Quando se alia a Aécio Neves, o PSB renega seus compromissos e joga no lixo da história a oposição que moveu ao governo FHC
A recém-revelada disputa interna no PSB não tem como cerne a disputa da presidência do partido. O que está –e sempre esteve– em jogo é a definição do modelo de Brasil que queremos e, por consequência, do partido que queremos. É nesse ponto que as divergências são insuperáveis, pois entra em jogo uma categoria de valores incompatível com a pequena política.
Quando se alia a Aécio Neves, o PSB renega seus compromissos programáticos e estatutários. Joga no lixo da história a oposição que moveu ao governo FHC e o esforço de seus fundadores para instalar no solo da paupérrima política local uma resistência de esquerda, socialista e democrática.
No plano da política imediata, essa decisão que dividiu o PSB, talvez de forma definitiva, revoga a luta pela qual Eduardo Campos se fez candidato (e os pressupostos de sua tese, encampada lealmente por Marina Silva na campanha), a saber, a denúncia da velha, nociva e artificial polarização entre PT e PSDB, que só interessa, dizia ele, aos verdadeiros detentores do poder.
Como honrar esse legado tornando-se refém de uma de suas pernas, justamente a mais atrasada? O resto é a pequena política, miúda, a politicagem dos que, não podendo formular, reduzem o fazer político aos golpes e aos “golpinhos”, à conquista das pequenas sinecuras das estruturas partidárias e à promessa de recompensa nos desvãos do Estado. Insistir nesse tipo de prática é outro erro.
Que a crise do PT sirva ao menos de lição. E quem não aprende com a história está condenado a errar seguidamente. Aliás, estamos em face de uma das fontes da tragédia brasileira: a visão míope, tomando o que é acessório como o principal, o episódico como o estratégico, a miragem como a realidade.
Nessa decisão em que o PSB jogou pela janela sua própria história e fez em pedaços a galeria de seus fundadores, movido pela busca do poder pelo poder, o partido renunciou ao seu futuro. Podendo ousar construir as bases do socialismo do século 21, democrático, optou pela cômoda rendição ao statu quo. O partido renunciou tanto à revolução como à reforma.
Um partido socialista não pode se conciliar com o capital em detrimento do trabalho, aceitar a pobreza nem a exploração do homem pelo homem, como se um fenômeno irrevogável fosse. Um partido socialista não pode desaparelhar o Estado para melhor favorecer o grande capital, muito menos renunciar à sua soberania e aliar-se ao capital financeiro internacional, que constrói e que construirá crises necessárias à expansão do seu domínio. Ora, ao dar apoio a Aécio Neves, o PSB resolveu se aliar à social-democracia de direita, abandonando o campo da esquerda.
O pressuposto de um partido socialista é o debate, o convívio com as diferenças e a prevalência da lealdade e da ética. Quando esse tronco se rompe, é impossível manter a copa de pé.
A vida partidária exige liturgia. Como presidente do Partido Socialista Brasileiro, procurei me manter equidistante das disputas, embora tivesse minha opção. Isento, ouvi as correntes e dirigi a reunião da comissão executiva que optou pelo suicídio político-ideológico que não pude evitar.
Anfitrião, recebi, segundo meus princípios éticos, o candidato escolhido pela maioria. Cumprido o papel, estou livre para lutar pelo Brasil que sonhamos, convencido de que apoiar a presidenta Dilma Rousseff é, hoje, nas circunstâncias, a única opção para a esquerda socialista, independentemente dos muitos erros do PT, no governo e fora dele.
(Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo)
Roberto Amaral é ex-presidente do Partido Socialista Brasileiro, foi ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (governo Lula)