Da Redação, Agência Todas
Nesta quinta-feira, 6, a transmissão ao vivo do programa Elas Por Elas, da TVPT, abordou os avanços e retrocessos da Lei Maria da Penha, que amanhã comemora 14 anos.
Sancionada em 2006, no governo Lula, a Lei Maria da Penha (LMP) revolucionou o debate sobre o enfrentamento à violência contra a mulher no Brasil, no entanto vem sofrendo fortes ataques em sua aplicação durante o governo Bolsonaro. Para falar sobre esse assunto, Erika Kokay, deputada federal PT/DF; Thayná Yaredy, advogada, assessora de projetos da Conectas e colaboradora dos coletivos Me Representa e TretAqui; e Sonia Coelho, da Marcha Mundial das Mulheres, participaram do programa, mediado por Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT
Thayná abriu os debates contextualizando a situação alarmante dos dados de violência no país, onde somos o 5º país que mais pratica feminicídio no mundo. Com a pandemia, boa parte das mulheres estão sobrecarregadas com os afazeres do lar e muitas sem a chance de sair de uma situação de violência.
“A gente tem 14 anos de avança de uma lei, mas temos que lutar contra a violência e o feminicídio. A falta de conhecimento faz com que a gente perca a oportunidade de salvar mais vidas. Ainda mais tendo as mulheres sobrecarregadas de tarefas domésticas, cuidados com as crianças. A maior parte são mulheres negras que sofrem machismo institucional e estrutural”, apontou a advogada.
A condição de vulnerabilidade das trans e travestis que não são reconhecidas como mulheres pela maior parte das instituições também foi abordada, reforçando que a violência doméstica é uma pandemia anterior à atual crise e que sobrepõe à pandemia de Covid-19.
A LMP tem sido um pontapé importante para alargar projetos de lei e outras proposituras no Congresso e no Senado para entender que o atendimento e o investimento em equipamentos também são importantes no combate à violência, assim como campanhas de educação e conscientização.
Sônia Coelho, da Marcha Mundial de Mulheres, afirma que, apesar de uma conquista fruto de muita luta dos movimentos sociais e feministas, a lei foi aprovada porque havia um governo sensível à situação das mulheres.
“Vivemos em uma sociedade patriarcal, racista e essa violência é estrutural do patriarcado. É a mais grave expressão das desigualdades que a gente vive na sociedade — verdadeira causa da violência. Precisamos olhar as várias dimensões que permite a perpetuação da violência contra a mulher”, apontou Sônia.
Para acabar com a desigualdade, é preciso mudar e romper muita coisa, explicou Sônia, de modo a construir autonomia para as mulheres e que elas possam sair de uma situação de violência. Dentre as dimensões apontadas, estão por exemplo, o Estado garantir condição a creche, salário igual, moradia, terra, renda, ou seja, uma série de condições materiais para que as mulheres possam ter melhores condições de enfrentar a violência.
A desidratação da LMP
Logo depois do golpe, estamos assistindo ao desmonte das políticas públicas que visam implantar esse sistema ultraneoliberal que se articula com o conservadorismo, prescinde da democracia e precisa da violência. E, portanto, atua de forma violenta sobre a classe trabalhadora e as mulheres.
“Esse governo desmontou a estratégia de construir um pacto nacional pelo enfrentamento à violência contra a mulher =– fazer interpelar estados e municípios para que ambos pudessem combater e fazer o enfrentamento por meio de serviços, formação para os trabalhadores, construindo, reformando, tinha uma pressão federal para que isso funcionasse nos seus Estados. Tinha incentivo e tinha recursos. Agora não tem mais”, denuncia Sônia Coelho, da MMM.
Erika Kokay, deputada federal, explica que esse fênomeno não está isolado. Atualmente, o Congresso brasileiro atua sob as bases de três tipos de fundamentalismo: religioso (romper a laicidade), patrimonialista (o patrimônio se sobrepõe a qualquer coisa), punitivista (todos são culpados). Foi Eduardo Cunha na presidência da Câmara que trouxe a centralidade da agenda fundamentalista para a Câmara Federal e gestou a eleição do presidente Bolsonaro.
Portanto, o atual governo representa a agenda de profundos retrocessos que eles querem instaurar. Isso se dá porque as crises colocam em situação de ameaça e fragilidade as conquistas de direitos — e são as mulheres a primeira a perderem seus avanços. Em um ano marcado por uma profusão de crises de diversas ordens: sanitária, econômica, social, ambiental, política e ética — elas constróem a gênese e a estratégia de existência do próprio governo.
“Essa agenda ultraconservadora traz desafios a serem vencidos no Congresso Nacional. Eles não tem coragem de dizer que são contra a LMP, no entanto produzem e elaboram proposições que ferem a própria LMP. Por exemplo, o que é uma “Escola Sem Partido” com a proibição da discussão de gênero nas escolas? Sendo que nada mais é que impedir a perpetuação da cultura machista, patriarcal e de violência contra as mulheres?”, apontou Erika.
Nesse contexto, Sônia Coelho citou uma outra ativista feminista, Rita Segato, em nesse momento, de sistema ultraneoliberal, conservador, a sociedade propicia um mandato de potência para os homens. O machismo se acirra e os homens, nessa conjuntura, se sentem muito mais à vontade para exercer a violência contra a mulher.
As leis só não bastam.
As leis são instrumentos de conquistas de direito. Sensibilidade Essa é a terceira melhor legislação em todo mundo no combate à violência doméstica, portanto precisamos atuar para que ela seja cumprida com muita mobilização, organização e resistência.
Quando a gente está na rua, ninguém sabe o que nós somos. É em casa que a gente tem nome, história, laços afetivos. E tem milhões de mulheres que tem medo de voltar pra casa. Porque a violência doméstica funciona como arrancar a pessoa dentro dela mesmo. É um esvaziamento. Processo muito semelhante ao da tortura. De repente, a mulher olha para dentro dela e ela se tornou o espelho do desejo do homem — que é parte de um colonialismo. Os donos da terra se sentiam dono das crianças, mulheres, dos trabalhadores. E quando a lei vem, ela vem fruto desse processo de construção, ela é semente. Semente porque ela inicia um processo de desnaturalização da violência que atinge as mulheres.