“Trabalhadores do mundo, uni-vos.” Cento e setenta e dois anos após a publicação do ‘Manifesto Comunista’ de Karl Marx e Friedrich Engels, em 21 de fevereiro, colaboradores e colaboradoras do Google de dez países se unem para formar uma aliança sindical mundial em plena era da Economia 4.0.
Batizada de Alpha Global, a iniciativa lutará pelos direitos dos funcionários em tempo integral e também dos temporários, fornecedores e contratados da Alphabet, conglomerado que possui várias empresas vinculadas à gigante das buscas e uma das maiores Big Tech do planeta. A nova aliança é composta por 13 sindicatos diferentes e afiliada à UNI Global Union, que representa 20 milhões de pessoas pelo planeta.
A entidade elegerá um comitê gestor e planeja lidar com questões tanto nacionais quanto internacionais de interesse dos trabalhadores dos Estados Unidos, Suíça, Irlanda, Reino Unido, Itália, Alemanha, Dinamarca, Finlândia, Suécia e Bélgica. Ainda não há um sindicato como esse no Brasil, embora o Google mantenha escritório no país.
O anúncio foi feito duas semanas após equipes dos Estados Unidos e do Canadá lançarem o Sindicato de Trabalhadores da Alphabet nos Estados Unidos da América (AWU, na sigla em inglês). A entidade é afiliada ao Sindicato de Trabalhadores de Comunicações das Américas, que representa trabalhadores de telecomunicações e mídia nos dois países. Em uma semana, o novo sindicato recebeu quase 500 filiados, indo de 230 para 700 depois do lançamento.
“Em um mundo onde a desigualdade está se dilacerando e em que nossas sociedades e empresas estão acumulando mais influência do que nunca, reivindicar nosso poder por meio de nossos sindicatos nunca foi tão importante”, defendeu em comunicado Parul Koul, presidenta executiva do AWU e engenheira de software da Google.
Inicialmente, a Alpha Global não estará diretamente vinculada ao Alphabet, pois é necessária a assinatura de um acordo de neutralidade no qual a Google se comprometa a apoiar tentativas de sindicalização efetivas.
De todo modo, no ano passado a UNI Global Union ajudou a organizar a campanha Make Amazon Pay, greve internacional de trabalhadores da gigante de vendas em plena Black Friday. O movimento, que pedia melhores condições de trabalho e transparência sobre o pagamento de impostos, recebeu o apoio de mais de 400 parlamentares de 34 países.
“O movimento lançado por trabalhadores e trabalhadoras de tecnologia da Google e de outras é inspirador. Estão usando sua força coletiva não apenas para transformar suas condições de trabalho, mas também para lidar com questões sociais causadas pela concentração crescente do poder corporativo”, disse a secretária geral da UNI, Christy Hoffman. “Os problemas na Alphabet – e criados pela Alphabet – não são limitados a apenas um país e precisam ser tratados em um nível global.”
Perseguição contra colaboradores e colaboradoras
A Alphabet é acusada de reprimir e perseguir trabalhadores que denunciam discriminação, assédios e abusos ou que alertam sobre danos potenciais de produtos e tecnologias das empresas. Comentários sobre a política antitruste e monopólio, além das condições de trabalho, também são motivo de perseguição.
Em dezembro passado, Timnit Gebru, mulher negra e respeitada pesquisadora de IA, disse que o Google a demitiu após ela ter criticado a postura da empresa quanto à contratação de minorias e aos preconceitos embutidos nos sistemas de IA, que cometem mais erros no reconhecimento facial de pessoas negras do que a de brancas.
Milhares de profissionais do Google e apoiadores acadêmicos assinaram um abaixo-assinado contra a demissão, criticando o tratamento que o Google dá a funcionários que fazem parte de minorias. O Google tem apenas 1,6% mulheres negras entre todos os funcionários e funcionárias.
Também em dezembro passado, o Conselho Nacional de Relações Trabalhistas acusou o Google de espionar ilegalmente funcionários que organizaram protestos e de ter demitido dois deles em retaliação.
“O poder dessas empresas globais de tecnologia é tão grande que elas estão em todas as partes de nossas vidas. Se estão agindo dessa forma quase totalmente sem supervisão dos governos, então não há como controlar o que podem fazer”, alerta Fionnuala Ní Bhrógáin, organizadora do Communications Workers’ Union, da Irlanda. “Esse poder precisa ser verificado, e é somente por meio da ação coletiva que os trabalhadores são capazes de enfrentar a situação”, finaliza.
Em artigo publicado no início do mês no jornal ‘New York Times’, Parul Koul e Chewy Shaw, presidenta e vice-presidente do sindicato, afirmam que executivos da Alphabet faziam promessas simbólicas às reivindicações dos trabalhadores. “Para aqueles que são céticos em relação aos sindicatos ou que acreditam que companhias digitais são mais inovadoras sem sindicatos, queremos relembrar que estes e outros problemas persistem. Discriminação e assédio continuam”, escreveram.
“Cerca de metade dos trabalhadores na Google são temporários, vendedores ou fornecedores. Recebem salários mais baixos, recebem menos benefícios, e têm pouca estabilidade no emprego em comparação com trabalhadores de tempo inteiro, apesar de muitas vezes fazerem exatamente o mesmo trabalho”, afirmaram as líderes sindicais.
Instituto Lula discute o mundo do trabalho na era da Economia 4.0
As novas configurações do mundo do trabalho, aceleradas pela pandemia do coronavírus, e como elas afetarão a organização sindical são tema de intervenções públicas recentes do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele mesmo uma liderança oriunda do chamado “chão de fábrica” surgida no momento em que o movimento sindical se reorganizava, em plena ditadura militar, hoje conclui que a base de operários a partir da qual o PT foi formado vai se tornando minoria.
“Antes, você ia à porta de uma fábrica e fazia uma assembleia com dez mil pessoas. Hoje não tem mais dez mil pessoas, são 500, 400. Onde foram as outras? Estão por aí fazendo bico, trabalhando por conta no comércio ou fazendo qualquer atividade, menos aquela dentro de uma fábrica”, descreve o ex-presidente.
“Está muito difusa a organização da classe trabalhadora e é difícil para o líder sindical se situar. O movimento sindical está repensando isso, inclusive tentar conversar de outra forma, pois o discurso não é mais o mesmo, as aspirações não são mais as mesmas”, diz Lula, atento aos desdobramentos da desindustrialização acelerada no país, em direção inversa ao crescimento do setor de serviços na formação do Produto Interno Bruto (PIB).
Simultaneamente, a precarização das relações trabalhistas avançou barbaramente após a reforma do usurpador Michel Temer e a adoção da agenda neoliberal “chilena” do ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes.
Em 2017, a reforma de Temer retirou mais de 100 direitos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Desde então, a precarização explodiu no Brasil. Só no ano passado houve no país mais de dois milhões de contratações por trabalho temporário – 34,8% a mais que em 2019, segundo a Associação Brasileira do Trabalho Temporário (Asserttem).
“Há pessoas trabalhando no Uber e tratadas como se fossem microempreendedores, quando na verdade elas vão descobrir daqui a um tempo que precisam ter direitos para ter garantia na prestação de serviços. Se bater o carro e se machucar, vai ter seguro acidente? E a previdência? A empresa vai pagar algo ou se o trabalhador ficar parado ele não vai receber nada?”, questiona Lula.
O ex-presidente relembra cenário semelhante vivido nas décadas de 50 e 60 do século passado. “Milhares de mulheres trabalhavam em casa costurando e nós brigamos muito para que elas tivessem carteira assinada, tivessem direitos. Nós estamos outra vez vivendo isso e vendo os trabalhadores sem direitos. Essa gente está difusa e não tem mais a proteção que tinha no nosso tempo. Nós precisamos saber como tratar de ajudar essas pessoas a se organizarem”, concluiu.
Lula se refere aos novos paradigmas gerados pela chamada Economia 4.0, que resumidamente representa o desenvolvimento de soluções para questões da vida em sociedade por meio de tecnologias disruptivas, causando rupturas em padrões, modelos e tecnologias estabelecidos no mercado, incluindo as relações trabalhistas.
Para debater a situação, o Instituto Lula promove o curso “A classe trabalhadora na terceira década do século 21”. O ciclo tem como referência o livro ‘A Devastação do trabalho: a classe do labor na crise da pandemia’, organizado por Dalila Andrade Oliveira e Marcio Pochmann.
A iniciativa se insere no “Ciclo de Debates Formativos”, uma parceria entre a recém-criada Escola de Verão do Instituto Lula, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) e a Rede Latino Americana de Estudos sobre o Trabalho Docente (Red Estrado Brasil). As inscrições são gratuitas e vão até 5 de fevereiro, mas podem encerrar-se antes, quando o limite de 300 vagas for atingido.
Da Redação