Para a presidenta eleita Dilma Rousseff, o golpe em curso no Brasil tem um forte componente machista e misógino, reforçado pela imprensa convencional. Há uma cultura secular de exclusão da política, que enfrenta o fato de uma mulher estar à frente do Executivo pela primeira vez. Em entrevista ao jornal argentino “Página 12”, afirmou: “Ainda que seja difícil avaliar o quanto, é inegável que proliferam argumentos e comportamentos misóginos ao longo de todo o processo”.
Dilma disse também que basta fazer uma análise crítica a imprensa brasileira para encontrar notícias alegando seu desequilíbrio emocional e sua suposta dificuldade em lidar com situações difíceis. Reforçou que a mídia não denunciou adesivos machistas e que ofendem qualquer mulher. “São inaceitáveis em um país civilizado. No Brasil, ainda persiste uma cultura da violência e desigualdade de gênero, que encontrou canais para sua expressão nesse processo contra uma presidenta”, argumentou.
“Minha experiência mostra que há dificuldades adicionais por ser mulher (..) Nossas sociedades somente serão mais justas se incorporar a igualdade de gênero como um valor inquestionável”.
Na entrevista, afirmou que “como a maioria das brasileiras, sou uma lutadora incansável” e que “uma exclusão de séculos não se resolve em 13 anos”. Contou que está mais fortalecida com o impeachment e que “este processo fortaleceu todos as mulheres brasileiras”. “Sabemos que podemos ocupar qualquer cargo e qualquer função e que, ao fazê-lo, devemos sempre enfrentar o machismo e a misoginia que ainda permeiam algumas parcelas de nossa sociedade”.
Dilma foi enfática ao criticar a exclusão de mais de metade da população nos altos cargos do Executivo, pois, a presença de presença de mulheres garante a capacidade para realizar diagnósticos e propor políticas que realmente reflitam a diversidade de suas demandas. “Uma política de combate à desigualdade salarial, por exemplo, adquire robustez e mais conexão com a realidade quando as mulheres, que são as que sofrem com este problema, participam de sua elaboração”.
“Parte das mudanças vem da presença de mulheres à Presidência da República. Estar sob a liderança de uma mulher, receber ordens de uma mulher, ser dirigido por uma mulher, ainda são novidades que incomodam e perturbam uma ordem supostamente natural da sociedade em nossos países”, explicou Dilma.
Dilma falou também sobre o argumento usado para pedir seu afastamento e reafirmou que “não há nenhuma denúncia consistente”. “Por isso, o impeachment não passa de um golpe, de uma interrupção da normalidade democrática no Brasil”, argumentou. “As gravações difundidas a partir de 23 de maio explicitam um dos motivos pelos quais aconteceu esse processo fraudulento de impeachment, sem crime de responsabilidade. De fato, evidencia o que viemos denunciando desde o ano passado: há um golpe em curso no Brasil”.
Ela condena também o fato de o governo golpista de Michel Temer querer implementar uma agenda para o Brasil que não tenha sido submetida à população. “Se tivesse sido, seguramente seria rejeitada por seu caráter regressivo e perverso para os interesses nacionais e os direitos individuais e coletivos da população”.
“Como efeito deste golpe em curso, a agenda a esquerda e as forças democráticas brasileiras têm que partir de uma defesa integral da democracia. Também deve continuar considerando a conquista da igualdade de oportunidades para os brasileiros e brasileiras”.
Mesmo com as conquistas dos governo do PT, a lista de tarefas pendentes é enorme, pondera a presidenta. Uma delas é dar continuidade às políticas que geram mais oportunidades, pois rompem com as raízes históricas da desigualdade. Segundo ela, na agenda de mudanças, continuam as lutas pelo destino dos recursos do Estado, pelas prioridades de investimento, pela defesa dos direitos sociais previstos na Constituição, pelo avanço de direitos individuais e coletivos civilizatórios. “Mas por isto, repito, somente será possível em um quadro democrático”.
Da Redação da Agência PT de Notícias