Para Miguel Rossetto, o fortalecimento da Previdência só ocorrerá com a melhora econômica, o aumento do emprego e da formalização. Ministro da Previdência Social na gestão da presidenta eleita Dilma Rousseff, Rossetto acredita que o combate à sonegação e à informalidade, e um maior alcance da cobrança da dívida previdenciária, seriam iniciativas muito mais efetivas do que a proposta de desmonte, feita pelo presidente golpista Michel Temer (PMDB).
“A recessão e o desemprego ameaçam a Previdência, e não os direitos do povo”, afirmou. Segundo Rossetto, o objetivo final dessa proposta é retirar a população pobre do orçamento. “Esse movimento visa retirar essa parcela do povo da renda nacional, reconcentrar a riqueza pública nas elites brasileiras, e abrir o sistema previdenciário para o mercado privado”, alerta.
O ministro ainda ressalta que o impacto desse desmonte nas pequenas cidades será brutal. “Hoje grande parte da atividade econômica das pequenas cidades depende da aposentadoria urbana e rural”, diz. A reforma vai, portanto, ampliar a recessão e, assim, aumentar a pressão pelos serviços públicos. “Nós estamos ampliando a exclusão social em todo o território nacional”, diz.
Veja abaixo a íntegra da entrevista do ministro à Agência PT de Notícias :
Como a reforma da Previdência vai retirar direitos dos trabalhadores?
A idade como critério único de aposentadoria, de 65 anos, o fim da diferença entre homens e mulheres e entre campo e cidade, a redução do salário dos aposentados, a exigência de 49 anos para o salário integral, são todas medidas que inviabilizam o direito à aposentadoria e à remuneração do aposentado, assim como a restrição ao valor das pensões, o fim da condição especial de 25 anos para professores e professoras em sala de aula.
A recessão e o desemprego ameaçam a Previdência e não os direitos do povo.
Todas essas propostas buscam retardar e inviabilizar o direito ao trabalho diante da realidade de mercado do trabalho do país. A recessão e o desemprego ameaçam a Previdência e não os direitos do povo. Nos últimos dois anos, o Brasil conviveu com uma recessão de 8 pontos percentuais. Foram quase 3 milhões de postos de trabalho destruídos.
Como recuperar a Previdência?
Quem financia a Previdência social é a economia e o emprego. O Brasil tem que voltar a gerar emprego de qualidade. É necessário realizar o combate à sonegação, que ainda é alta, e agilizar a cobrança da dívida ativa da Previdência, que hoje está na ordem dos R$ 400 bilhões.
A capacidade de cobrança do estado é muito baixa, de 0,3% ao ano. Nós temos que melhorar a Previdência. Existem milhões de trabalhadores que não estão vinculados à Previdência. Nós avançamos muito, através da formalização, do direito ao trabalho das empregadas domésticas, do Simples, do MEI (Microempreendedor Individual).
Foram milhões que entraram no sistema. Mas ainda há espaço para a formalização das relações de trabalho para aumentar a contribuição à Previdência.
E sobre as contas da Previdência? O senhor poderia explicar?
Não há descontrole nas despesas previdenciárias. O que há é uma queda brutal na arrecadação previdenciária provocada pela recessão. Essa reforma não tem uma agenda previdenciária. Ela é uma reforma fiscal contra o povo trabalhador desse país, em especial as mulheres.
Eles ampliam a idade do Benefício de Prestação Continuada (BPC) que é o benefício solidário aos mais pobres, para idosos que tem uma renda per capita abaixo de um salário mínimo, e pessoas com deficiência. Além disso, desvinculam do salário mínimo.
Eles estão jogando milhões para uma condição de indigência, de pobreza, porque não vão conseguir se aposentar e vão encontrar o BPC aos 70 anos sem garantia do salário mínimo. É uma reforma cruel de ampliação da exclusão e da pobreza. E produtora da pobreza e da exclusão, e da violência.
Qual é o objetivo por trás dessa proposta?
Retirar o povo do orçamento e da renda pública. O aumento real do salário mínimo que Lula e Dilma fizeram, de 77%, e a ampliação da cobertura previdenciária para 88% dos idosos do país, uma cobertura previdenciária que permite que 33 milhões de brasileiros e brasileiras recebam benefícios previdenciários, tudo isso melhorou a qualidade de vida do nosso povo.
Esse movimento visa retirar essa parcela do povo da renda nacional e reconcentrar a riqueza pública nas elites brasileiras, e abrir o sistema previdenciário para o mercado privado.
Distribuiu de alguma forma a riqueza do país. Esse movimento visa retirar essa parcela do povo da renda nacional e reconcentrar a riqueza pública nas elites brasileiras, e abrir o sistema previdenciário para o mercado privado. É mais um movimento de desigualdade, de exclusão e de concentração da renda.
Qual o impacto colateral desta reforma na sociedade?
Hoje grande parte da atividade econômica das pequenas cidades depende da aposentadoria urbana e rural. Significa dizer que, por anos, essa renda não vai chegar aos municípios. Significa, por um lado, crise econômica e desemprego, e por outro, maior pressão pelos serviços públicos. Nós estamos ampliando a exclusão social em todo o território nacional.
Nós estamos ampliando a exclusão social em todo o território nacional.
O que ameaça é a recessão e o desemprego porque não existe esse déficit anunciado pelo governo. Só há uma forma honesta de falar da Previdência, que é o que está escrito na Constituição brasileira que o governo desrespeita. Não há déficit na Previdência e nós temos de ir aperfeiçoando a Previdência, o que fizemos quando criamos um fórum no nosso governo com empresas e trabalhadores.
Como a reforma se associa a outras medidas do governo golpista?
Quando associamos essa medida à PEC 55 (proposta aprovada em 2016 e que congela os gastos públicos) e à barbárie da desregulamentação das relações de trabalho a partir da terceirização e do fim da CLT, nós enxergamos a crueldade e o atraso dessas medidas no Brasil. Porque esses movimentos desorganizam o mercado de trabalho, levando milhões de trabalhadores à informalidade, dificultam o contrato de longo prazo, estimulam o contrato precarizado de curto prazo ao mesmo tempo que cobram contrato formal de 49 anos para aposentadoria.
Se torna cada vez mais difícil e inviável. Essa mudança na terceirização: não existe nada de aperfeiçoamento e especialização, mas sim promove um aumento da exploração de trabalho e concentração de renda e jogam o país numa desigualdade cada vez maior.
Nosso partido tem liderado a resistência a essas medidas com uma grande unidade e deve permanecer como liderança, nesse movimento forte de denúncia de informação, de debate, com todo o povo brasileiro.
É uma ação conjunta?
Todo o movimento tenta fragilizar o sistema previdenciário público porque fragiliza a qualidade dos salários, agride e ataca um sistema que tem como base a repartição simples. Ou seja, quem tá no mercado de trabalho financia quem já trabalhou. O país que sai do golpe e dessas agendas é um país mais desigual, mais violento, e que exige a manutenção dessa denúncia e do combate firme que o PT está fazendo. Temos um longo terreno de debate e disputa para impedir essas políticas desastrosas e cruéis contra o povo brasileiro.
O que o senhor tem a dizer sobre as estatísticas utilizadas para justificar essa reforma?
A Previdência tem uma dimensão muito grande. São 33 milhões de acolhidos mensalmente pelos benefícios previdenciários (dos quais 23 milhões recebem um salário mínimo) da pensão, da aposentadoria, do salário maternidade, e de mais de 70 milhões que participam financiando esse sistema. É um sistema vivo, que tem que ser aperfeiçoado porque reflete as mudanças da sociedade brasileira.
Até 2060 temos um longo processo de acompanhamento dessa situação. Os dados que esse governo demonstra não são consistentes, as variáveis não são consistentes, o que vem sendo desmonstrado [em estudos como este]. Quando falamos do aumento da expectativa de vida – que é uma conquista, os brasileiros viverem mais – se, por um lado, temos um aumento de gastos com uma parcela mais idosa da população, por outro lado vamos reduzir os gastos sociais com a infância e a adolescência no país.
Nós temos que tratar isso com a devida consistência. Nós temos que trabalhar muito com a formalização do mercado de trabalho. Nós temos que fazer que o aumento da produtividade da economia brasileira financie os gastos sociais. Portanto há uma longa agenda a ser percorrida. O que é inaceitável é essa agenda que acabe com os direitos previdenciários e faz com que esses trabalhadores que já são vítima do desemprego sejam as vítimas futuras de um sistema de previdenciário que não vai chegar até a eles. O que agride a Previdência é a recessão e o desemprego e não os direitos do trabalhador.
A reforma também aumenta o risco dos jovens abandonarem a contribuição?
Essa sinalização é perigosa porque afasta os trabalhadores jovens e abaixo de 50 anos. É desastroso. É um movimento que enfraquece a previdência pública. Temos que reverter, fortalecendo o sistema público. As experiencias chilena e mexicana são desastrosas. Hoje a população desses países está nas ruas revertendo esse sistema.
Que sistemas são esses?
São sistemas privados de financiamento privado, de contribuição privada, que se revelaram absolutamente insustentáveis. Por isso o nosso sistema que é de repartição de ciclos, de solidariedade entre as gerações, deve ser mantido porque ele é eficiente, e é financiado num tripé, contribuição direta do trabalhador, com cota patronal e pela sociedade com as contribuições previstas na Constituição. É um sistema equilibrado financeiramente. Os constituintes quando estabeleceram esse sistema estabeleceram também as fontes de financiamento. Contribuição do empregado, patronal, Cofins.
É um sistema equilibrado financeiramente. Os constituintes quando estabeleceram esse sistema estabeleceram também as fontes de financiamento.
E qual caminho deve ser seguido?
Temos que retomar urgentemente a reforma tributária. O país tem uma estrutura tributária altamente regressiva, onde quem mais paga impostos são os mais pobres e os ganhos de capital não são tributados, aquele que aplica na Bolsa são isentos, um dos poucos países do mundo onde isso ocorre. As grandes fortunas, as heranças têm tributação extremamente baixa. O andar de cima não contribui. O Imposto de Renda tem alíquotas de no máximo de 27,5%, sendo que há países que a contribuição chega a 40%. Temos que ter uma agenda de combate à sonegação e de formalização do mercado de trabalho.
É impressionante a capacidade que essas elites têm de cortar direitos e transferir para os trabalhadores a responsabilidade da crise do país. Os trabalhadores são vítimas e não responsáveis. E sempre voltam com a pauta arcaica escravocrata de redução do custo do trabalho, atrasada, regressiva, insustentável, em pleno século 21. Pensam a riqueza através do ganho rentista e do ganho com a redução do custo do trabalho. São aqueles que tentam de todas as formas preservar quem se envolve com o trabalho escravo. Que entram na Justiça para suspender a lista suja da divulgação do trabalho escravo.
Temos que continuar esse combate, e ter uma grande vitória para o país. Os debates que eu tenho feito em todo o Brasil demonstram que a medida que a sociedade se informa, ela se coloca contrária. Cresce o movimento de resistência. Nós estamos criando as condições para derrotar essas políticas. Temos que dar continuidade a essas agendas, de participação intensa nesses debates e estimular comitês municipais em todo o país em defesa da Previdência contra a reforma e em defesa dos direitos. Essa é a grande tarefa.
Por Clara Roman, da Agência PT de Notícias