Em 30 de maio de 1935, por inspiração de intelectuais modernistas, como Mário de Andrade, Paulo Duarte e Rubens Borba de Moraes, o então prefeito de São Paulo, Fábio Prado, assinou o ato nº 861, que instaurou o Departamento Municipal de Cultura e de Recreação.
Logo em seguida, Mário de Andrade foi nomeado diretor do primeiro órgão público do país dedicado exclusivamente à promoção de políticas culturais.
Oitenta anos após a criação da secretaria, fica nítida a perspectiva visionária de Mário de Andrade como gestor público de cultura. Além de incorporar unidades isoladas existentes, como o Theatro Municipal, o departamento implementou ações baseadas na ideia de que a cultura deveria ser colocada ao alcance de todos, o que hoje chamamos de cidadania cultural.
Em um momento em que o crescimento de São Paulo gerava uma periferia carente de serviços, Mário buscou democratizar a cultura e articulá-la com a educação e as comunicações. Iniciativas como a criação de cinemas educativos, de uma rádio-escola, de uma discoteca e da Orquestra Sinfônica Municipal para promover concertos públicos ou com preços populares em teatros municipais, na rádio ou ao ar livre.
A proposta da rádio-escola revela a sintonia com a necessidade de democratização das comunicações, tema de grande atualidade. A Discoteca Municipal, uma referência nacional e internacional, destacou-se no registro de música clássica, popular e no chamado Arquivo da Palavra.
Para registrar e dar um novo estatuto à cultura popular brasileira, o departamento promoveu a Missão de Pesquisas Folclóricas, que percorreu o Norte e o Nordeste e realizou um dos primeiros mapeamentos musical e etnológico do país.
Frente à impossibilidade de construir bibliotecas em todos os bairros populares, criou-se uma biblioteca ambulante em uma “jardineira” que percorria a periferia garantindo o acesso aos livros. Ainda hoje, mesmo com 110 bibliotecas municipais, os 12 ônibus-biblioteca da secretaria continuam prestando um serviço muito apreciado.
Os parques infantis, criados em 1935, foram a origem da rede municipal de educação infantil e a primeira experiência brasileira de educação não escolar para crianças de famílias pobres. Em ambientes públicos privilegiados, os parques articulavam cultura, recreação, formação não escolar e assistência.
Sua arquitetura antecipou o conceito das escolas-parques e dos CEUs (Centros Educacionais Unificados). Ali, as crianças brincavam, movimentavam-se em grandes espaços, e não em salas de aula, convivendo com a natureza e com a diversidade da cultura.
A origem da octogenária Secretaria Municipal de Cultura nos inspira a gerir com criatividade e intersetorialidade a política cultural de São Paulo. Assim como Mário e seu grupo pensaram a cultura como estratégica na modernização e democratização do país, hoje ela pode desempenhar um papel central nos grandes desafios do século 21.
(Artigo originalmente publicado no jornal “Folha de S. Paulo”, no dia 17 de junho de 2015)
Nabil Bonduki é arquiteto e urbanista, professor titular da USP e secretário Municipal de Cultura de São Paulo