O Brasil está sendo sacudido por sucessivas rebeliões no Sistema Prisional, em diferentes estados do País, seguidas de massacres resultantes de conflitos entre organizações criminosas que aparentemente assumiram o controle efetivo dos presídios. Tais massacres produziram nesses primeiros dias de 2017, em Manaus, Roraima e Rio Grande do Norte, o assassinato de cerca de 130 pessoas que se encontravam sob custodia do Estado brasileiro. Consta que entre eles foram identificados detentos sem condenação.
É de conhecimento público que 40% dos presos no Brasil estão em detenção provisória, portanto, aguardando julgamento. Cabe perguntar: se o Estado não tem condições de julgar dentro dos requisitos assegurados pela Constituição e de garantir a vida e a segurança das pessoas acusadas, por que enviá-las para presídios que se converteram em verdadeiros matadouros? Qual é a lógica que sustenta a superlotação dos presídios no Brasil? O que ganha a sociedade brasileira com o encarceramento de pessoas que cometeram delitos, mas ainda não foram levadas a julgamento? E, se a sociedade não ganha, quem tem interesse em alimentar essa situação?
A sociedade brasileira está atônita e aterrorizada diante da barbárie que entrou na sala pela janela dos jornais e noticiários de TV. E interroga um governo perdido e incapaz, entre outras razões pela carência de legitimidade que traz consigo por sua gênese golpista, de apresentar propostas consequentes para uma tragédia de vastas proporções. Busca soluções improvisadas que resultam em aprofundamento da crise, como a que foi anunciada nos últimos dias de envolver as Forças Armadas na revista periódica em celas de presídios. Concretamente, humilha os membros das Forças Armadas ao atribuir a eles as funções típicas dos carcereiros. Esse arranjo além de ser inconstitucional, como atestam vários juristas, pois implica em desvio de função das FFAA, abre caminho para aproximar os militares do submundo das drogas cujas consequências trágicas nos aponta a experiência do México nos últimos anos.
Nesse transe em que vive o país é indispensável o empenho da sociedade organizada, dos estudiosos, dos próprios organismos responsáveis institucionalmente pelo Sistema Prisional, das entidades empenhadas na defesa dos Direitos Humanos para oferecer soluções que o governo – na sua impotência – não é capaz de apresentar. O Movimento Nacional de Direitos Humanos, entidade com relevantes serviços prestados à sociedade, trouxe a público nos últimos dias um documento valioso nessa direção, em que defende soluções consistentes e civilizadas, que fogem às medidas cosméticas e midiáticas oferecidas pelo governo. Trata-se de uma contribuição para quem deseja encarar a sério os trágicos acontecimentos que puseram em xeque a condição do Brasil como país civilizado:
– Um mutirão nacional para equacionar a situação dos 40% de presos provisórios, e, ao mesmo tempo, checar a situação de todos os presos, modernizando e efetivando a execução penal garantindo a progressão as penas;
– A substituição da pena de prisão por penas alternativas em todos os casos de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça;
– A universalização das audiências de custódia, permitindo a redução das prisões e combatendo a tortura e a arbitrariedade das polícias;
– A contratação de 10 mil defensores públicos garantindo o acesso universal à justiça, em todos os Estados, protegendo os direitos dos pobres, jovens mulheres, negros, vulneráveis.
As medidas propostas, evidentemente não são suficientes para resolver um problema tão complexo. Mas indicam um caminho completamente distinto do que trilha neste momento, de maneira equivocada o governo federal. São propostas factíveis que incorporadas a um esforço mais amplo da sociedade podem apontar caminhos para a solução da crise humanitária que acomete o país neste difícil início de 2017.
Ricardo Vale (PT/DF) é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal