Ex-ministra do Desenvolvimento Social no governo Dilma, a economista Tereza Campello participou de um debate com o líder comunitário Claudinho Silva, do Comitê Popular de Enfrentamento ao Covid-19, a convite do Instituto Lula. Ela criticou duramente a falta de iniciativa do governo Bolsonaro em garantir o pagamento do Seguro Quarentena, projeto aprovado pelo Congresso Nacional por iniciativa do PT e da oposição. Se dependesse de Paulo Guedes e de Bolsonaro, o auxílio emergencial seria reduzido a R$ 200 e atenderia somente uma fração de pessoas. Ela acusa o governo de sabotar o pagamento aos trabalhadores informais e chefes de famílias pobres.
“Muita gente até hoje não recebeu e há muita dificuldade. O governo não queria pagar e está atrasando mesmo”, critica a economista. “O governo não quer manter as pessoas em casa, toda base bolsonarista está chamando as pessoas para trabalhar. A orientação não é resolver o problema da população que precisa ficar em casa e não tem renda”, denuncia. O Palácio do Planalto queria passar uma “proposta de fome”, de R$ 200, e só para quem não era do Bolsa Família e já fazia parte do cadastro único.
Ela lembra que o projeto de Seguro Quarentena formulado pelo PT saiu do Congresso apesar do governo, que não tomava qualquer atitude. “Ficar em casa ou não, não é escolha da população. As pessoas querem se proteger, mas precisam ter renda. Só 10% dos brasileiros puderam manter seus empregos e ficar em casa fazendo home office”, avalia a ex-ministra.
Tereza Campello diz que, diante de um governo irresponsável, é preciso ter um plano. “Esse governo está lavando as mãos. Foi forçado a pagar esses R$ 600 e acha que tudo está resolvido. Mas não está. Temos um leque enorme de alternativas e têm de ser implementadas. Como manter o resto do país, a agricultura familiar? O meio rural começa a ficar em risco”, adverte a economista.
Segundo a ex-ministra, o caos que o país vivencia só não é pior graças ao que já existia em funcionamento e ainda não foi destruído no país. “O pouco que está funcionando é porque ainda existe o SUS, a Caixa Federal, que eles queriam ter privatizado, o SUAS (sistema de assistência socia)l, o cadastro único que nós deixamos prontos. O que está funcionando é o que existia e se fosse por eles já teria terminado. Não podemos deixar privatizar a Caixa, temos de garantir o SUS funcionando”, alerta.
Periferia carente
Tereza ressalta que os moradores das periferias das cidades brasileiras vivem uma situação pior, já que o auxílio emergencial não chega a todos e as famílias vivem em cômodos pequenos, em aglomeração. O líder comunitário Claudinho Silva confirma: “O dado real é que efetivamente esses R$ 600 reais não chegou pra todo mundo. Moro no Jardim Monte Azul, zona sul de São Paulo, Juntamos algumas lideranças aqui da região e criamos um comitê popular de acompanhamento. Temos nos deparado com muitas situações”.
Claudinho diz que são muitos os cidadãos que não têm documentos e agora não conseguem acessar os serviços. E, portanto, não recebem o auxílio. “A situação na periferia é muito triste e, se a gente pensar adiante, é de desesperar. Tem mulheres com seis filhos, sem emprego, era diarista, cuidadora e não pode mais ir trabalhar”, lamenta o líder comunitário.
Junto a outros integrantes do Comitê Popular de Enfrentamento ao Covid-19, líderes de vários bairros da região, Claudinho tem feito ações de solidariedade para ajudar quem mais precisa. “Quando a gente se viu nessa situação de ter de ficar todo mundo em casa, sem ter condição pra isso, resolvemos nos juntar pra poder de alguma forma oferecer algum caminho de amparo pra essas pessoas. Temos feito materiais de divulgação para as pessoas se protegerem mais”, relata. “Fazemos também ação de busca de alimentação para essas pessoas. Hoje estamos entregando 350 cestas básicas para famílias aqui: 70% desempregadas, 80% lideradas por mulheres. Uma situação de emergência alimentar. Vamos à farmácia, UBS para buscar remédio, supermercado”.
Direito a ficar em casa
Para Tereza, a grande questão é a pessoa ter o direito de ficar em casa. “Lembrando que tudo que o governo fala só serve para a classe média: ficar em casa, passar álcool gel, a questão do espaço. Precisamos orientar a população pobre que está desesperada porque ainda não recebeu nada”, afirma.
Claudinho conta que há coisas que assustam. “Estamos no aguardo de uma medida que considere favelas e aglomerados urbanos nas políticas de combate ao Covid-19. Tem gente que mora num cômodo só. Como vamos enfrentar isso, o poder público vai enfrentar como? É um apelo que eu faço a parlamentares, prefeitos, governadores, principalmente os de esquerda, porque a direita não está pensando nisso. Só pensa em abrir comércio, bancos, e a gente está aqui tentando preservar vidas.”
Ele avisa: a periferia não vai assistir de braços cruzados o efeito do coronavírus, que vai ser devastador. “A gente precisa agir e colaborar para que a informação que a gente tem chegue a outras pessoas. É muito triste assistir nosso governo que não fala em negociar com os movimentos sociais. Fala até em negociar com milícia, mas ignora os movimentos sociais. Temos CEUs, casas de cultura, que poderiam servir para ajudar a desaglomerar as pessoas”, diz
Hora de dar crédito
Radicada na Inglaterra, onde onde atua como pesquisadora associada na Universidade de Nottingham em projetos na área de segurança alimentar, Tereza conta que no Reino Unido as pessoas recebem algo em torno de R$ 6 mil para passar pela pandemia com alguma tranquilidade. “Era o momento de dar crédito e confiar na população pobre”, avalia a economista, sobre a imensa burocracia que tem travado o pagamento do auxílio emergencial.
“O dinheiro para os bancos saiu na mesma hora”, critica, a respeito do R$ 1,2 trilhão colocado à disposição dos bancos pelo governo Bolsonaro. “Claro que tem de manter a economia viva, mas não dá pra ter tudo para os bancos e nada para a população”, disse, lembrando que o que será gasto com a renda emergencial chega a R$ 30 bilhões por mês. “E um trilhão para os bancos, enquanto para o SUS e para a população se fala em bilhões. Só”, denuncia.
Parafraseando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ex-ministra salientou que o dinheiro que vai para as mãos de uma mãe de família vai virar comida. “E não é importante só pra família, mas para manter a economia funcionando. O que está funcionando é isso, farmácia, alimentação. Se a gente conseguir, o Brasil vai um pouco menos para o buraco”, recomenda.
“O governo não está ajudando essas três frentes: o informal, o assalariado que está sendo jogado no desemprego – que só cresce –, e o micro e pequeno empresário”, lamenta. “Tem gente dizendo que quer abrir porque está vendo sua empresa quebrar. O que está sendo colocado para o país é como estaremos em três ou quatro meses quando isso começar a passar. A hora é de gastar e depois vemos como fazer com a conta, se não, não vai ter depois”.