A crise de emprego, agravada pela inação e inépcia do desgoverno Bolsonaro em amenizar os efeitos econômicos e sociais da pandemia do coronavírus, vem sendo construída há três anos, desde a publicação, em 11 de novembro de 2017, da Lei 13.467, a “reforma trabalhista” promovida pelo usurpador Michel Temer.
Na época, já empossado pelo golpe de 2006, ele garantiu que a extinção de mais de cem pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) criaria mais de 6 milhões de empregos. Ao invés disso, a demolição de marcos legais gerou foi mais trabalho precário, mais desemprego e mais informalidade.
“Os trabalhadores perderam direitos e conquistas sociais. A massa salarial bruta caiu. Com salários mais baixos, o poder de compra dos trabalhadores diminuiu. O trabalho intermitente é uma vergonha, não garante o mínimo necessário ao trabalhador, e tende a piorar em razão do fim da política nacional de valorização do salário mínimo. Além do mais, com menos empregos formais, a Previdência Social perdeu arrecadação”, descreve o presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, Paulo Paim (PT-RS).
Para o senador, Temer enganou a população, já que a reforma “não gerou um emprego sequer”. Pelo contrário: “A informalidade aumentou. O governo à época vendeu gato por lebre, enganou a sociedade”.
A mesma posição tem o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE). “Mentiram para o povo! Reforma trabalhista completa três anos sem gerar um único emprego. Pelo contrário, o desemprego é o maior da história”, enfatizou.
O colega de bancada Paulo Rocha (PA) também criticou os “três anos de uma farsa”. “A Reforma Trabalhista prometia geração de empregos, mas a entrega foi de precariedade e quebra de direitos. Se continuarmos desta maneira, a crise econômica e social se arrastará por bastante tempo. Nossos trabalhadores merecem mais”, alerta o senador.
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ratificam a posição dos senadores petistas. Conforme a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), em novembro de 2017, quando a reforma entrou em vigor, o Brasil tinha 12,6 milhões de desempregados. Em agosto deste ano, o número subiu para 13,8 milhões. Os totais de subsutilizados (33,3 milhões de pessoas) e de informais (31 milhões) também batem recordes consecutivos.
Em julho, o total de pessoas ocupadas no Brasil caiu para 85,9 milhões, e o de desempregados totalizou 87,6 milhões. Foram os piores números da série histórica da Pnad Contínua, que teve início em 2012. Pela primeira vez, os desempregados superaram o número de ocupados. Esse recorde inclui a soma dos desalentados, aqueles que desistiram de procurar emprego, número que teve alta de 15,3% no último trimestre, chegando a 5,4 milhões de brasileiros e brasileiras.
Na última quinta (12), o IBGE divulgou um estudo demonstrando que o Brasil bateu em 2019 o recorde da proporção de pessoas que buscavam por nova oportunidade de trabalho há pelo menos dois anos. Naquele ano, a taxa de desemprego no Brasil ficou em 11,7%, e 27,5% dos desempregados procuravam emprego há pelo menos dois anos – maior proporção da série histórica iniciada em 2012.
Um ano antes, a taxa de desemprego era de 12% e aqueles que buscavam por recolocação no mercado de trabalho há pelo menos dois anos representavam 26,8% do total de desempregados.
Essa proporção vem aumentando desde 2016, quando a presidenta legitimamente eleita Dilma Rousseff foi afastada do cargo. Naquele ano, 20,7% dos desempregados aguardavam há mais de dois anos por nova oportunidade. Em 2017, quando a taxa de desemprego bateu recorde, de 12,5%, a proporção de desempregados há pelo menos dois anos subiu para 23,5%.
Já a proporção de desempregados que buscavam novo oportunidade há pelo menos um ano, mas há menos de dois, diminuiu consecutivamente desde 2016 – era de 18,9% naquele ano e chegou a 15% em 2019.
Também veio diminuindo a proporção de desempregados na fila por nova oportunidade há mais de um mês, mas há menos de um ano. Historicamente, é nessa faixa de tempo que se encontra a maior parte dos desempregados no país. Em 2016, eles somavam 45,6%, chegando a 38,3% em 2019, ligeiramente acima do observado em 2018, que era de 38,1%. Isso sugere que quanto maior o tempo de espera, maior a dificuldade em conseguir uma recolocação no mercado.
Precarização e desemprego
“Se teve uma economia com essa reforma, quem embolsou foram os empregadores que precarizaram o trabalho”, apontou Adriana Marcolino, técnica da subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
“Não teve impacto na geração de empregos, que se manteve em patamares bastante elevados, nem na redução da informalidade, como o governo dizia na época que ia acontecer. A maior parte das ocupações geradas desde que a reforma entrou em vigor foi informal, por conta própria e sem carteira assinada”, afirma a pesquisadora.
Adriana diz que espera que a retomada da economia em 2021, se vier, seja acompanhada pela geração de empregos formais, protegidos com contratos por prazo indeterminado, o contrato padrão. “Porque se a retomada da economia vier baseada nesses contratos precários, muito possivelmente a gente vai arrastar a crise econômica e social por um tempo bastante longo”.
A direção do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC) publicou em seu site o editorial “Nunca foi reforma, sempre foi ataque aos trabalhadores”, em que manifesta a opinião majoritária no movimento sindical sobre o ilusionismo do usurpador Temer. Em resumo, a reforma representa “o maior desmanche de uma legislação conquistada e defendida por gerações de trabalhadores e lideranças sindicais. O desmonte de princípios fundamentais de proteção ao emprego e ao trabalho, inscritos na CLT desde a década de 1940”.
Em artigo publicado no mesmo site, os advogados do departamento Jurídico do sindicato dizem que a reforma “foi apenas um pretexto do governo Temer e dos empresários para impor uma forte redução dos direitos dos trabalhadores”.
“Nenhuma das promessas de que a reforma seria capaz de ativar a economia se concretiza. Antes da pandemia, os indicadores econômicos mostram que o país não estava em recuperação”, analisa o professor José Dari Krein, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que consideram apenas o mercado formal, no período entre novembro de 2017 – quando a reforma entrou em vigor – e setembro de 2020, foram gerados míseros 286,5 mil postos de trabalho com carteira assinada.
Apenas neste ano, as demissões ocorridas entre março e junho ultrapassaram as contratações em 1,6 milhão. A cifra é mais do que o dobro das 697 mil criadas entre julho e setembro e demonstra que a “retomada” propalada pelo atual ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, é uma miragem.
Na verdade, as projeções têm piorado, e os economistas esperam um retrocesso no lento movimento de criação de vagas, levando o desemprego a disparar em 2021. “Se o problema fosse o país repor as quase 900 mil vagas formais perdidas desde a crise, ele não seria tão grande”, afirmou o economista da consultoria LCA Cosmo Donato ao jornal ‘Folha de S.Paulo’.
Segundo ele, o efeito pior da crise – que ainda não apareceu totalmente – se manifestará, em parte, sob a forma de mais demissões quando acabar a estabilidade de emprego garantida aos trabalhadores de empresas que aderiram aos programas de redução de salário ou suspensão de contrato de trabalho. Eles são cerca de 11 milhões de pessoas, ou cerca de um terço de todos os trabalhadores com carteira assinada no país. Medida que foi aplicada, em grande maioria, sem discussão com os sindicatos.
Outro economista, Bruno Ottoni, da consultoria iDados, concorda com o diagnóstico: “Sem uma retomada econômica forte, é difícil imaginar que as empresas conseguirão evitar as demissões quando seu compromisso de manter a estabilidade dos funcionários acabar”.
A deterioração do mercado de trabalho é reflexo de um cenário geral de decadência econômica. Embora a produção da indústria esteja ligeiramente acima dos patamares anteriores à pandemia, esse quadro é insustentável, pois não reflete uma economia em que a produtividade e o investimento crescem e geram um ciclo virtuoso.
Pelo contrário, a expansão atual ocorre especialmente na esteira do auxílio emergencial a trabalhadores informais, que tem término previsto para o fim do ano. Essas transferências, que eram de R$ 600 e caíram para R$ 300, sustentaram um ritmo forte de consumo até setembro. De lá para cá, o indicador se estabilizou. Quando o auxílio for extinto pelo governo, em 31 de dezembro, os efeitos sobre o quadro econômico e social serão nefastos.
O auxílio emergencial, avaliam os economistas, ajudou a conter o aumento do desemprego. “Provavelmente, há trabalhadores que não aparecem na estatística de desocupação porque estão recebendo o auxílio e, portanto, não têm buscado uma vaga”, afirma Ottoni, que é também professor da Uerj e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV).
Isso ajuda a explicar, segundo ele, por que a taxa de participação – que expressa a fatia da população em idade ativa ocupada ou buscando emprego – despencou nos últimos meses. No início de 2020, 61% dos brasileiros de 14 anos ou mais trabalhavam ou procuravam uma vaga. Nos três meses encerrados em agosto, essa média havia caído para 54,7%, menor nível registrado desde o início da série do IBGE, em 2012.
Crise restringiu acordos coletivos
Uma indicação de quanto a desocupação pode aumentar é dada pela evolução ainda contida das demissões no mercado formal. Nos 14 meses anteriores a março deste ano, ocorria uma média de 1,3 milhão de demissões por mês no país. Embora esse número tenha tido expressivo avanço em março e abril, desde então, com a criação de programas de suspensão de contrato ou redução de jornada e salário, ele caiu e se estabilizou em um nível cerca de 16% abaixo do período pré-pandemia.
A expectativa de analistas é que esse ritmo de desligamentos tenha forte aumento no início do próximo ano, contribuindo para uma elevação na taxa de desocupação, hoje em 14,4%, segundo o IBGE. A iDados espera que o desemprego chegue a 17,3% em março de 2021. A projeção, que era de um aumento para 16,6%, acaba de ser revista.
Segundo Donato, da LCA, a própria crise sanitária pode contribuir para uma nova piora do mercado de trabalho. “A crise está muito profunda, tem uma nova onda de Covid-19 na Europa. Isso vai afetar de forma negativa o cenário global, atingindo o Brasil”, afirma o economista.
A LCA projeta que o país retome o nível de emprego registrado em fevereiro (93,7 milhões de trabalhadores ocupados, incluindo o mercado informal) apenas em novembro do próximo ano. “O viés para 2021 é de baixa. O risco de terminarmos o ano que vem com saldo na geração de empregos que não supere o patamar pré-crise é concreto”, afirma Donato.
A crise sanitária, econômica e social reduziu a quantidade de acordos coletivos entre empresas e sindicatos dos trabalhadores e restringiu as negociações salariais. Segundo um levantamento do Dieese, entre janeiro e outubro deste ano, foram registrados 20.812 acordos, sendo que só 7.572 trataram de salário. Em quase um terço (2.084), o reajuste ficou abaixo da inflação, e em 676 as partes concordaram que não haveria aumento. Em todo o ano passado, foram fechados apenas 39 acordos nesses termos.
Já outros 2.382 acordos salariais conseguiram a reposição da inflação, e 3.106 tiveram ganhos reais. Entre as categorias que conseguiram superar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) — que atingiu 4,77% no acumulado dos últimos 12 meses até outubro — estão as do ramo de informática.
Categorias de setores mais impactados pela crise, como comércio e serviços, que demoraram a retomar as atividades, adiaram as negociações para janeiro de 2021. Mesmo assim, não há garantia de que os acordos conterão reposição da inflação. Quase metade (48,8%) do total de 22.910 acordos fechados em 2019 tinha cláusula de reajuste salarial e, neste ano, o percentual baixou para 36,4%. A maioria das negociações firmadas em 2020 trouxe medidas emergenciais relacionadas ao enfrentamento da pandemia, como redução de jornada e de salário.
De acordo com Luís Ribeiro da Costa, pesquisador do Dieese, as perspectivas para as negociações ao longo do próximo ano não são animadoras, diante da alta da inflação e das dificuldades na retomada da atividade econômica.
O sociólogo Clemente Ganz Lúcio, consultor do Dieese, faz previsões sombrias quanto à saída da crise. Na avaliação do consultor, o timing para que o governo adotasse determinadas medidas passou e, mesmo agora, não há sinalização de que a equipe econômica fará o necessário para estimular a reativação econômica.
“Nós estamos falando de um carro que já começou a capotar. Nós estamos dentro do carro capotando. Ninguém sabe quantas vezes vai capotar. O governo não devia ter deixado capotar”, critica o sociólogo.
Para Ganz, o governo agravou a crise com sua inépcia e inação. “Devia ter sido feito um isolamento sério, consistente, bem articulado. Durante o isolamento, o governo deveria ter protegido as empresas, os empregos e ajudado o sistema de saúde a se estruturar. Para poder fazer uma saída do isolamento organizada, indo para a atividade com segurança. Mas não fez nada disso”, avalia.
Segundo o sociólogo, embora ainda haja tempo para uma mudança de rumo, não é verossímil esperá-lo do desgoverno Bolsonaro. “Em parte, é possível (fazer o necessário agora). Mas isso implica um governo que não é esse. Porque esse governo não está preparado para fazer o que precisa ser feito. Eu prevejo uma depressão. A depressão dura pelo menos uma década. Então a gente começa a sair em 2030”, conclui.
Da Redação