Pouco mais de três meses depois de ter sido varrido pela pandemia do coronavírus, o Brasil já é o terceiro no mundo em número de óbitos, atrás apenas dos EUA e do Reino Unido. Com 33.781 mortos, à frente da Itália, o país também bateu a marca de 600 mil casos, e tem 606.085 registros da doença. Só no Rio de Janeiro, a pandemia já matou o triplo das pessoas que foram assassinadas no estado entre janeiro e abril de 2019. Foram 6.010 mortes, ante os 2.005 óbitos do ano passado. O país também vive um momento agudo de interiorização da doença, que já atingiu 72% dos municípios brasileiros. Há um mês, o índice de propagação era de 40%.
Na quarta-feira (3), o país bateu novo recorde diário de mortes: foram 1.349 perdas de vidas, de acordo com o boletim divulgado com atraso pelo Ministério da Saúde. A pasta decidiu tornar os atrasos na atualização dos números uma rotina de trabalho. Declarado epicentro da pandemia na América Latina pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil, agora seguido por México, Equador e Peru em explosão de casos, dá poucos indícios de que irá conseguir achatar a curva de contágio da doença. A escalada da tragédia brasileira é resultado direto da ineficiência e do descaso do governo de Jair Bolsonaro, mais preocupado em criar crises institucionais do que em salvar vidas. Sem comando e navegando no escuro da pandemia, o país representa uma ameaça a países vizinhos.
O diário Washington Post elencou, em matéria publicada nesta quinta-feira (4), os problemas estruturais que agravaram o quadro na região. “Pobreza, desigualdade, corrupção, a fé em instituições – muitos dos problemas sociais que antecedem a pandemia estão agora sendo ampliados por ela”, destaca a reportagem. Nos países em que os presidentes foram negligentes na preparação – principalmente o Brasil -, governadores tiveram de intervir para impor medidas de distanciamento social e construir hospitais de campanha, relata o jornal.
“Sinto arrepios e tenho os olhos marejados”, descreveu Alexandre Kalache, um dos principais médicos do Brasil, à reportagem do diário americano. “Sou grato por meus filhos estarem longe na Inglaterra. Não vejo futuro para este país nos próximos anos”, lamentou Kalache.
Apoio do poder público
Para que medidas de contenção sejam bem-sucedidas, afirmam especialistas ouvidos pela reportagem, é necessário apoio do poder público e sólidas transferências de renda aos mais pobres. “No Brasil, a pouca ajuda que o governo ofereceu é considerada “ridiculamente insuficiente”, quando não é bloqueada por empecilhos burocráticos.
A reportagem observa que a frustração da população, que sofre pelo abandono do governo federal, pode contribuir para fragilizar ainda mais as medidas de isolamento. “À medida que os casos no Brasil aumentam e o sistema hospitalar se deteriora, o país está perdendo a vontade política e a disposição para quarentenas”, ressalta o jornal. “As ruas estão se enchendo mais uma vez. Autoridades do Rio de Janeiro e São Paulo mal falam mais sobre medidas mais duras de contenção”, pontua.
Alerta
A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) voltou a alertar para os riscos de uma reabertura prematura e pediu pela manutenção do distanciamento social, especialmente nos países ainda no pico de disseminação da doença. O risco de uma calamidade está cada dia mais presente. “Ainda não é hora de relaxar as restrições ou reduzir estratégias preventivas”, afirmou Carissa Etienne, diretora da organização. “É necessário permanecer forte e vigilante e implementar medidas de saúde pública agressivas e eficazes”.
“Os casos continuaram a subir, e não há vacina, mas o país está tentando forçar o caminho de volta ao normal”, diz o Washington Post, citando o caso de São Paulo, cujo governador, João Dória, anunciou uma “reabertura consciente”.
Isolamento salva vidas
Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG), divulgado nesta quinta-feira (4), revela que as medidas de isolamento social adotadas no estado salvaram entre 2.834 e 3.407 pessoas. Somente em Goiânia, entre 927 e 1.171 óbitos foram evitados até o dia 2 de junho, aponta o levantamento.
Para concluir o estudo, os pesquisadores esboçaram um cenário hipotético sem a adoção de medidas de quarentena. Segundo a modelagem utilizada, se nenhuma medida de distanciamento social tivesse sido aplicada, até 59% da população goiana teria sido infectada pela Covid-19.
“Através do contraste entre a situação de isolamento social iniciada no mês de abril e a manutenção da rotina no pré-pandemia, fica claro que as medidas implementadas foram capazes de “achatar a curva” da epidemia da Covid-19 em Goiás com impacto significativo na mortalidade”, afirmou o professor Thiago Rangel ao ‘Jornal UFG’. De acordo com o Rangel, manter o isolamento social para diminuir a velocidade de propagação acelerada da doença continua sendo a melhor forma de evitar novas mortes.
Da Redação