Alvo de ataques constantes nos últimos anos, o Sistema Único de Saúde (SUS) mostrou que sua estrutura, mesmo sucateada por Jair Bolsonaro, salvou milhares de vidas durante a pandemia. Para atender a população brasileira, no entanto, o SUS precisa vencer o subfinanciamento com uma injeção de recursos de cerca de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) até o ano de 2030. O cálculo foi feito pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), que divulgou, nesta segunda-feira (4), a Agenda Mais SUS, um documento para nortear as políticas dos candidatos à Presidência nas eleições de outubro.
Atualmente, o governo federal gasta quase metade, cerca de 3,96% do PIB com saúde no país. No estudo, o instituto alerta que, caso o SUS continue subfinanciado como está hoje, haverá uma “deterioração dos resultados em saúde e aumento das desigualdades no País”.
“O envelhecimento da nossa população é três vezes mais rápido do que o do Reino Unido e da França e nossa fecundidade já está baixa”, alertou a diretora do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard, a demógrafa Márcia Castro, durante o lançamento do estudo.
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”Junto com esse cenário demográfico temos ainda o aumento do índice de obesidade, a volta da fome, a persistência de doenças infecciosas, o surgimento de novas doenças, as baixas coberturas vacinais e o aumento dos eventos climáticos extremos”, elencou Castro.
O IEPS lembra que o Brasil é signatário de compromisso com a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), que estabeleceu metas de investimento aos países da região de 6% do PIB até 2027. A OPAS prevê um aumento progressivo de cerca de 1% a cada quatro anos.
Teto estrangulou o SUS
Sob o efeito do famigerado Teto de Gastos, que já retirou, somente entre 2018 e 2022, R$ 36,9 bilhões em recursos, o SUS tem o financiamento reduzido ano a ano, uma vez que sua reposição não acompanha o envelhecimento e o crescimento da população. “O piso [da saúde] não está só congelado, ele vai decrescendo em relação à receita”, declarou o economista e assessor técnico do Senado, Bruno Moretti, durante debate Saúde na Roda, na última sexta-feira (1º).
“É um modelo absolutamente insustentável”, advertiu o economista.
O quadro é grave, principalmente quando se leva em consideração que o SUS já era subfinanciado antes da Emenda Constitucional 95, aprovada no governo Temer e mantida por Bolsonaro. “Até 2036, mantida a Emenda Constitucional 95, esse gasto, em relação ao tamanho da população, vai caindo até atingir um nível incompatível com a universalidade do sistema”, argumentou Moretti.
Investimento é um dos mais baixos do mundo
O quadro de sucateamento do SUS promovido pelo ministro-banqueiro Paulo Guedes e por Bolsonaro coloca o Brasil como um dos piores financiadores em saúde do mundo. Segundo a pesquisa Conta-Satélite de Saúde, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país está à frente apenas do México, que investe somente 2,7% do PIB no setor.
“É preciso gastar mais e melhor em saúde pública, tanto pela natureza progressiva e pelo alto retorno social que decorre de políticas como a Estratégia de Saúde da Família, como pelo crescimento de demandas associadas ao envelhecimento populacional e às variações nos custos médico-hospitalares”, alerta a análise do IEPS, fazendo coro com Moretti.
Dependência de estados e municípios é inviável
Moretti adverte ainda que o atual modelo no país, pelo qual a União deixa o financiamento nas mãos dos estados e municípios, que representam 60% dos gastos, é inviável. “O SUS depende cada vez mais de estados e municípios, que têm uma capacidade financeira muito menor do que a União”, explicou Moretti.
“Isso, em um cenário de pressões constantes sobre o sistema – envelhecimento populacional, incorporação de tecnologias – , é explosivo”, apontou o economista, lembrando que essas pressões também se manifestam nas demais áreas sociais. Segundo Moretti, por falta de espaço no orçamento, há uma fila de mais de três milhões de pessoas que esperam receber o Auxílio Brasil, em um país com 33 milhões de famintos, uma inflação desenfreada e um desemprego que afeta quase 11 milhões de pessoas.
“E não é que falta dinheiro, existem restrições artificiais”, criticou o assessor. “Em 2020, com a pandemia, essas regras foram suspensas, o Estado foi lá e gastou o que tinha que gastar, R$ 523 bilhões no auxílio emergencial, no SUS, entre outras coisas”.
Um novo modelo para o SUS
Especialistas defendem um novo modelo para que o SUS amplie sua capacidade de atender a população, com políticas públicas perenes e não dependentes de crises econômicas, do crescimento ou de situações de emergência em saúde. 60% dos gastos com saúde hoje são privados, apesar de o Brasil possuir um sistema público e universal, diferente dos EUA, por exemplo, onde a privatização do setor penaliza os que não têm como bancar um plano de saúde.
A Associação Brasileira de Economia em Saúde (ABRES), com apoio do CNS, elaborou um novo modelo de financiamento do SUS, que permita que a relação de gastos seja invertida, com o Estado assumindo pelo menos 60% dos gastos com saúde no país.
Moretti insistiu no aumento da presença do Estado na área social, apontando que até os EUA optaram por investir em uma estratégia que dê conta de responder os desafios do tamanho da população, a exemplo do Plano Biden. “Não faz sentido cortar gastos públicos, a sociedade fica estagnada, as coisas pioram”, afirmou. “O Estado é capaz de emitir dívida na sua moeda e gastar quanto não tem arrecadação. As famílias, não”, comparou Moretti.
“Os governos, independente do viés ideológico, estão aprendendo que a austeridade fiscal, o controle de gastos, não resolve. É preciso direcionar o orçamento para gastos que são relevantes para responder os desafios que as sociedades têm”.
Um novo modelo de investimento no SUS, defende, seria inclusive positivo para a economia, uma que o Estado diversifica a produção e os empregos no setor. “Parcela desse gasto se paga e é capaz de gerar efeitos econômicos muito positivos para o país retomar um rota de desenvolvimento”.
Da Redação, com informações do Estadão