de acomodação do partido e sua dinâmica com a rejeição da estratégia de centro-esquerda. O que precisamos é, outrossim, encontrar a plataforma organizativa para avançar a partir dela à luz do nosso “estado da arte” e de como esta nova organização deve se relacionar com esta estratégia. Novamente, o oposto é desconsiderar que somos, hoje, minoria política, institucional e ideológica, inclusive tendo perdido a tênue hegemonia conquistada durante estes 13 anos, enquanto a economia crescia.
No momento atual, mais do que denunciar desconfortos ou propor coisas como “disputar valores”, é necessário dizer como, qual estratégia, quais aliados? Em suma, mais do que Know How, é preciso Savoir Faire.
Portanto, afirmamos a plena vigência da perspectiva de, em nível local, trabalhar para isolar a contradição fundamental do desenvolvimento com soberania nacional, independência econômica, justiça social e integração regional – quatro pilares que unem, efetivamente, trabalhismo histórico e petismo -, que é o partido do sistema financeiro internacional e dos interesses do Imperialismo, o PSDB, e, em nível nacional, agregar todos os setores que corroboram com as características do supracitado Welfare State “Tropical” em construção, mantendo as elites cindidas ou, se gradualmente se reunificam – forçar sua (re) cisão.
Critique-se como se quiser as alianças, a análise dos balanços anuais de votações de Congresso Nacional até aqui comprovam que, majoritariamente, ocorreram em consonância com os rumos propostos pelo PT ao país.
Quem tem Know How e Savoir Faire pode inspirar a reforma do PT
Adiante, acolhemos a pergunta “De onde a mudança do PT pode vir?” e a primeira resposta é divergir da assertiva pela qual “O PT do Orçamento Participativo, que acolheu o Fórum Social Mundial e inspirava a esquerda mundial já não existe”.
Data venia os autores do artigo com o qual dialogamos estarem falando da estrutura propriamente dita do PT, avaliamos que a campanha pela reeleição da presidenta Dilma revelou um partido vivo, voluntário, auto-organizado, prenhe de inteligência, iniciativa e criatividade que decidiu, em parte, a campanha e a embalou pela esquerda.
Se está se falando do PT enquanto sua burocracia, em real, se descreve o PT um certo PT gaúcho como vitrine do “dever ser”, do que discordamos enquanto único modelo a ser seguido, até porque também não pouco imune a erros e equívocos, basta se destacar a derrota, ainda nas prévias, do então governador Olívio Dutra ou, mesmo, a situação atual do partido no Rio Grande, após o resultado das últimas eleições estaduais.
Fora isso, o PT do Bolsa-Família, da saída do Mapa da Fome, da descoberta e afirmação da soberania sobre o pré-sal, da passagem de devedor a credor do FMI, do protagonismo diplomático, da Unasul, CELAC e BRICS são, para o mundo de hoje, principalmente para as esquerdas, referência bem maior do que o “PT do Orçamento Participativo”. Exemplo claro é a inspiração que somos para os governos progressistas da América Latina, que, de fato, promovem avanços sociais, econômicos e políticos no continente, em que pese muitos militantes do PT, sem compreenderem esta dimensão profunda, se referenciem mais nas experiências aqui inspiradas. Syriza, Front de Gauche e Podemos!também bebem em águas brasileiras.
E aqui há uma outra dimensão do que chamamos campo Popular, Nacional e Democrático: o de um projeto regional de desenvolvimento. Ele não pode ser conduzido apenas pelo que formalmente seriam os “socialistas-comunistas” neste âmbito. Imaginamos, por exemplo, seriamente este processo sem o atual peronismo-kirchnerismo? Há quem possa.
Por isso, a segunda resposta à pergunta “De onde a mudança do PT pode vir?” concordamos com uma resposta do artigo – “do petismo”, mas discordamos da “Do petismo em diálogo e articulado com as revoltas de uma nova geração mundo afora (15M na Espanha, Occupy nos EUA, praças Syntagma, Tahrir e Taksim, dos ‘pinguins’ no Chile e do junho brasileiro)”.
Primeiro que o “junho brasileiro” em sua totalidade nada tem a ver com estes demais exemplos. Começou em SP talvez como “os que clamam e agem por participação política. Intervenção direta, e não representação” e desaguou em marchas por todo o Brasil da UDN do século XXI, que não pode ser mistificada sob pena de estarmos reivindicando como legítimas os embriões das atuais marchas pelo Impeachment, que o ministro Miguel Rossetto corretamente denunciou como daqueles “que majoritariamente não votaram na presidenta Dilma”.
Esta etapa “paulista”, por sua vez, se parece mais com as manifestações argentinas de 2003, do “Que se vayan todos!”, que produziu não só a base social do kirchnerismo, mas a nova geração do peronismo renovado pela esquerda, o agrupamento “45 años para bajo” La Campora. E é justamente nesta direção que divergimos que a linha estruturante referencial externa de onde a mudança do PT pode vir sejam o “15M na Espanha, Occupy nos EUA, praças Syntagma, Tahrir e Taksim, dos ‘pinguins’ no Chile”.
Para nós, uma das reformas mais importantes pelas quais o PT precisa passar é a de seu perfil militante. Uma reforma “moral” que depende de uma reforma organizacional. Apresentamos um sentido: articular um Sistema de Transição Geracional (tema para outro artigo), a organização territorial, com capacidade para atrair o povo para as discussões, conquistar a simpatia da população, atividades permanentes de convencimento popular e filiação ao partido e defesa do governo. La Campora, forjada nas necessidades de resistência ofensiva da América Latina atual é um norte estruturante, não experiências pontuais e que, em sua maioria, não conseguiram produzir uma força política nacional permanente, com estrutura e pensamento sistemático.
Medidas estruturais “para que o petismo retome o partido”.
Quanto ao trecho que inicia com “Tarso Genro propôs uma frente de esquerda no Rio de Janeiro contra o PMDB de Eduardo Cunha, o exterminador de direitos. (…)” e ante aos questionamentos “como fazer com que as estruturas partidárias (o PT) se abram aos filiados, militantes, simpatizantes, apoiadores críticos (o petismo) de forma permanente e contínua, e não apenas nos processos internos de escolha de direção e nas eleições gerais e parlamentares?”, nossas respostas estão inscritas em emendas que apresentamos à corrente á qual nos filiamos no PT, a Construindo Um Novo Brasil, a serem apreciadas no V Congresso do PT, cuja síntese segue abaixo:
– Realizar, junto com o PED, uma consulta pública, aberta para não-filiados em cédula separada, sobre grandes temas nacionais a serem abordados pelo PT;
– Eleições diretas, em todos os níveis, para todos os setoriais do partido, inclusive para a “organização autônoma” Juventude do PT;
– Retomar os Diretórios Zonais para cumprirem 06 tarefas: a) promover debates políticos sobre o contexto do país de forma aberta ás comunidades, para disseminar as ideias, propostas, agenda e a defesa do partido e do governo; b) buscar o diálogo com os beneficiários dos programas sociais do governo federal (e, eventualmente, de governos municipais e estaduais do PT) no território em que se encontra; c) organizar iniciativas de solidariedade social, como limpeza de ruas, praças, reformas de creches etc, para ganhar simpatia da população a atraí-la para o PT; d) organizar atividades permanentes de panfletagem em locais populares da comunidade sobre temas candentes da conjuntura, destacadamente sobre as polêmicas que envolvam as medidas de governo e as mentiras do antipetismo, para o convencimento pontual e sistemático do povo; d) estruturar um ativismo digital a partir das identidades territoriais e seu contexto político e não apenas de modo genérico via tuitaços e reprodução de conteúdo, dando propósito para os núcleos virtuais aprovados no IV Congresso; e) coordenar um processo de nucleação subterritorial do PT, nas escolas, universidades, condomínios e bairros da Zonal; f) criar condições para um diálogo territorial com movimentos sociais e, no mesmo nível geográfico, com os partidos da base aliada, conforme cada caso local (se dirigimos a prefeitura, o governo, como se reproduz no município do respectivo Zonal a coalizão federal…), de preferência com liderança da nova geração do PT;
– Criar um espaço permanente, vinculado ás reuniões do diretório nacional, estaduais e municipais, de discussão política com os artistas simpáticos ao PT;
– Retomar os encontros de prefeitos, secretários, governadores, legisladores para a convergência e uniformidade geral das experiências de governo ação legislativa, acumulando para a nova síntese do Modo Petista de Governar do Século XXI;
– Incentivar a proliferação de núcleos temáticos, como o de gestão pública, para a promover a reoxigenação de ideias e propostas para o partido e abrigar militantes “sem espaço de discussão”;
– Instituir um Sistema de Transição Geracional: até os 30, militância na JPT, de 30 a 40, reserva de vagas nas instâncias dirigentes municipais, estaduais e nacional. – Investimento forte em novas candidaturas protagonizadas por jovens militantes do PT.
Outras reformas
Também fazemos questão de dialogar com 03 pontos abaixo do artigo dos companheiros:
– “Frente de Esquerda”: propomos, sim, uma frente de centro-esquerda, na lógica do movimento Popular, Nacional e Democrático, capaz de dar coesão à disputa com o neoliberalismo, defesa da democracia e ao pactuado na coalizão para o próximo período, onde caibam todas as organizações e lideranças sociais, políticas e militantes deste espectro. Presidenta Dilma e o ex-presidente Lula tem que liderá-la;
– “Políticas de transparência e participação nas finanças partidárias”: defendemos é a politização da arrecadação do PT em campanhas de massas. Junto à sociedade à nossa base, pelas mudanças sociais que promovemos; junto ao pequeno, médio e, inclusive grande empresariado, pela manutenção e melhoria do ambiente econômico que criamos;
– “Abertura de debates para a construção de uma nova agenda que inclua no seu centro: o bem-viver, o direito à cidade, direitos humanos, comunicação, cultura, comunidades tradicionais e povos indígenas, reforma das polícias, nova política de drogas, políticas alternativas ao encarceramento, combate à homofobia, descriminalização do aborto”: abrigar estes temas na discussão geral da retomada da agenda interrompida, as Reformas de Base, mas para o nosso tempo, pactuada com o campo Popular, Nacional e Democrático.
A hora dos “estados gerais do PT”
Por fim, o PT precisa retomar uma propaganda profissional, com marketing competente para resgatar a imagem do partido sem descaracterizá-lo, como foi, por exemplo, o “Você pode até não saber, mas, no fundo é um pouco PT”, a eleição de Lula em 2002, a reeleição de Dilma em 2014, combinado com novos organismos de nossa área de influência, tais como os Comunicadores com Dilma.
É preciso também que o partido se abra para o mundo para disputá-lo por dentro, estabelecendo relações políticas com os partidos de esquerda que governam a América Latina, os BRICS e intercambiando com experiências de gestão como a liderada pelo Partido Democrata dos EUA, com a camopanha do “Rise The Age” e pelo fim da Era do Encarceramento em Massa.
Temas para o V Congresso que, nos termos de hoje, será a primeira reunião dos “estados gerais” do petismo.
Leopoldo Vieira, Cassio Nogueira e Richard Back são militantes do PT