Dias depois de ser criticado pelo episódio envolvendo o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por causa de uma questão relativa à ditadura, Jair Bolsonaro alterou a composição da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, criada em 1995 pela Lei 9.140, a mesma em que o Estado reconheceu como mortas muitas pessoas perseguidas pelo autoritarismo. Foram substituídos quatro dos sete integrantes, entre eles a presidenta do colegiado, a procuradora da República Eugênia Augusta Gonzaga. Em seu lugar, assume o comando o advogado Marco Vinícius Pereira de Carvalho, assessor especial da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Filiado ao PSL de Bolsonaro, ele é servidor da prefeitura de Taió (SC) e foi cedido à pasta em janeiro.
Quem também foi exonerada da Comissão Especial, conforme publicado hoje (1º) no Diário Oficial da União, foi a advogada, ex-defensora de presos políticos e ex-integrante da Comissão Nacional da Verdade Rosa Cardoso. Ela foi substituída pelo coronel reformado Weslei Antônio Maretti.
Também saem o coronel João Batista da Silva Fagundes, trocado pelo oficial do Exército Vital Lima Santos. Por fim, o deputado Roberto Pimenta (PT-RS) é substituído pelo também deputado Filipe Barros Ribeiro (PSL-PR), ligado ao Movimento Brasil Livre (MBL).
No início da semana, várias entidades ligadas ao movimento de direitos humanos e de resgate da memória criticaram o presidente por suas declarações sobre Fernando Santa Cruz, desaparecido político desde fevereiro de 1974, quando foi preso por agentes do DOI-Codi no Rio de Janeiro. Ele é pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Durante evento, Bolsonaro disse que poderia “contar (a Felipe) o que aconteceu” com o pai.
Ataque vil
“Lamento muito. Não por mim, pois já vinha enfrentando muitas dificuldades para manter a atuação da CEMDP (Comissão Especial) desde o início do ano, mas pelos familiares. Está nítido que a CEMDP, assim como a Comissão de Anistia, passará por medidas que visam a frustrar os objetivos para os quais foi instituída”, afirmou Eugênia Gonzaga, em nota, após saber das mudanças promovidas por Bolsonaro. Para ela, tudo indica se tratar de represália do governo.
A procuradora, que atua há décadas na chamada Justiça de Transição, por resgate da memória histórica e por justiça às famílias de desaparecidos, havia observado em texto publicado nesta semana que mesmo a partir da Constituição de 1988, nenhum governo adotou como política de Estado “o cumprimento intransigente de medidas de Justiça de Transição”, o que fez com que os familiares sigam sendo vítimas de violações e a democracia continue golpeada.
“Porém, mesmo nesse cenário em que a decisão política sempre foi no sentido de ignorar esse tema por ser muito ‘polêmico’, nunca um presidente da República, nem mesmo da própria ditadura, ousou atacar uma família de maneira tão vil”, afirmou Eugênia, para quem algumas atitudes de Bolsonaro poderiam até mesmo inviabilizar seu mandato ou a candidatura à Presidência.
“É certo que Jair Bolsonaro sempre fez apologias a torturadores e assassinos de militantes políticos, cometeu injúria real ao cuspir no busto de Rubens Paiva, entre outros ilícitos que teriam justificado até mesmo a perda do seu mandato de deputado ou a sua inabilitação para ser candidato à presidência da República. Mas o que ele fez neste 29 de julho supera as piores expectativas sobre sua insensibilidade e falta de respeito ao direito humanitário ao luto e ao sepultamento digno. Não é possível que as autoridades com poder para agir em relação a tais atitudes sigam se omitindo e minimizando fatos tão graves.”
Como os torturadores
Para a agora ex-presidenta da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, o atual presidente da República “valeu-se do mesmo método que agentes dos porões, como Curió, Fleury e Ustra, utilizavam para assassinar também a reputação de suas vítimas e desviar o foco de suas responsabilidades”.
Também saem da Comissão Especial o coronel João Batista da Silva Fagundes, trocado pelo oficial do Exército Vital Lima Santos. Por sim, o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) é substituído pelo também deputado Filipe Barros Ribeiro (PSL).
Em janeiro, a prefeitura de Taió arquivou processo administrativo que investigava a conduta do advogado Marco Vinícius, agora assessor de Damares. O objetivo era apurar se ele havia sido responsável pelo vazamento da minuta de um edital. A comissão interna que fazia a investigação disse não ter encontrado provas. Ele afirmou que tinha sido alvo de perseguição politica.