Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) joga xadrez no tabuleiro da Praça dos Três Poderes, Jair Bolsonaro prefere o truco. O jogo, muito popular no interior de São Paulo, onde o presidente nasceu e passou a infância, tem no blefe parte vital, junto com a intimidação e um conjunto de truques que envolvem versinhos, gestos e outras tentativas de provocar o adversário e conduzi-lo ao erro.
Surpreendido pela operação da Polícia Federal (PF) nesta quarta (27), Bolsonaro organizou seu time para reagir em bloco, ainda no mesmo dia. A corporação cumpriu mandados de busca e apreensão no inquérito sobre fake news contra a Corte expedidos pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da investigação.
A ação atingiu 29 pessoas ligadas ao presidente, incluindo financiadores do esquema montado desde a campanha eleitoral de 2018, batizado de “gabinete do ódio” por ex-aliados. Uma das questões que alarmou o Planalto foi exatamente o pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal de empresários aliados a Bolsonaro envolvidos na operação.
A reação mais imediata – por vias indiretas, pois não lhe cabe defender o governo – foi a do procurador-geral da República, Augusto Aras, que pediu ao ministro Edson Fachin a suspensão do inquérito sobre fake news. Aras se posicionou ao lado de Bolsonaro evocando o livre direito de manifestação. Para ele, os crescentes ataques aos magistrados do Supremo “representam a divulgação de opiniões e visões de mundo, protegidas pela liberdade de expressão”.
“Na medida em que as manifestações feitas em redes sociais atribuídas aos investigados inserem-se na categoria de crítica legítima – conquanto dura –, ao ver deste órgão ministerial são desproporcionais as medidas de bloqueio das contas vinculadas aos investigados nas redes sociais”, argumentou o procurador-geral ao pedir que o inquérito seja engavetado.
Horas após a operação, Bolsonaro convocou uma reunião extraordinária com os ministros para discutir os passos do governo. O presidente sugeriu que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, não prestasse depoimento à Polícia Federal a respeito de suas declarações sobre o STF na reunião ministerial de 22 de abril. Outra negativa caberia ao general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), em outro inquérito na Corte.
Bolsonaro afinou os detalhes da reação com os ministros da Justiça e Segurança Pública, André Luiz Mendonça, e da Advocacia-Geral da União, Levi Mello. No final da quarta, Bolsonaro iniciou a jogada à sua moda: foi ao Twitter afirmar que “cidadãos de bem” tiveram os lares invadidos pela polícia, a mando do Supremo.
Bolsonaro defende ‘fake news’
“Ver cidadãos de bem terem seus lares invadidos, por exercerem seu direito à liberdade de expressão, é um sinal que algo de muito grave está acontecendo com nossa democracia”, escreveu o presidente na rede social. “Estamos trabalhando para que se faça valer o direito à livre expressão em nosso país. Nenhuma violação desse princípio deve ser aceita passivamente!”
Depois do tuíte, André Mendonça ingressou no STF com pedido de habeas corpus a favor de Weintraub, na primeira reação concreta ao Supremo. No habeas corpus, anunciado pelo Twitter já na madrugada desta quinta (28), Mendonça argumentou que, ainda que em tom crítico, as manifestações da reunião decorrem “pura e simplesmente do exercício da liberdade de expressão”, assegurada pela Constituição.
“Qualquer confusão que se trace entre a disseminação de notícias falsas, ou ‘fake news’, com o pleno exercício do direito de opinião e liberdade de expressão pode resvalar em censura inconstitucional”, argumentou Mendonça, ex-advogado-geral da União deslocado para a cadeira da Justiça após a saída de Sérgio Moro.
Ainda na quarta, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, participou de uma transmissão ao vivo do canal ‘Terça Livre’ do blogueiro Allan dos Santos, um dos alvos da operação, na qual afirmou não ter dúvida de que será alvo de uma investigação em breve e cogitou a necessidade de adoção de “medida enérgica” pelo pai. “Quando chegar ao ponto em que o presidente não tiver mais saída e for necessária uma medida enérgica, ele é que será taxado como ditador”, afirmou.
Filho prega ruptura
“Essa postura, eu até entendo quem tem uma postura mais moderada, vamos dizer, para não tentar chegar ao momento de ruptura, um momento de cisão ainda maior, um conflito ainda maior. Eu entendo essas pessoas que querem evitar esse momento de caos. Mas falando bem abertamente, opinião do Eduardo Bolsonaro, não é mais uma opinião de ‘se’, mas de ‘quando’ isso vai ocorrer”, disse o deputado.
Nesta quinta pela manhã, Eduardo virou a metralhadora para a imprensa. “A imprensa que aplaude as buscas no Terça Livre o faz por pensar que a censura só chegará aos conservadores. Ledo engano”, ameaçou o deputado. “Se não defendem a liberdade por princípio, deveriam ao menos fazê-lo por interesse próprio. Se nem isso enxergam é porque merecem o futuro que se avizinha.”
“Acabou, porra!”
Ao mesmo tempo em que o filho ia para o Twitter, Bolsonaro prosseguia sua estratégia em campo favorável: a entrada do Palácio da Alvorada. Cercado de acólitos, disse que “não haverá mais outro dia como ontem” e que “acabou, porra”. Demonstrando irritação, fez um pronunciamento aos jornalistas que voltaram a se amontoar na entrada do palácio, após suspenderem as atividades no local na terça (26), por conta de ataques de bolsonaristas.
O presidente afirmou que não se pode mais aceitar que pessoas tomem decisões individuais em nome de todos e que se está armando mais uma crise para “atrapalhar o Brasil”. Segundo ele, “ordens absurdas” não devem ser cumpridas pela Polícia Federal, e a operação da véspera teve o objetivo de atingir a única mídia favorável a ele.
Bolsonaro sugeriu que alguns pretendem tirá-lo da Presidência para “voltar a roubar”. “Não farão que eu transgrida, me transforme em pseudo-ditador de direita”, disse o presidente, afirmando ainda ser o chefe supremo das Forças Armadas e garantindo que está com “as armas da democracia na mão”.
Quando os repórteres tentaram perguntar a que ordens ele se referia, Bolsonaro disse que não estava concedendo uma entrevista e que os jornalistas poderiam ir embora se não quisessem ouvi-lo, encerrando sua fala. O gabinete do ministro Alexandre de Moraes informou que não vai se manifestar sobre o caso.
Alinhado à estratégia, coube ao ministro do GSI o papel de bombeiro. Em conversa com os setoristas após a cena de Bolsonaro, declarou que uma intervenção militar “não resolve nada”, e que “ninguém está pensando nisso”. “Não houve esse pensamento nem da parte do presidente, nem da parte de nenhum dos ministros. Isso só tem na cabeça da imprensa. A imprensa está contaminada com isso, não sei por que”, disse Heleno.
65% de desaprovação
No dia em que uma pesquisa da consultoria política Atlas indica uma deterioração brutal do apoio a Bolsonaro, com 65% de desaprovação ao desempenho do governo, o general também disse aos repórteres setoristas que eles devem ser resilientes aos ataques dos bolsonaristas que disputam um aceno do “mito”. “Vim aqui para pacificar essa relação, para vocês terem tranquilidade de trabalhar, vocês têm que trabalhar e os manifestantes têm o direito de ficar ali. Agora, se alguém gritar, vocês têm que fingir que não ouviram”, ensinou o pacificador.
Em outra frente, Bolsonaro finalmente sancionou a ajuda de R$ 60 bilhões do governo federal a Estados e municípios por causa da pandemia do coronavírus, sem o trecho que ampliava as categorias de servidores públicos com direito a aumento salarial antes do final de 2021. A lei foi publicada no ‘Diário Oficial’ desta quinta.
O texto sancionado prevê que apenas profissionais de saúde e de assistência social envolvidos nas medidas de combate à pandemia ficam isentos da proibição de reajuste aos servidores até 31 de dezembro de 2021. O congelamento de salários do funcionalismo foi a contrapartida negociada pela equipe econômica durante a discussão do projeto.
Em reunião há uma semana com governadores por videoconferência, Bolsonaro anunciou que sancionaria a ajuda em breve e pediu apoio dos governadores ao veto à ampliação das categorias que poderiam ter reajuste. Recebeu como resposta que a maioria dos chefes dos Executivos estaduais apoiava a medida.
Além de prever os repasses por quatro meses, o texto também trata da suspensão de pagamentos de dívidas entre Estados, municípios e União, e da reestruturação de operações de crédito interno e externo junto a instituições financeiras e instituições multilaterais de crédito em meio ao estado de calamidade pela crise do coronavírus, que já matou mais de 25 mil pessoas no país.