No dia em que as centrais sindicais se organizaram para um dia nacional de mobilizações contra a reforma da Previdência, na última sexta-feira (22), o presidente Jair Bolsonaro publicou um decreto no qual reafirma o conteúdo da Medida Provisória (MP) 873, que proíbe o desconto diretamente nas folhas de pagamento de contribuição sindical, taxa negocial e até mensalidades de sócios; e exige autorização expressa do trabalhador para que a cobrança possa ser feita, somente através de boleto.
A MP havia sido editada no dia 6 de março desse ano e dizia respeito aos trabalhadores em regime de CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). Agora, é estendida aos trabalhadores do chamado “regime estatutário”, como explica Thiago Barison, advogado trabalhista e doutor em direito pela Universidade de São Paulo.
“A MP 873 alterou a CLT, e a CLT se aplica aos empregados da iniciativa privada, aqueles que têm contrato de trabalho. Os servidores públicos [também] podem ter contrato de trabalho, os empregados públicos. Exemplo: os empregados dos Correios, do Banco do Brasil, da Petrobras, do metrô de São Paulo. Mas há um conjunto de servidores que são estatutários. Para esses servidores, a MP não estava atingindo. Então o Estado seguia descontando em folha”.
Uma categoria duramente atingida pela MP são os petroleiros. Para Simão Zanardi, coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), trata-se de uma intervenção do Estado na liberdade sindical, garantida não só pela Constituição Federal, como por tratados internacionais dos quais o Brasil faz parte.
“O que está ocorrendo nos sindicatos é uma intervenção do estado, ferindo a liberdade sindical que está prevista em lei e nos estatutos da OIT [Organização Internacional do Trabalho] aos quais o Brasil é signatário”.
Zanardi lembra que essa não é a primeira vez que a liberdade sindical é restringida no Brasil. “Nós, historicamente, já tínhamos a análise de que ia acontecer uma intervenção como aconteceu no governo militar, que foi a primeira, quando ficamos sob intervenção no sindicato de 1964 a 1985 e só acabou com a anistia. A segunda foi com o Fernando Henrique Cardoso de 1995 a 1998 quando tem a greve e aplicam multas milionárias em cima dos sindicatos de petroleiros, e agora a terceira no governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro”.
Segundo Zanardi, o objetivo do governo é enfraquecer as entidades de representação dos trabalhadores para impedi-las ou limitar sua atuação contra a reforma da Previdência que deve ser votada ainda nesse ano pelo Congresso Nacional.
Para enfrentar a situação, muitos sindicatos têm entrado na Justiça para garantir o direito de descontar a contribuição sindical diretamente dos salários dos trabalhadores. A Justiça Federal do Rio de Janeiro, por exemplo, entendeu que não houve tempo hábil para que os sindicatos pudessem se adaptar às novas regras e autorizou o desconto em folha. Há outras liminares concedidas em, pelo menos, nove estados do país. No Supremo Tribunal Federal (STF), há quatro ações que contestam a constitucionalidade da MP.
“Esta MP, do ponto de vista jurídico, é um descalabro. É uma das maiores intervenções na liberdade sindical dos trabalhadores na história do Brasil. Porque a lei está dizendo o seguinte: ‘os trabalhadores têm o direito de se reunir em assembleia e deliberar sobre diversas questões de máxima importância’, a reforma trabalhista veio dizer que os trabalhadores podem até mesmo abrir mão de direitos garantidos em lei. Então ela praticamente faz tábula rasa da liberdade sindical. É uma intervenção. Porque qualquer assembleia de condomínio tem mais poder do que a assembleia sindical”.
O inciso 1 do artigo 8º da Constituição Federal afirma expressamente que são “vedadas ao poder público a interferência e a intervenção na organização sindical”. Já o inciso 4 diz que a “assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei”.
O artigo 2, inciso 2 da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), por sua vez, afirma que “as autoridades públicas deverão abster-se de toda intervenção que tenha por objetivo limitar este direito [de livre organização sindical] ou entorpecer seu exercício legal”.
Por Brasil de Fato