Para surpresa geral os presidentes da Câmara Federal e do Senado, senador Eunício Oliveira (PMDB) e deputado Rodrigo Maia (DEM), secundados por outros expoentes do golpismo pátrio, recolocam na pauta do Congresso a necessidade da reforma político eleitoral.
A surpresa é justificável pois essas figuras e seus partidos sempre estiveram contra qualquer alteração que viesse democratizar e moralizar o sistema eleitoral brasileiro. Em especial, por exemplo, o item do voto em lista partidária fechada e, fogem como o “diabo da cruz”, se esta vier acompanhada de uma garantia de igualdade de gênero ou de um terço de mulheres na lista.
Tudo indica que o fervor reformista não é porque se converteram à democracia mas, ao contrário, por razões pouco nobres. Certamente, as delações dos diretores da Odebrecht, a ampliação da Operação Lava Jato, a cumplicidade com o golpe e o governo anti povo de Temer são as razões mais fortes que explicam o ímpeto pelas mudanças eleitorais.
A aproximação de 2018, com um governo usurpador, destruidor de direitos sociais históricos e da economia nacional, aponta para uma difícil eleição desses senhores no ano que vem.
Nada melhor, portanto, do que mexer na lei eleitoral, casuisticamente, para garantir-se com foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal através do processo eleitoral. Governo e Parlamento desgastados e comprometidos com a liquidação do emprego, dos salários, da Previdência e com os brutais cortes nos gastos de Educação e Saúde dificilmente terão apoio e voto em 2018.
De olho na sobrevivência precisam de uma reforma sob medida onde os votos, mesmos minguados, garantam os primeiros das listas. Sabem que seus partidos, sem democracia interna, sem igualdade de gênero, com a maioria dos diretórios estaduais e municipais sob direções provisórias, são manipuláveis por direções eternizadas nos mandatos.
Não basta, porém, criticar o casuísmo e assumir uma posição incoerente ou endossar as críticas mais reacionárias a essa iniciativa e fazer a defesa do atual sistema eleitoral baseado no voto nominal, individual, sustentado pelo poder econômico mesmo com a proibição da contribuição empresarial. Os grandes acionistas, diretores e executivos encarregam-se de financiar seus candidatos sem comprometer a pessoa jurídica proibida. A última eleição de Porto Alegre é um ensaio, uma prova, de como ocorre a burla.
Neste final de semana (25/3/17) em Editorial, “A Armadilha da Lista Fechada”, ZH assume claramente essa posição. Aparentemente, faz a crítica do casuísmo, aponta o sentido de auto-defesa de quem não quer ser investigado, da reeleição fácil e da proteção do foro qualificado.
O editorial de ZH alicerça-se no argumento de autoridade do ex-ministro do STF Ayres Britto, que teria desmascarado a manobra capitaneada por lideranças do Congresso, em entrevista à Globo News.
Diz o editorial: “Afirmou (Ayres Britto) que o sistema é incompatível com o modelo constitucional brasileiro e que equivale a substituir a democracia pela partidocracia”. O ex-ministro teria dito também que o voto previsto na Constituição é no candidato e não no partido, que a proposta favorece o caciquismo e não se constitui em boa prática.
Essa posição joga a água suja e a criança juntas para fora da bacia. Na condição de ex-ministro e sem estar falando “nos Autos do processo”, Ayres Britto defende sua opinião pessoal, igual a de qualquer outro cidadão. Seus argumentos são respeitáveis mas não se constituem numa Bula papal sobre o tema.
Ao contrário, os argumentos são fracos e não resistem à experiência histórica e mundial. A maioria esmagadora dos sistemas eleitorais são baseados nas indicações partidárias, seja a lista fechada ou passível de alterações na ordem original e os sistemas distritais onde é o Partido que indica o candidato que representará o Partido ou coligação. Voto nominal, como é o caso brasileiro, é a exceção. São dois ou três países que o adotam no mundo e não se constituem como exemplo de democracia.
Outra tese: favorecer o caciquismo. Também não se sustenta pois além da prática mundial majoritária da indicação pelos partidos, combate-se o caciquismo com democracia partidária, com legislação que proíba a indicação pela direção partidária sem convenção democrática, sem participação dos filiados. O voto em lista força os partidos a se democratizarem, a terem militância, debate interno ou desaparecem pela burocratização. O voto partidário, programático, é educador e o processo eleitoral torna-se pedagógico para a identificação com um projeto político.
Afirmar que a lista fechada é inconstitucional também é insustentável. Já temos no Brasil o voto apenas na legenda, considerado válido e que soma para estabelecer a proporcionalidade da representação. E, não há democracia sem vontades coletivas, sem partidos programáticos, ideológicos, democráticos no seu funcionamento cotidiano.
Por isso, não há razão para interditar o debate e manter o anacrônico, antidemocrático e a serviço do poder econômico, sistema de voto nominal com financiamento privado.
As bancadas dos partidos populares, de esquerda, não devem vacilar na defesa do voto em lista, com nominatas escolhidas em convenção de todos os filiados, com democracia interna e igualdade de gênero nas listas. Além dessa, existem outras propostas mais democráticas que o modelo atual.
A posição da OAB e CNBB apresentada no último debate na Câmara Federal que gerou a “mini reforma” era ousada e original pois estabelecia dois turnos também para as eleições proporcionais. No primeiro o eleitor votaria apenas na legenda. Estabelecida a proporcionalidade dos partidos, estes apresentariam lista maior no segundo turno para escolha nominal dos eleitos, fortalecendo os partidos sem retirar o direito da escolha individual pelo eleitor.
As alternativas existem, o que não podemos é ficar reféns do casuísmo, do oportunismo de alguns partidos ou imobilizados na defesa do atraso, do anacrônico e antidemocrático sistema nominal vigente.
Vamos enfrentar o debate com posições próprias, claras, baseadas em experiências melhores que a atual diante deste Congresso golpista e usurpador ou através de movimento que brote das bases da sociedade, da expressão de uma verdadeira soberania popular através de uma Assembléia Nacional Constituinte exclusiva e soberana que enfrente a ilegitimidade vigente.
Raul Pont é professor e ex-deputado estadual pelo PT-RS