Durante quase uma década, auditores fiscais cobraram propina de empresas do setor imobiliário para que recolhessem valores menores do que realmente deviam de Imposto Sobre Serviços (ISS)/Habite-se, e ainda desviaram parte desse imposto. A máfia resultou em desvio de pelo menos R$ 500 milhões das contas públicas de São Paulo.
Comandado por servidores ligados à Secretaria de Finanças, o caso ficou conhecido como a Máfia do ISS. O grupo foi revelado após uma investigação conduzida pela Controladoria Geral do Município (CGM-SP), criada em 2013 pelo prefeito Fernando Haddad (PT). A operação que descobriu a máfia foi possível somente com o uso do Sispatri – ferramenta eletrônica implementada naquele ano para analisar os bens dos servidores municipais e detectar quem teve aumento de patrimônio desproporcional ao salário recebido. Esta é uma das iniciativas pioneiras da gestão, pensada para combater e prevenir a corrupção no município.
Os auditores recebiam cerca de R$ 280 mil por semana, em dinheiro, e o foco de arrecadação eram prédios residenciais e comerciais de alto padrão, com custo de construção superior a R$ 50 milhões. Eles ofereciam às empreiteiras guias com metade do valor. Dos 50% cobrados, apenas 10% iam para a prefeitura. O restante era desviado. Não é à toa que o Sispatri foi um dos finalistas, em 2014, na 17ª edição do Prêmio Congresso de Inovação e Informática na Gestão Pública (CONIP), que avalia iniciativas de melhoria da gestão pública por meio da tecnologia da informação.
Na prática, essa tecnologia é inovadora porque permite utilizar os dados da declaração eletrônica de bens e valores dos cerca de 160 mil servidores que trabalham na administração direta e indireta, produzindo uma análise precisa. A declaração anual de bens por meio eletrônico se tornou indispensável a partir de 2013. Desde 1996, ela já era obrigatória, mas entregue em papel e só avaliada em caso de denúncias.
O êxito da experiência de São Paulo despertou o interesse de outros órgãos de controle de 23 estados do país, que participaram de treinamentos realizados pela CGM sobre a ferramenta. Segundo o Ministério Público de São Paulo, o Sispatri poderá trazer uma compensação de cerca de R$ 4 bilhões para os cofres do município.
Na avaliação do Controlador-Geral do Município de São Paulo, Roberto Porto, em entrevista à Agência PT, o Sispatri representa uma mudança de paradigma no combate à corrupção, que se tornou uma marca da gestão Haddad.
Segundo Porto, políticas como esta começaram a partir da concepção e criação da CGM-SP, estruturada a partir de orientações da Controladoria Geral da União (CGU), visando a um modelo capaz de garantir autonomia para investigar dentro da própria prefeitura.
“O prefeito Fernando Haddad me dá carta branca para investigar qualquer órgão ou qualquer pessoa do município, sem que, para isso, eu precise consultá-lo. A autonomia que ele dá para a Controladoria é fundamental para o sucesso desta gestão”, ressalta.
A CGM-SP possui status de secretaria e conta com quatro áreas de atuação: Corregedoria-Geral do Município, Ouvidoria-Geral do Município, Coordenadoria de Auditoria Interna e Coordenadoria de Promoção da Integridade Pública. Até então, em São Paulo, existia Corregedoria e Ouvidoria, sem integração entre ambas.
“Sei que existem municípios e estados que não criaram uma controladoria e que não têm um mecanismo específico de controle interno. Isto é feito, mas não por um órgão específico, com autonomia e independência. Eu entendo que este modelo que São Paulo adotou seja o mais adequado”, afirma o secretário.
A primeira grande tarefa da CGM foi enfrentar a Máfia do ISS. Desde então, o órgão apurou outras práticas ilícitas na gestão e teve recorde de pessoas investigadas e demitidas. “Qualquer órgão de controle interno fica muito voltado à imagem da repressão, quando, na verdade, é indispensável que se tenha uma corregedoria forte, que se puna. Mas esta não é a maior arma de combate à corrupção. A transparência dos órgãos administrativos é. Aliás, há uma determinação do prefeito Fernando Haddad de escancarar todos os dados do município”, avalia.
Nesse sentido, São Paulo se tornou a primeira – e ainda a única – cidade do Brasil a publicar, no Portal da Transparência, a íntegra de todos os contratos firmados pela administração direta e indireta com fornecedores e parceiros. “Tornando o município transparente estamos expondo as fragilidades, e a intenção é justamente esta. Você expõe os dados e eles estarão sujeitos a críticas, pois não são perfeitos. A partir da crítica, você faz controle interno e externo, e melhora a qualidade da gestão. Mas não é qualquer gestor que está disposto a expor fragilidades e ouvir críticas”.
O próximo passo para a prefeitura será divulgar também as etapas percorridas pelo gestor para chegar a aquele contrato. Com isso, a ideia é dar transparência a todo o processo de licitação, não só ao resultado final, que é o contrato. No portal, há também dados administrativos e financeiros das 18 empresas, autarquias e fundações que integram a administração indireta do município, como fluxos de caixa e demonstrativos de resultados.
“Conseguimos estancar a grande corrupção, como a Máfia do ISS. Mas a pequena corrupção, a corrupção de rua, ainda acontece. Ela deve ser menosprezada? Não, pelo contrário, ela alimenta a grande corrupção. E este é um trabalho diário”, diz Porto.
Em dezembro de 2015, a CGM lançou um novo portal, chamado Portal de Dados Abertos, que divulga bases de dados produzidas pelos órgãos e entidades da administração municipal. Estão disponíveis, por exemplo, o fluxo de caixa da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB) e informações sobre as famílias beneficiárias do Bolsa Família.
Outra iniciativa inédita da prefeitura de São Paulo foi a abertura, desde dezembro de 2015, dos dados sobre a titularidade e o endereço dos imóveis da cidade. Para Porto, divulgar essas informações foi quebrar um tabu interno para conseguir pautar a gestão pela transparência. “Isso não é fácil. Discutir a necessidade de abrir um cadastro que era segredo de Estado aqui dentro, isto não se faz do dia para a noite. Mas o prefeito é muito firme em relação a isto”.
Esse conjunto de medidas fez com que São Paulo alcançasse o primeiro lugar, com nota 10, entre as capitais na segunda edição da Escala Brasil Transparente (EBT), elaborada pela CGU e divulgada em novembro de 2015. “Hoje temos controle externo. Quem mais fiscaliza, além da Controladoria, é a própria população”, diz.
O controlador reforça que São Paulo mantém contato com outros municípios brasileiros para trocar experiências e busca referências internacionais para realizar políticas inovadoras de combate à corrupção: “Esta é uma obsessão nossa, estar na vanguarda”.
Pregão eletrônico – A CGM impulsionou um projeto que conseguiu aliar transparência, agilidade e economia nas compras públicas: o pregão eletrônico. Estima-se que milhões de reais podem ser poupados a cada ano com a adoção deste modelo para adquirir bens e serviços na prefeitura, em substituição ao pregão presencial. A modalidade eletrônica favorece o aumento do número de concorrentes na fase de competição e, assim, a prefeitura consegue preços melhores.
O pregão eletrônico tornou-se obrigatório na cidade em 2013 por apresentar outras vantagens além da economia, como a ampliação da transparência, já que todas as etapas do processo são registradas e podem ser acompanhadas por qualquer cidadão. Também reduz o tempo do processo, pois as ações passam a ser automatizadas, como o credenciamento dos participantes, controle do tempo da fase de lances e desempate de propostas. Atualmente, 98% dos pregões do município são eletrônicos.
Porto acredita que, apesar dos desafios de fazer uma gestão transparente, de combate e prevenção à corrupção em uma cultura em que esconder dados públicos era prática comum. “Combate à corrupção é uma mudança de cultura e nosso resultado tem sido muito gratificante. Conseguimos, pelos índices, verificar essas mudanças”, afirma.
Por Daniella Cambaúva, da Agência PT de Notícias