As desigualdades geradas pelo sistema patriarcal e capitalista criam processos de opressão que silenciam as mulheres. Mesmo diante dos avanços conquistados com muita luta, ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar um estado de plena cidadania para elas, que são mais de 50% da população.
Quando analisamos as relações trabalhistas, percebemos que ainda há um abismo entre homens e mulheres. Elas recebem até 38% menos que homens exercendo a mesma função (CATHO, 2018). Quando comparadas com seus colegas homens com a mesma escolaridade recebem até 50% menos. Ou seja,o mercado exige que se esforcem mais, estudem mais e trabalhem mais, e mesmo assim, ainda recebem menos e são as mais atingidas pelo desemprego, pelos postos precários de trabalho e pela informalidade (IBGE, 2019).
Ao falar das mulheres no mercado de trabalho, falamos de 40% das chefes de família no Brasil (IBGE, 2015), que são a principal fonte de renda e vivenciam uma jornada dupla, ou até tripla. O mercado desvaloriza esse “trabalho feminino,” pois pesa sobre as mulheres os “serviços de cuidado,” que compõe uma de suas jornadas de trabalho e representa, segundo a ONU, mais de 10 trilhões de dólares em serviços não remunerados por ano.
Além disso, a configuração das desigualdades de gênero no mercado de trabalho impacta diretamente na formação da renda média das trabalhadoras e nas dificuldades em relação à superação da pobreza, bem como implica diretamente na participação e incidência feminina e feminista na vida pública.
A situação das mulheres negras também segue o caminho alarmante — elas que sempre trabalharam, amargam ainda a herança da escravidão. Elas figuram não só entre as mulheres com as piores condições de vida, mas estão em maior situação de vulnerabilidade à violência, em todos os aspectos, pois o racismo institucional faz com que o Estado não desenvolva políticas públicas da forma como é necessária. Isso faz com que elas tenham os piores salários, sejam as maiores vítimas do feminicídio, dentre outras.
Em resumo, as condições sociais, econômicas e culturais empurram as mulheres a priorizarem a subsistência e os cuidados com a família, dificultando e até impossibilitando a luta pela garantia de seus direitos.
“Basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”, Simone de Beauvoir (1949).
Não bastasse o peso histórico da opressão, ainda temos o avanço da onda fascista e conservadora, a aplicação da agenda de retrocessos e o desmonte das políticas públicas provocado pela crise civilizatória.
Com o golpe de 2016, as elites conseguiram aprovar e implementar a Reforma trabalhista (lei n° 13.467/2017), a Terceirização (lei n° 13.429/2017) e a Reforma da Previdência (EC 103/2019) que cassaram vários direitos das trabalhadoras e trabalhadores. Além disso, a guerra declarada pelo governo Bolsonaro, articulada com a extrema direita internacional, a inventada “ideologia de gênero”, significa o combate aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres; e a imposição da censura às expressões da diversidade feminina e feminista na arte que sejam divergentes de um padrão branco e submisso.
Essa é a demonstração que vivemos um ciclo histórico de perda de direitos com o atual governo — que tem como alvo principal os nossos direitos.
Esse cenário submete as mulheres ao silenciamento e a outras formas de violência — como a violência doméstica e familiar e o assédio moral e sexual, inclusive no ambiente de trabalho. Nesse último caso, a situação é comprovada pela redução do número de denúncias no período pós golpe e concomitante ao aumento desemprego (Ministério Público do Trabalho, 2017).
Os ataques aos direitos das mulheres, dos povos indígenas, do povo negro e da classe trabalhadora caminham lado a lado com um ataque à própria democracia, duramente conquistada com muita luta, culminando nas Diretas Já e na Constituição de 1988. Somente com autoritarismo, o interesse de uma pequena parcela da elite poderá prevalecer sobre as conquistas centenárias de milhões de trabalhadoras e trabalhadores.
“O peso do silêncio vai acabar nos esmagando”, Audrey Lorde.
É contra esse silenciamento que imobiliza e intimida mulheres a lutarem pelos seus direitos que iremos às ruas nesse 8 de março de 2020. Com a campanha “Silenciadas Nunca Mais”, vamos organizar, mobilizar, incentivar e estimular um conjunto de iniciativas para defender os nossos direitos, diminuir o feminicídio, ocupar espaços políticos — seja nos Conselhos, nas tribunas, no parlamento e nas prefeituras — e combater todas as formas de violência.
Quando uma mulher em defesa das trabalhadoras ocupa uma cadeira na política, ela muda a correlação de forças, ela reorganiza os espaços de poder e passa um recado importante à sociedade: de que seguiremos em marcha e em luta até que todas sejamos livres.
E seguiremos de pé para impedir o apagamento e desmonte das conquistas de direitos vivida nos governos Lula e Dilma e em defesa da democracia.
Nenhum passo atrás.
É nítida a atuação de conservadores e da extrema-direita, no período pós-golpe, que busca apagar os avanços conquistados com as políticas públicas dos governos do PT, que deram autonomia às mulheres e lhes possibilitou romper com o ciclo de violência.
Um dos maiores exemplos dessa políticas foi o programa Minha Casa Minha Vida que deu prioridade às mulheres e as casas financiadas ficaram no nome delas. Bem como o Bolsa Família, teve a política de priorizar as mães para recebimento do benefício. Iniciativas como essa tiraram milhões de pessoas da pobreza e extrema pobreza, tanto que as formações ofertadas pelo programa possibilitaram às mães das crianças beneficiadas entrarem no mercado de trabalho e saírem espontaneamente do programa.
Outra política importante foi o ProJovem, esse programa identificou as jovens mães como o principal público, pois as dificuldades enfrentadas devido à maternidade na adolescência as impediam de continuar os estudos e entrar de forma qualificada no mercado de trabalho. No entanto, a falta de ter com quem deixar seus filhos e filhas também as faziam abandonar as aulas do programa. Pensando nessa condição da maternidade solo, o governo Lula passou a ofertar salas de acolhimento nas escolas onde o projeto acontecia, ajudando não só as alunas do ProJovem, mas também funcionárias e outras alunas das escolas que não tinham com que deixar suas crianças.
A Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, da Secretaria de Políticas para as Mulheres com status de Ministério, do governo federal, também foi fundamental. Articulando diversos setores da sociedade, – como saúde, educação, justiça, segurança pública, assistência social, entre outros – e todas as esferas de governo, com o Pacto Nacional de Enfrentamento da Violência Contra a Mulher, aprimorou a prevenção, o combate, a garantia de direitos e a assistência para mulheres em situação de violência.
Toda vez que uma mulher dá um passo, o mundo sai do lugar.
Ao ver o grande engajamento nas manifestações do #EleNão (2018), percebemos o quanto foi significativo o papel do movimento feminista em conscientizar mulheres de que a violência de gênero não se resume à agressão física e ao estupro e o quanto é importante denunciar. Bem como o investimento dos governos Lula e Dilma nas mulheres, em sua autonomia e emancipação, pois mesmo com todas as dificuldades enfrentadas milhares de mulheres foram às ruas por seus direitos conquistados duramente.
E neste 8 de Março, as mulheres de todo o mundo marcharão pelas ruas e levantarão suas vozes para dizer que não aceitamos os retrocessos, que estamos juntas por nossos direitos, por nossos territórios, por nossos corpos e por nossas vidas, não seremos #SilenciadasNuncaMais!
Anne Karolyne, secretária nacional de mulheres do PT