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Todos os atentados contra a lógica contidos na sentença de Moro

Juiz de primeira instância do Paraná se escora em falácias e sofismas incontornáveis para proferir uma condenação sem provas e suporte lógico

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Obra de professor de lógica traz abordagem original sobre a sentença de Moro

Sobre a sentença de Sérgio Moro que condenou Lula a nove anos e meio de prisão, muito já se falou. Muito já se falou sobre suas inconsistências jurídicas, falta de provas, ação deliberada de não levar em conta testemunhas e evidências trazidas pela Defesa, supervalorização de um único depoimento de um delator premiado.

Artigos e livros de renomados juristas já foram escritos e resenhados sobre a peça jurídica. Reportagens de quem ainda faz jornalismo comprometido com os fatos já foram escritas, televisionadas.

O que torna, então, o livro “Falácias de Moro – Análise Lógica da Sentença Condenatória de Luiz Inácio Lula da Silva“, uma novidade, uma obra que vale a pena ser lida tanto pelos já iniciados e versados no assunto quanto por aqueles que começam a despertar interesse pelo famigerado processo do triplex da OAS?

É o submetimento da peça condenatória de Moro ao escrutínio da ciência lógica, “independentemente do juízo de valor que sobre ela se realize, independentemente de qualquer ideologia, sendo tão somente uma análise lógica do conjunto de juízos e raciocínios presentes na sentença” o que torna o livro original e indispensável.

O autor, Euclides André Mance, professor de Lógica, Filosofia da Ciência e Semiótica, com exatidão matemática, identificou na condenação dezenas de falácias, na acepção técnica do termo: “erro de raciocínio, argumento sem consistência lógica, que não tem, pois, validade para sustentar a conclusão afirmada.”

Pode-se concordar ou discordar da maneira como Moro enxerga o Direito ou a realidade política do país. Não se pode questionar a precisão técnica do livro e das conclusões de Euclides Mance.

Ele explica que principais falácias na argumentação da sentença ocorrem em dez pontos principais. Entre eles, o trato dos depoimentos de dois réus colaboradores que foram ouvidos como testemunhas, o trato de um artigo do jornal “O Globo”, a dissolução do conceito de propriedade do imóvel e o trato do suposto repasse do imóvel ao ex-presidente.

Veja, abaixo, as principais falácias detectadas pelo filósofo na sentença do juiz de primeira instância do Paraná.

“Já foi me dito que era do presidente”: Falácia do apelo à crença comum

O primeiro equívoco lógico apontado pelo filósofo está relacionado à afirmação de Léo Pinheiro (sócio minoritário da OAS e delator premiado no processo) de que o triplex no Guarujá era de fato de Lula. No depoimento a Moro, Pinheiro afirma: “Desde o dia em que me passaram para estudar os empreendimentos da Bancoop, já me foi dito que (o imóvel) era do presidente Lula e de sua família.”

Na sentença, Moro dá a esta afirmação (“me foi dito”) um valor de prova, evidência inconteste de que Lula era o destinatário do imóvel. É o que a ciência lógica trata por falácia do argumento ad populum, ou de apelo à crença comum. Pinheiro afirma que “já foi me dito que era do presidente Lula”, mas a sentença não elucida quem na teria informado Pinheiro do esquema, quais provas existem a sustentar esta afirmação. Assim, a forma argumentativa de Pinheiro aceita por Moro seria:

Se já foi me dito que o triplex era do presidente, então, o triplex era do presidente. 


A Matéria de “O Globo”: Falácia de circularidade

Na sentença, Moro cita como um elemento probatório de que o tríplex era de Lula uma matéria do jornal “O Globo” publicada em 2010. Na reportagem, intitulada “Caso Bancoop: triplex do casal Lula está atrasado”, Lula e Marisa são apontados como donos de uma cobertura no Guarujá.

Moro não questiona a veracidade da matéria jornalística publicada, de pronto a valoriza como elemento probatório. Segundo o filósofo, trata-se de uma falácia de circularidade, quando a premissa e a conclusão apresentam um círculo vicioso. A forma argumentativa de Moro, segundo o filósofo, é a seguinte:

A afirmação, publicada na matéria em 2010, de que o ex-presidente é proprietário do imóvel, é elemento probatório de que o ex-presidente é proprietário do imóvel. Porque se ele não fosse proprietário do imóvel, não existiria essa afirmação na matéria em 2010.

O autor do livro sequer chega à mais básica abordagem jurídica sobre a questão, portanto não chega a apontar que reportagem em jornal jamais pode servir de prova em um processo judicial, quando muito é fato indiciário a ser levado em conta pelas autoridades investigativas, que têm o dever de buscar provas concretas sobre a letra no papel-jornal.

“As reformas foram feitas por solicitação do ex-Presidente”: Falácia non sequitur

Uma das controvérsias do processo reside sobre alegação de que  Lula e Marisa teriam solicitado reformas no imóvel. Segundo Mance, Moro considera que o fato de eles (supostamente) terem autorizado mudanças no apartamento constitui prova de sua propriedade sobre o imóvel. Mance considera esse argumento um falácia no sequitur, quando não há conexão entre as premissas e a conclusão.

A forma argumentativa de Moro, segundo o filósofo, é:

Se alguém é proprietário de um imóvel, então aprova as reformas.
Ora, o ex-presidente aprova as reformas
Então ele é proprietário do imóvel.

De acordo com Mance, o argumento é falacioso pois não há uma relação necessária e suficiente entre autorizar reformas e ser o proprietário de um imóvel. A forma argumentativa de Moro permitiria também dizer que:

Se alguém é proprietário de um imóvel, então aprova as reformas.
Ora, o arquiteto, o engenheiro e o corpo de bombeiros aprovaram as reformas do imóvel.
Então, o arquiteto, o engenheiro e o corpo de bombeiros são proprietários do imóvel.

 

“Reformas não seriam pagas”: Falácia de apelo à presciência

Na sentença, Moro argumenta que os gastos com as reformas do apartamento “não seriam pagos pelo ex-presidente e por sua esposa”, mas seriam consumidos como vantagem indevida em um acerto de corrupção. Segundo o autor, a afirmação “toma por fato acontecido o que era mera suposição do que poderia ser dar no futuro”.

Moro acaba por confiar que Lula “não pagaria” as reformas, mas não tem conhecimento do futuro para saber se os custos ficariam a cargo do ex-presidente ou da OAS. ele apenas supõe que seria assim. É um argumento que considera apenas um cenário em meio a outros tantos possíveis. Na lógica, esse tipo de presciência sobre o futuro, diz Mance, costuma ser reservado apenas a entidades divinas. Na teologia, só Deus é capaz de prever o futuro.

Por Vinícius Segalla, da Agência PT de Notícias