A entrevista de Henrique Meirelles para a Folha de S. Paulo é um retrato da perspectiva medíocre do governo golpista para a economia brasileira. Meireles tenta estabelecer uma ameaça aos parlamentares e, portanto, ao povo brasileiro, afirmando que, se não for aprovada a emenda do teto de gastos, haverá aumento de impostos.
Ou seja, ou dilapida-se o patrimônio de políticas sociais estabelecido pela Constituição de 1988 e aperfeiçoado ao longo das últimas décadas ou o povo brasileiro será sacrificado com mais impostos. Trocando em miúdos, é preciso sucatear o Sistema Único de Saúde e direitos previdenciários e assistenciais, bem como reduzir a inclusão educacional em nome da necessária reorganização fiscal.
Parece justo. Afinal, se todos estamos gastando mais, nada mais justo que paguemos por isso. Os entrevistadores, docilmente, aceitam as respostas cândidas do ministro, sem questionar que tipo de aumento de impostos poderia ser aplicado para resolver a equação. Dessa forma, para um leitor distraído, fica definida a sentença. Mas do que estamos falando mesmo?
A entrevista demonstra que estamos diante de uma velha e desgastada formulação: é preciso produzir superávit ou ao menos equilíbrio fiscal para que venham os redentores investimentos, que assegurarão crescimento. Obviamente, ninguém pode ignorar que é importante cuidar dos gastos e da arrecadação e que, se possível, tenhamos equilíbrio nessa área.
Mas, também é sabido, a opção por ter déficit por algum período, para estimular áreas estratégicas da economia, ou para bancar políticas públicas essenciais, é uma abordagem igualmente responsável na gestão macroeconômica.
Ou seja, a pergunta que não existe na entrevista é: em que se fundamenta a crença de que a criação de uma regra constitucional rígida será compatível com as diversas hipóteses conjunturais, seus impactos sociais e seus desdobramentos políticos. Ou, simplesmente, vamos ignorar as imensas desigualdades e injustiças que ainda não foram reparadas e voltar à ideia de que os pobres não cabem no orçamento e que é preciso resignar-se diante dessa realidade.
O buraco é mais profundo e o debate sobre a economia não pode ser formatado pela limitação da medíocre fórmula. Dê-me o porrete fiscal do teto de gastos ou aceitem mais impostos. Aceitem, quem, Mr. Meireles? Se o ministro da Fazenda não comenta e o entrevistador não questiona, cabe-nos colocar os dedos nas feridas. Que tal dizer que a saída para essa limitação passa por eliminar os privilégios tributários que os ricos gozam no Brasil?
Meireles morou nos Estados Unidos e talvez ainda tenha domicílio tributário lá. Sabe que lá os impostos diretos, sobre renda, propriedade, heranças opulentas e riquezas em geral, são os pilares da arrecadação, conferindo justiça social ao sistema.
O Brasil pode copiar alguma coisa nessa área. Por exemplo, pactuar uma reforma tributária que estabeleça um imposto sobre grandes heranças, com alíquotas semelhantes aos países da OCDE.
E, simultaneamente, aprovar a inclusão das rendas de dividendos das pessoas físicas na declaração anual de imposto de renda, aplicando as mesmas alíquotas que os trabalhadores assalariados pagam sobre os salários.
Na mesma direção, eliminar o injustificável benefício da tributação de parte dos lucros como se juros fossem, aberração criada pelo governo FHC e que só ajuda as maiores empresas do país e seus acionistas.
Podemos sugerir também que o Imposto de Renda das Pessoas Físicas seja alterado, recriando alíquotas maiores, que já existiram no Brasil, e existem em todos os países desenvolvidos, para alcançar aqueles que de fato tem rendas altas, acima dos R$ 50 mil mensais, que não são poucos e têm capacidade contributiva para participar do esforço fiscal, de forma similar a que fariam se morassem nos EUA ou na Europa.
Essa mudança pode ser feita concomitante à elevação da faixa de renda isenta, de forma a aliviar a carga tributária dos que ganham pouco e que pouco acima de R$ 1900 já sofrem descontos na folha de pagamento.
Ou seja, há espaço para mudanças tributárias que ampliem a capacidade de financiamento dos gastos públicos e que direcionem-se aos privilegiados que detém fatia da renda e da propriedade imensamente desproporcional à sua representação na população.
Além disso, diante da inflação em queda, como já prevíamos no início deste ano, a manutenção da taxa Selic é um despropósito fiscal, que onera a economia produtiva e aumenta o custo da dívida, acentuando a taxa de juros real da economia nacional.
Claro, não devemos deixar de discutir como melhorar a qualidade do gasto e nem nos omitir de discutir alterações em regras da Previdência ou de outras políticas públicas. Mas não é possível aceitar que essas mudanças afetem o caráter social e inclusivo do SUS e do Regime Geral de Previdência, nem as políticas sociais que se tornaram referência internacional em redução de desigualdades sociais e regionais.
Por isso, espanta que o ministro da Fazenda não tenha nenhuma formulação para a economia, a não ser uma PEC (proposta de emenda constitucional) que é de difícil aprovação e trágica implementação. Nada sobre os gargalos microeconômicos, nada sobre o obsceno spread bancário, nada sobre as ineficiências tributárias.
A única obsessão é aprovar uma emenda que limita os gastos sociais e que deixa liberados os gastos com juros da dívida. O que virá, se o Senado ignorar as inúmeras evidências da inexistência de crime de responsabilidade e aprovar o impeachment da presidenta Dilma, será um período de arrocho, privatização e desmonte das conquistas sociais.
Ricardo Berzoini é ministro da Secretaria de Governo da gestão eleita de Dilma Rousseff