Uma convulsão social tomou as ruas do Chile. Tudo começou há cinco dias, com protestos de estudantes secundaristas contra o aumento da tarifa do transporte público. Mas as razões vêm de antes.
Em setembro de 2018, o presidente Sebastián Piñera e a Ministra da Educação Marcela Cubillos assinaram o projeto de lei “Aula Segura”, uma espécie de “lei antiterrorista” nas escolas, em uma tentativa de criminalização do movimento secundarista.
Estudantes do Instituto Nacional, em Santiago, escola equivalente ao que representa o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, intensificaram as manifestações e foram alvos de dezenas de operações das Forças Especiais da Polícia, equivalente chileno ao “BOPE”.
Entre tentativas de revistar mochilas e invasões da tropa ao Instituto, o movimento secundarista foi intensificando os protestos e radicalizando as ações. Em um contexto nacional de criminalização generalizada dos movimentos sociais.
No dia 6 de outubro, a Ministra dos Transportes Gloria Hutt decretou o aumento da tarifa, argumentando uma decisão técnica devido ao aumento do diesel e valorização do dólar. 30 pesos a mais por viagem, depois do aumento de 10,5% da tarifa de energia elétrica.
O Chile é um dos países mais desiguais do planeta e, durante a ditadura militar de Augusto Pinochet, aplicou a cartilha neoliberal pela primeira vez no continente, privatizando a previdência social, saúde, educação e serviços básicos como água e luz.
Hoje em dia, 80% das aposentadorias estão abaixo do salário mínimo, que tampouco dá conta de cobrir os gastos básicos. Não há cobertura de saúde pública universal, mesmo as universidades públicas cobram taxas e a desigualdade segue aumentando.
Há cinco dias, os estudantes secundaristas chamaram a saltar as roletas do metrô. Em grupos cada vez maiores, estudantes saltaram roletas de maneira pacífica, difundindo vídeos em redes sociais através do termo #EvasionMasiva.
O governo Piñera respondeu criminalizando as manifestações e destacando a polícia para patrulhar as estações. Sexta-feira, 18 de outubro, o metrô amanheceu com 90% do efetivo policial dentro. Manifestantes foram reprimidos com violência. O país entrou em choque.
Após assistir às imagens da repressão policial contra estudantes, milhares de pessoas saíram às ruas e ocuparam os pontos principais de Santiago. Outras, desde suas casas, acompanharam em um panelaço sem precedentes na história do país.
Ao mesmo tempo, grupos radicalizados intensificaram ataques às estações do metrô, ao mobiliário público e houve saques. Aparentemente, a polícia se retirou, resultando em várias estações incendiadas, assim como alguns ônibus e vagões.
A resposta do governo foi decretar Estado de Emergência na Região Metropolitana de Santiago. Pela primeira vez desde a ditadura militar de Pinochet, um genera, Javier Iturriaga, comanda tropas e limita direitos de ir e vir e de reunião pacífica.
A indignação foi generalizada, sábado 19 de outubro, Chile acordou com militares nas ruas e panelaços intensificados, almoçou os primeiros confrontos da polícia com manifestantes e entardeceu em chamas, com saques massivos, já em várias cidades.
A oposição rejeitou negociar enquanto as forças armadas estivessem nas ruas. Ao fim da tarde, o Presidente cancelou o aumento da tarifa, chamou os poderes de Estado para dialogar. Porém, pouco depois, o general Iturriaga decretou Toque de Recolher.
Essa não é a primeira vez na história que a população chilena se rebela dessa maneira. Em 1949, o governo de Gabriel González aumentou a tarifa de transportede 0,2 a 20 pesos, gerando dois dias de protestos massivos, conhecidos como a Revolução da Chaucha.
Em 1957, o Presidente Carlos Ibáñez também tentou subir o preço das passagens, provocando a ira da população. Decretou Estado de Sítio e chamou às tropas, que se uniram à polícia para reprimir manifestantes, no que ficou conhecido como a Batalha de Santiago.
Piñera não aprendeu dos erros de seus antecessores. Demorou 24 horas em reverter o aumento e estendeu o Estado de Emergencia e Toque de Recolher à várias regiões. O sentimento nas ruas é de indignação, não é mais sobre a passagem. É sobre a precariedade da vida.
Raoní Beltrão do Vale, defensor de direitos humanos e militante do Partido dos Trabalhadores residindo em Santiago.