A escalada de violência contra a caravana começou no Rio Grande do Sul onde a comitiva foi agredida com pedras, ovos e pedaços de pau, sendo impedida de prosseguir em algumas cidades. A situação foi tão extrema que, em um município gaúcho, uma simpatizante dos governos petistas foi espancada de relho quando caminhava em direção ao comício para ouvir o ex-presidente falar.
As imagens das violências cometidas, que circularam amplamente nas redes sociais, chocaram o país pelo grau de selvageria e acenderam um sinal de alerta em relação ao estágio avançado da disseminação do discurso do ódio.
Para o historiador e professor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz, André Dantas, não é errado dizer que vivemos uma escalada fascista. Segundo ele, os grupos com discurso fascista e personalidades políticas que assumem publicamente essa narrativa estão crescendo no Brasil.
“Nas experiências fascistas clássicas, a aceitação de discursos de ódio em geral foram a antessala para a configuração de um governo/Estado fascista. Hoje, não temos ainda um governo assim instalado, embora figuras públicas com esse viés estejam presentes no legislativo e coladas no executivo”, avaliou.
Ao longo da caravana, iniciada em 19 de março, a omissão das autoridades em relação à segurança da comitiva, encabeçada por dois ex-chefes de Estado [Lula e Dilma Rousseff] foi latente. A presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, senadora pelo estado do Paraná, cobrou em entrevista coletiva na noite de terça-feira (27), após os disparos que atingiram a lataria dos ônibus, ações das autoridades de segurança tanto em nível nacional como estadual. Todos foram informados sobre o percurso com antecedência.
“A violência contra a caravana vem crescendo e as autoridades foram alertadas dos fatos ocorridos. Antes da viagem mandamos um ofício ao [Ministro Extraordinário da Segurança Pública do Brasil] Raul Jungmann com todo o roteiro pedindo apoio na segurança; mandamos as informações ao governo do Estado do Paraná e falamos com o comando da Polícia Militar. O fato é que não temos proteção”.
“O nível de violência e de ódio chegou a um ponto que precisamos da manifestação das autoridades desse país para saber o que elas acham sobre isso tudo que está acontecendo. A política agora vai virar um bang bang e as pessoas vão atirar nas outras?”, concluiu Gleisi.
Na opinião do professor de ciências políticas do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Rodrigo Freire, o que acontece hoje é fruto da deterioração da democracia brasileira que contou com o apoio da mídia comercial, do Judiciário e do legislativo para tirar do poder uma presidenta da República legitimamente eleita.
Para ele, os grupos que atacaram a caravana na região sul do país são formados por pessoas privilegiadas, ricas, de classe média alta e fazendeiros e foram alimentados por esse ódio diariamente pelos meios de comunicação empresarias.
“Com esse estímulo, abriu-se a caixa de Pandora e veio o ovo da serpente”, diz o professor, que explica: para a democracia brasileira, a caixa de Pandora foi o golpe. E os golpistas não conseguiram controlar esse ódio que se tornou nessa escalada do fascismo.
O historiador André Dantas lembra que momentos de crise econômica e política profunda são terrenos férteis para expressões de ódio de classe que se intensificam, sobretudo em jovens pertencentes à classe média. Neste sentido, disse ele, movimentos separatistas tipo “o sul é meu país” e frentes nacionalistas que pregam claramente o retorno da ditadura militar começam a ganhar adeptos e a ter uma aceitação social que antes não existia.
“Não resta dúvida que a intimidação a uma figura como o ex-presidente, tem claramente um ódio de classe colocado porque Lula representa efetivamente um discurso que a direita quer fritar politicamente e se utiliza de vias ilegais, rasgando a constituição, para tentar vetar a candidatura dele. É uma estratégia. Já os grupos da extrema direita fascistas utilizam outras ferramentas, mas o objetivo e o ódio de classe são os mesmos. São métodos distintos dentro da própria burguesia”, comentou o professor.
A escalada de violência foi muito grave e contou com a conivência de políticos de várias esferas, disse Rodrigo Freire.
“Tem vários vídeos circulando da caravana passando e as pessoas jogando pedras e ovos e carros da polícia do lado, parados sem fazer nada. E uma senadora gaúcha que fez discurso de ódio incentivando a violência”, lamentou o professor.
“Estamos falando não apenas de uma manifestação política que é importante para garantir a democracia, mas de dois ex-presidentes da República e o Estado tem a obrigação de dar segurança. E não é isso que estamos vendo”.
Freire disse, ainda, que a execução da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), que era uma lutadora dos direitos humanos e fazia um discurso muito forte de afirmação das mulheres, do povo negro, das favelas, foi alvejada sem sequer sofrer ameaça. “Os sinais são ruins e o assassinato de Marille foi um recado para quem defende essas pautas de esquerda e mostrou que estamos todos – uns mais, outros menos – expostos e inseguros”.
Ele explicou que o período democrático que se iniciou na Constituição de 1988 foi, em geral, bem sucedido, onde houve uma expansão dos direitos e cidadania como nunca antes visto no Brasil.
“Foi um período muito virtuoso que sofre uma quebra em 2016 e desde então vivemos um momento de desdemocratização. Esperamos que as eleições de 2018 ocorram normalmente e que Lula possa ser candidatos, assim como todos os outros que queiram se candidatar, e que a partir de 2019 esse estado de exceção se corrija, por meio do voto popular. Mas no momento estamos vivendo uma transição para a ditadura”, completou Freire.
Da CUT