O relatório recomendando o impeachment da presidenta, Dilma Rousseff, apresentado nesta quarta-feira (4) pelo senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) cerceia o direito de defesa ao desrespeitar a delimitação feita pelo Supremo Tribuna Federal (STF) de que o processo deveria se concentrar apenas nas pedaladas fiscais de 2015 e à emissão de crédito suplementar do mesmo ano.
A avaliação unânime dos senadores que defendem a democracia e são contra o golpe para tirar Dilma do cargo se baseia no fato de que o espaço de acusação foi delimitado em dois momentos no curso do processo: na decisão do STF sobre o cerne da acusação e na votação da Câmara dos Deputados.
“O relatório ultrapassou o que foi definido na Câmara e no STF”, resume o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PT-PE). “Alargou muito o objeto, tratou de temas estranhos à denúncia. É uma tentativa de forçar a barra para tornar palatável diante da população algo que é cassar uma presidente por atos regulares que querem caracterizar como crime. É um relatório exclusivamente político, é um golpe.”
O texto produzido por Anastasia foi lido na comissão especial do Senado que analisa o pedido de impeachment contra Dilma. Nesta quinta-feira (5), começam os debates sobre o relatório e, na sexta-feira (6), está marcada a votação do texto na comissão. Durante a leitura do relatório, o Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) fez um protesto dentro do Senado contra o golpe.
“É a coisa mais esdrúxula que eu já vi na minha vida”, disse, estarrecida, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). “Não esperava um relatório tão fora de órbita. Todos nós sabíamos que o relatório acataria a denúncia e opinaria pelo prosseguimento do impeachment. Mas não tinha consciência de que seria assim. Achava até que ele abordaria os fatos anteriores a 2015 a partir de teses como crime continuado. Mas estão fazendo abertamente, dizendo que tem poder para analisar tudo. Criminaliza um conjunto de medidas fiscais que são necessárias num momento de crise”, complementou.
“É a coisa mais esdrúxula que eu já vi na minha vida. Sabíamos que o relatório acataria a denúncia e opinaria pelo prosseguimento do impeachment. Mas não tinha consciência de que seria assim”, Vanessa Grazziotin
A senadora criticou a abertura das acusações para além do delimitado pelo STF e na votação na Câmara e também a afirmação de Anastasia de que, tomada a decisão no Senado, não se pode mais recorrer ao Supremo para mudar o mérito da decisão. “Quem disse que não pode?”, questionou. “Passou de todos os limites. Sinceramente, não imaginava que o relatório viesse desse jeito, desrespeitando a decisão do Supremo, desrespeitando a Câmara. Querem confundir tudo.”
O problema central dessa alteração de foco da acusação está em agredir o direito de defesa, um dos pilares do Estado Democrático de Direito. “Ele muda o objeto e atrapalha o direito de defesa, porque o objeto foi delimitado em dois pontos: pedaladas em 2015, o Plano Safra, e os seis decretos de créditos suplementares. Agora não, ele colocou 2014, 2013, Caixa Econômica Federal, BNDES. Então, isso dificulta muito o direito de defesa”, avalia o senador Lindbergh Farias (PT-RJ). “Está sendo assim, um processo eminentemente político. Quem está sendo acusado tem que saber do que está sendo acusado. Mas Anastasia abre para tudo e o correto agora era abrir prazo novamente para defesa, os dez dias de defesa”, diz.
Vanessa Grazziotin considera que essa condução caracteriza o rito sumário do golpe contra Dilma. “A velocidade do processo está dentro da legislação, o que revela que é um rito sumário é quando se muda no processo a acusação. Cerceia o direito de defesa. O crime não está no prazo, que está sendo cumprido, o problema é que a presidenta não sabe exatamente do que deve se defender”, pondera.
Integrante de um partido de oposição, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) diz que Anastasia não poderia ser o relator. “Não é recomendado que o relator, por mais isento que seja, fosse o senador Anastasia, porque é notória a posição política dele, é membro do PSDB, tem relação direta com Aécio Neves”, afirmou Randolfe. “A presença de alguém do principal partido de oposição, e o meu partido é de oposição, deveria ser afastada. Se fosse eu no lugar dele, não tenho dúvidas de que me declararia suspeito.”
Para o senador da Rede, o problema maior é a origem do processo, com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), recebendo o pedido de impeachment para se vingar da decisão do PT de não ajudar a salvar seu mandato no Conselho de Ética. “Estou convencido dos vícios desse processo. Como o nascimento dele, que é uma vingança do presidente da Câmara, que é o maior bandido que este país tem”, disse Randolfe.
O senador Paulo Paim (PT-RS) lamenta a “irresponsabilidade” de um processo exclusivamente político e diz esperar manifestações para barrar o golpe no plenário do Senado. “O relator recomendou o impeachment da presidenta Dilma por motivos absurdos. Pedalada, inclusive, ele [Anastasia] deu mais até que a presidenta”, afirmou Paim. “Eles têm maioria na comissão e não tenho dúvidas, infelizmente, sobre o resultado que vai acontecer. Mas tem o plenário e quero ver se eles têm 54 votos. É um período de seis meses, vamos ter enormes manifestações contra o golpe.”
Camilo Toscano, da Agência PT de Notícias