No tiroteio generalizado em que se transformou a agenda política, é difícil identificar consensos. Assim funciona o jogo democrático formal. Até o momento em que uma maioria se estabeleça, seja nas urnas, seja em tribunais.
O Brasil assiste a um espetáculo digno das repúblicas bananeiras de outrora. Há mais de um ano, por 6 a 1, o Supremo Tribunal Federal decidiu proibir o financiamento privado de campanhas. Rendeuse ao óbvio: grandes empresas despejam milhões e milhões em siglas investindo no futuro delas, é claro.
Uma engrenagem sem fim, pouco importa o governo. Os números de doações eleitorais são eloquentes quanto à “democratização” deste financiamento. Tem para todo mundo, do PT ao PSDB, do PMDB ao PP, e assim por diante. Do Metrô de SP à Petrobras, de Furnas à Telemar, de Marcos Valério a Eduardo Azeredo.
Sob a pressão legítima contra a corrupção institucionalizada, o STF resolveu tomar alguma providência. Ninguém garante, longe disso, que a limitação da promiscuidade entre empresas e candidatos possa ser estancada com uma canetada. Mas inibe, e a redução de danos é o máximo que um sistema como o nosso poderia almejar no momento.
Mas, pelo jeito, nem disso estamos perto. O ministro Gilmar Mendes atenta abertamente contra a Constituição e o regimento do STF e decide, ditatorialmente, que pouco interessa a voz da maioria. Pede vistas de uma votação já decidida, faz campanha pública contra os pares e impede a aplicação de uma sentença praticamente julgada. A democracia formal reza que a cada um, cabe um voto. Na “gilmarocracia”, a cada um, ele, cabem todos os votos.
O espantoso é observar o silêncio obsequioso do próprio Supremo, do Congresso, das instituições da sociedade civil em geral. Rápido no gatilho quando se trata de conceder habeas corpus para banqueiros graúdos, Gilmar se permite o desfrute de determinar o que pode ou não ser votado no tribunal: “Não podemos falar em financiamento público ou privado sem saber qual é o modelo eleitoral […] Isso não é competência do Supremo, é do Congresso.” E ainda humilha os colegas: “O tribunal não servirá de nada se não tiver um juiz que tenha coragem de dar um habeas corpus, de pedir vista.”
A história está cheia de exemplos de megalomaníacos. Idi Amin Dada, o ditador de Uganda, adorava se fantasiar de escocês enquanto massacrava opositores. Nero tocou fogo em Roma. Dispensável citar aquele austríaco tristemente famoso e os nossos generaispresidentes.
Enquanto personagem histórico, Gilmar Mendes, claro, não está à altura de nenhum deles. Como disse Joaquim Barbosa antes de aderir ao panfletarismo eletrônico, o ministro Gilmar pensava que o país funcionava sob o jugo dos jagunços dele. Barbosa se foi. Gilmar e sua tropa ficaram. Enquanto isso, a oposição fala em derrubar Dilma porque ela resolveu se endividar para pagar em dia o Bolsa Família, programas de habitação e o seguro desemprego.
Ricardo Melo é jornalista, colunista do jornal “Folha de S. Paulo”