Um relatório apreciado em plenário pelo Tribunal de Contas da União (TCU) nesta quarta (21) aponta falhas do Ministério da Saúde (MS) na condução do combate à pandemia do coronavírus. Foram encontrados problemas na política de testagem, na descentralização dos recursos e nas estruturas de governança criadas para combater a crise.
O 3º Relatório de Acompanhamento avaliou a estrutura de governança montada pelo ministério e os atos referentes à execução de despesas públicas e às unidades subordinadas ao MS. No documento, os técnicos da área de saúde do tribunal ponderam sobre o cenário de imprevisibilidade no momento da eclosão da pandemia, o que impossibilitaria uma definição “cirúrgica” das ações a serem implementadas.
“No entanto, decorridos mais de oito meses da declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, (…) era de se esperar, a esta altura, uma definição dos objetivos e ações em nível macro correspondentes ao valor alocado e, com uma maior assimilação do cenário, o detalhamento das atividades ou dos projetos a serem desenvolvidos”, ressalvaram.
Segundo os auditores, a pasta também não elaborou um plano de ação respondendo a determinações apontadas pelo próprio tribunal há três meses. “Sem a definição dos elementos que deveriam constar de planos tático-operacionais é possível afirmar que o Ministério não possui uma estratégia minimamente detalhada para combater os efeitos da pandemia”, diz o documento enviado pelos técnicos.
“Não se pode descartar o eventual recrudescimento da doença. Nessa linha, entendo que a efetivação de uma estratégia de testagem e de comunicação com a população assume crucial importância para se reverter a presente incômoda posição do Brasil”, afirmou o ministro Benjamin Zymler, relator do processo no TCU.
A fiscalização do TCU apontou que “a inexistência de um plano estratégico de comunicação junto à população acaba por gerar dúvidas quanto ao comportamento a ser adotado diante da pandemia em seus diversos momentos de evolução. Outra falha é a falta de uma estratégia de planejamento nacional para o enfrentamento da pandemia”, explicou o ministro Zymler.
Na análise das aquisições do Ministério da Saúde, além das deficiências no planejamento, a equipe constatou problemas na transparência dos processos de compra e no monitoramento e avaliação pelos controles interno e externo. O motivo foi a utilização de diferentes sistemas eletrônicos para instrução e condução dos processos administrativos de contratações.
Os auditores apontaram, ainda, que é preciso dar mais transparência aos documentos relacionados a um contrato firmado entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Laboratório AstraZeneca. O acordo prevê o fornecimento de Insumo Farmacêutico Ativo para a produção de 100 milhões de doses de vacinas para a Covid-19.
“Verificou-se, outrossim, a necessidade de que o Ministério da Saúde dê transparência às diversas iniciativas em curso para viabilizar o acesso da população brasileira à vacina, indicando, inclusive, o papel do Ministério da Saúde em cada iniciativa e as tratativas para incorporação dos produtos no PNI (Programa Nacional de Imunizações)”, diz trecho do relatório.
Nesse sentido, os auditores propõem que o tribunal determine ao Ministério da Saúde dar “ampla transparência em seu site às iniciativas relativas à vacina da Covid-19 existentes no país, indicando, entre outras informações, qual o papel do Ministério da Saúde em cada iniciativa”.
Bolsonaro está na origem do problema
No dia 10 de junho, enquanto conversava com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro mandou uma mulher que o questionava sobre o número de brasileiros mortos pela pandemia de Covid-19 “cobrar do seu governador”.
Alguns dias antes, o presidente havia usado o Twitter para argumentar que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) dando autonomia a Estados e municípios para que adotassem medidas de controle da disseminação doença significava que esses entes tinham “responsabilidade total” pelas ações de combate.
Em uma live, o ministro Luiz Fux afirmou claramente que a decisão não eximia o governo federal de sua responsabilidade. E segundo Élida Graziane Pinto, professora da EAESP-FGV e procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, “a leitura que Bolsonaro faz é frontalmente contrária ao que está na Constituição e na jurisprudência — e esvazia ideia de cooperação técnica e financeira”. “Agir pouco e lentamente tem custo alto”, completa.
Desde o início da crise, os repasses de recursos a estados e municípios são feitos a feitas a conta gotas. Os dados sobre a execução das despesas no âmbito do Fundo Nacional de Saúde com a Ação 21CO, relacionada à crise sanitária, demonstram o descaso.
A morosidade contrasta com a resposta regulatória e legislativa rápida observada ainda antes de a pandemia chegar ao Brasil, opina Graziane. No início de fevereiro foi declarada emergência nacional e, poucos dias depois, foi promulgada a lei que coordena as medidas sanitárias, a 13.979.
Em 20 de março, por sua vez, o Congresso Nacional reconheceu a calamidade para acionar o regime de exceções previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal e liberar recursos para o combate à pandemia. A partir daí, entretanto, começaram os conflitos provocador por Bolsonaro – ora com ministros da Saúde (dois foram demitidos), ora com governadores e prefeitos.
“A logística foi toda fragmentada – cada Estado teve que tomar suas providências”, ressaltou à ‘BBC Brasil a pneumologista e pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcolmo, uma das primeiras a tratar pacientes com Covid-19 no país. “Desde o início já estava claro que era necessária uma coordenação muito harmônica entre os diversos níveis de governo — central, estadual e local. E não houve.”
“Houve uma tensão permanente e um comportamento deletério da parte de autoridades federais. Várias pessoas foram para a rua, participaram de manifestações”, ela acrescenta. “E hoje nós vemos uma situação tensa, por conta dessa desarmonia, desse conflito entre administração local e do governo federal. Tudo isso é muito deletério para um controle sanitário de qualquer natureza.”
Da Redação