A ‘Carta de Conjuntura’ divulgada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas (Ipea) na quinta (8) mostra que três em cada dez lares brasileiros terminaram o ano passado sem renda oriunda do trabalho. A proporção de domicílios nessa condição aumentou de 25,09% no primeiro trimestre de 2020 para 31,56% no segundo trimestre, caindo levemente para 31,24% no terceiro trimestre. No quarto trimestre, o percentual ficou em 29,01%.
O estudo foi realizado com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ele também mostra que a proporção de famílias brasileiras na faixa de renda mais baixa – menos que R$ 1.650,50 mensais – cresceu de 25,84% no primeiro trimestre de 2020 para 26,72% no quarto trimestre. Na faixa de renda acima de R$ 16.509,66 por mês, a fatia de domicílios caiu de 2,69% para 2,27% no período.
“A forte queda da população ocupada causou um considerável impacto negativo na massa salarial real habitual. No trimestre móvel terminado em janeiro de 2021, a queda da massa de rendimentos habituais foi de 6,9% (somando R$ 211,4 bilhões) e a queda da massa efetiva foi de 11,1% em comparação com o ano anterior, totalizando R$ 228,4 bilhões”, atestou Sandro Sacchet de Carvalho, técnico de Pesquisa e Planejamento do Ipea.
O estudo também aponta que os trabalhadores mais atingidos pela pandemia foram os que trabalham por conta própria. Enquanto suas rendas habituais cresceram 5,2% no segundo trimestre, a renda efetiva caiu 17,2%, fazendo com que eles tivessem recebido apenas 76% da renda habitual nesse trimestre. Mesmo no quarto trimestre os trabalhadores por conta própria recebiam somente 90% da renda habitual.
Os trabalhadores privados sem carteira, por sua vez, receberam 87% da renda habitual no segundo trimestre e 96% no quarto trimestre de 2020. A análise da renda efetiva nos três últimos meses do ano passado indica que ela caiu inclusive entre os trabalhadores privados com carteira (-1,4%) e os do setor público (-0,2%), chegando a 6,7% de redução para aqueles por conta própria.
Para Sacchet, a “lenta recuperação” ainda não havia se consolidado ao final do ano, quando o país foi atingido pelo início da segunda onda da Covid-19. “De fato, muitos grupos apresentaram uma queda dos rendimentos efetivos no quarto trimestre de 2020, sinalizando potenciais efeitos do início da segunda onda no país, impactos que poderão ser mais bem compreendidos quando dados do primeiro trimestre de 2021 forem divulgados”, concluiu o pesquisador.
Bolsonaro culpa IBGE pelo desemprego histórico
Acuado pelos catastróficos resultados de sua inação no combate à pandemia, e agora pelo acúmulo de péssimos indicadores da desastrosa política econômica de seu desgoverno, Jair Bolsonaro reage como sempre: transferindo responsabilidades e acusando o mensageiro pelas más notícias. Nesta quinta, ele voltou a culpar a Pnad Contínua pelo aumento do desemprego no Brasil medido pelo IBGE, e ameaçou intervir no instituto, criado em 1936.
“Estamos criando empregos formais mês a mês. Mas tem aumentado o desemprego por causa dessa metodologia do IBGE que atendia ao governo da época”, disse em entrevista à CNN, omitindo as mudanças promovidas no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
Antes do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, em 2016, o Caged contabilizava apenas empregos formais, com carteira assinada e por prazo indeterminado. Depois da destituição da presidenta, passou a contabilizar também os aprendizes e a nova modalidade de contratos, os intermitentes, legalizados pela demolição da CLT promovida pelo usurpador Michel Temer.
O contrato intermitente é contabilizado pelo Caged, apesar de permitir que o patrão chame o trabalhador apenas quando precisar. O empregado não trabalha os 21 dias úteis de cada mês e pode ganhar menos de um salário mínimo. Em janeiro de 2019, já sob Bolsonaro e seu ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, as empresas obrigatoriamente passaram a incluir no Caged os trabalhadores com contratos temporários.
“A obrigação tornou a pesquisa mais ampla, e não se pode comparar um ano com outro”, explica a técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Rosângela Vieira. “Os desligamentos podem estar subnotificados. Então os saldos positivos podem estar mal dimensionados”, conclui.
A última Pnad, divulgada em 31 de março, registrou uma taxa de desemprego de 14,2%, atingindo 14,3 milhões de pessoas no trimestre encerrado em janeiro. Este é o maior número de desempregados que o país registra desde 2012, início da série histórica.
Da Redação