Nos últimos cinco anos, a indústria das fake news viabilizou, por meio de mentiras e ataques à reputação de adversários políticos, a destruição de democracias e a ascensão da extrema direita ao poder pelo mundo. No Brasil, a rede subterrânea de informações falsas garantiu a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência em 2018 com uma série de disparos pelo whatsapp. Agora, no auge da pandemia do coronavírus – nesta sexta (28), registrou-se 3.772.945 casos e quase 119 mil mortes, segundo consórcio de imprensa – redes produtoras de fake news avançam sobre um terreno perigoso, o da saúde pública.
Especialistas temem que campanhas de desinformação sobre a Covid-19, sobretudo vacinas, criem um clima de desconfiança na população brasileira, arruinando as estratégias de combate à pandemia e agravando a crise. Levantamento do grupo União Pró-Vacina (UPVacina), que reúne pesquisadores ligados à USP Ribeirão Preto, revelou que, entre os meses de maio e julho, houve um crescimento de 383% de postagens com informações falsas sobre a vacina contra o coronavírus no Facebook.
No período, os pesquisadores avaliaram 155 postagens de dois dos principais grupos antivacina em atividade. O resultado apontou um alto volume de interações: foram 3.282 reações, 1.141 comentários e 1.505 compartilhamentos. Segundo o analista de comunicação do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto da USP, João Henrique Rafael Junior, apesar de pequenos, os grupos somam-se a outras redes de desinformação “consolidadas durante a pandemia”, com “mecanismos complexos e abrangentes”.
“A preocupação é que o efeito da ação desse mecanismo coloque em risco futuras campanhas de vacinação contra a covid-19 e até mesmo a confiança geral nas vacinas”, observou o analista, em entrevista a Jornal da USP. Para o pesquisador, as campanhas de desinformação nas redes sociais devem crescer à medida que sejam noticiadas nova informações sobre os avanços nas pesquisas cientificas relativas à produção de vacinas, especialmente no Brasil.
A campanha das redes de fake news contra a vacina às vezes obedece orientações ideológicas, a exemplo das tropas bolsonaristas que disseminam nas rede sociais mentiras em torno da vacina russa e da chinesa, as duas em fase de testes. Independente da orientação, contudo, a estratégia vem causando efeito. Recente pesquisa do Datafolha revela que cerca de 9% dos entrevistados não tomariam uma vacina contra o coronavírus.
Teorias conspiratórias
Entre os temas mais abordados pelas postagens com informações falsas sobre vacinas contra a Covid-19, estão as teorias da conspiração elaboradas para “alertar” voluntários sobre os efeitos da vacina. Estão lá alterações no DNA, risco de ter a mente controlada em função de chips implantados por meio de imunizantes – um dos chefões seria o empresário americano Bill Gates – , risco de aborto, entre outras mentiras.
Depois de publicadas e compartilhadas, a maioria das postagens não sofreu qualquer alteração, alerta ou foi apagada. Do total analisado pelo grupo de pesquisadores, apenas 11% foram marcadas pelo Facebook como conteúdo falso.
Manual anti-fake news
Para compensar a disparidade, o grupo criou um manual anti-fake news para informar a população sobre fatos envolvendo as vacinas em desenvolvimento. “É um cenário em que há muita informação sendo publicada sobre vacinas, então gera um interesse da população em saber o que está acontecendo”, justificou Nathália Pereira da Silva Leite, criadora do manual ao lado do pesquisador Wasim Syed, ambos integrantes do UPVacina.
“As publicações resultantes de estudos em formato de artigo científico não são produzidas pensando em alcançar todo tipo de leitor e acabam ficando à mercê da interpretação de terceiros sobre elas”, explicou Leite ao ‘Jornal da USP’. “É fundamental que haja produção de conteúdo científico de qualidade que também converse com todas as pessoas”, observou.
Algoritmo do Facebook, ameaça à saúde pública
Como atestam a eleição de Donald Trump e o sucesso da campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit, a indústria das fake news não são um fenômeno brasileiro. Segundo dados do grupo internacional AVAAZ , especializado em combater notícias falsas e autor do estudo Algoritmo do Facebook: Uma Grande Ameaça à Saúde Pública, redes globais de disseminação de desinformação sobre saúde, abrangendo pelo menos cinco países, geraram cerca de 3,8 bilhões de visualizações no Facebook no ano passado.
“O conteúdo dos 10 principais sites de divulgação de informações inverídicas sobre saúde teve quase quatro vezes mais visualizações no Facebook do que o conteúdo equivalente dos sites de 10 instituições de saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC ) dos EUA”, aponta o relatório.
Como no caso brasileiro, o grupo internacional relata que apenas 16% de todas as informações incorretas sobre saúde analisadas tinham uma etiqueta de advertência do Facebook. Os restantes 84% de artigos e postagens analisados no relatório permanecem online sem qualquer advertência, alerta o AVAAZ. O conteúdo analisado foi postado nas plataformas da rede nos Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e Itália.
Da Redação, com informações de ‘Jornal da USP’ e ‘AVAAZ’