É como fazer o gol de honra na goleada por 7 x 1. Mesmo apresentando leve crescimento pelo sétimo mês consecutivo, o setor industrial brasileiro ainda patina no prejuízo e vê seu peso na formação do Produto Interno Bruto (PIB) nacional se reduzir a cada ano.
O Índice Pesquisa Industrial Mensal de Produção Física (PIM-PF), divulgado nesta sexta (8) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cresceu 1,2% em novembro passado. Mas no acumulado do ano até novembro, o setor ainda acumula um tombo de 5,5%, ficando 13,9% abaixo do nível recorde, alcançado em maio de 2011. Em 12 meses, a queda é de 5,2%. E sobre os patamares pífios já apresentados em 2019.
No índice acumulado no ano, a produção industrial tem resultados negativos em todas as quatro grandes categorias econômicas, 20 dos 26 ramos, 59 dos 79 grupos e 63,1% dos 805 produtos pesquisados. As maiores quedas na parcial de 2020 foram registradas nas categorias de bens de consumo duráveis (-22%) e de bens de capital (-13,1%).
Segundo os analistas econômicos, uma retomada mais firme da indústria ainda depende do mercado de trabalho, que vem mostrando dificuldades, e da redução das incertezas domésticas. Entre elas, a vacinação contra a Covid-19, que permitiria uma retomada produtiva sustentável, mas tornou-se mais um imbróglio bolsonarista.
Governo refém do sistema financeiro
O atraso da vacinação mais o silêncio sobre o auxílio emergencial e a falta de política industrial, com apoio às micro, pequenas e médias empresas, empurram a sociedade para explosão social. De outro lado, a insistência em manter o “teto de gastos” impede investimentos em todas as áreas. Com a produção em queda, o país entra 2021 apontando para novos recordes de desemprego – que já atinge mais de 14 milhões de trabalhadores.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que o PIB da indústria terminará 2020 com retração de 3,5%. Para 2021, a projeção é de alta de 4,4%, acima do esperado para a economia brasileira (4%) – afinal, o parâmetro de comparação será subterrâneo.
No caso da indústria automotiva, que nos tempos dos governos do PT tornara-se “locomotiva” do crescimento econômico com geração de empregos, o tombo foi de 31,6% em 2020, apesar da alta de 11,1% em novembro. O relatório da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), também divulgado nesta sexta, apresenta o pior resultado desde 2003, quando o governo Lula começava a implementar sua política industrial.
Em 2020, a Anfavea calcula que foram produzidos 2.014.055 automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus, contra 2.944.988 no ano anterior. Em 2003, haviam sido fabricados 1.684.715 exemplares. As exportações, que em anos anteriores salvaram os balanços de várias montadoras, também sofreram queda: de 24,3% em comparação com 2019.
Atraso da vacinação piora situação
Para 2021, as previsões da entidade patronal são otimistas: altas de 25% da produção, 9% das exportações e 15% dos licenciamentos. Mas Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, reconhece os obstáculos. “Nunca foi tão difícil projetar os resultados de um ano, pois temos uma neblina à nossa frente desde março, quando começou a pandemia”, explica, no release de apresentação dos resultados.
“Infelizmente, observamos uma segunda onda de Covid-19 em países do Hemisfério Norte, que parece ter chegado também ao Brasil. E sabemos que uma imunização pela vacina será um processo demorado, que tomará quase todo o ano, impedindo uma retomada mais rápida da nossa economia”, avalia o líder patronal.
“Some-se a isso a pressão de custos, as necessidades urgentes de reformas e surpresas desagradáveis como o aumento do ICMS paulista, e temos diante de nós um quadro que ainda inspira muita cautela nas nossas previsões”, resume Moraes, ressaltando que o setor entrou em 2021 com estoques suficientes apenas para 12 dias de vendas, os mais baixos da história.
Resultado lógico da onda de demissões e PDVs que varreu o ramo em 2020, o número de pessoas empregadas na indústria automotiva também caiu. Segundo a Anfavea, dezembro passado fechou com 120.538 empregados, ou queda de 4% em relação a 2019, quando houve os primeiros movimentos de desmobilização do chão de fábrica por alguns fabricantes e o quadro de funcionários fechou em 125,6 mil trabalhadores. Cinco mil a menos do que o registrado em dezembro de 2018.
Indústria perde importância
Juliane Furno, doutoranda em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e colunista do portal ‘Brasil de Fato’, chama a atenção para a participação das atividades industriais no PIB. Ela apresenta decréscimos alternados desde os anos 1990, mas que se intensificaram a partir de 2016, quando o golpe de Aécio, Temer e Cunha afastou a presidenta legitimamente eleita Dilma Rousseff.
A economista responsabiliza a opção dos governos do golpe por priorizar a fabricação e venda de produtos de baixo valor agregado, como petróleo cru, laranja e soja. Na contramão, produtos com grande valor agregado, como bens duráveis, são produzidos fora do país. Quando muito, apenas a montagem final é realizada internamente, remetendo o acúmulo de valor à indústria estrangeira.
“O fato de a gente precisar importar grande parte desses bens intermediários para a fabricação do produto final aponta o quanto a gente está perdendo esses elos da cadeia produtiva industrial brasileira”, aponta Furno, para quem “isso é um atestado de desindustrialização.”
“Desde o governo Temer, e agora no governo Bolsonaro, não existe uma política industrial e um esforço em elaborar um projeto de diagnóstico de como está a indústria, quais são os gargalos e principais desafios e em criar uma política para estimular que o setor industrial tenha capacidade reconectar ou de adensar essas cadeias produtivas”, afirma a economista. Seguindo essa linha de prioridades, Brasil torna-se refém da transferência de valor para outros países, explica.
Além da desindustrialização, a retração no setor também reflete o mercado doméstico em crise, explica o professor do Departamento de Teoria Econômica da Unicamp, Marco Antonio Rocha. A queda da demanda por bens e serviços esvazia o caixa das empresas e faz os investimentos caírem, o que leva a impactos negativos sobre a produtividade das empresas.
A Reforma Trabalhista do usurpador Michel Temer, em 2017, desestruturou a capacidade nacional de formar um mercado doméstico vigoroso e gerou empregos de qualidade muito baixa. “Se qualidade dos empregos gerados é muito baixa, é difícil criar mecanismos de recuperação do mercado doméstico. Esses mecanismos dependem de uma estrutura de ocupação mais sólida, estável”, afirma Rocha, para quem “o pior ainda está por vir”.
A retomada internacional das atividades industriais pós-pandemia, diz ele, acirrará os mercados concorrentes e deverá levar a guerras comerciais semelhantes aos embates entre Estados Unidos e China vistos nos últimos anos.
“Nesse cenário de aumento da concorrência internacional, a indústria brasileira está completamente incapacitada para o enfrentamento”, avalia o professor da Unicamp. “Principalmente se o país não tiver minimamente instrumentos de defesa do mercado interno, de fomento à proteção das companhias e de todo o conjunto de pequenas e médias empresas, que são importantes sobretudo na geração de emprego”, conclui.
Da Redação, com Brasil de Fato