A direita brasileira adora trocar palavras.
Fala que retrocesso é reforma, chama golpe de revolução.
Mas a versão clássica é transformar a vítima em agressor.
É o que faz o jornal O Estado de São Paulo, no editorial “A guerra do PT“, publicado no dia 23 de abril.
Analisando várias teses inscritas para debate no quinto congresso partidário, o editorial do Estadão acusa: “o PT julga que está em guerra”.
E pergunta: “De que guerra falam os petistas? Contra quem eles acreditam travar batalhas de vida ou morte, em plena democracia? Qual seria o terrível casus belli a invocar, posto que todos os direitos políticos estão em vigor e as instituições funcionam perfeitamente?”
Quem pergunta, quer resposta, assim aqui vai: existe um setor da direita, do grande capital e do oligopólio da mídia que trabalha abertamente pela interdição do PT, incluindo aí a cassação da legenda partidária, a prisão de dirigentes e a desmoralização política do petismo.
Se o PT fosse o único alvo, seria um problema apenas dos petistas.
Mas o alvo é mais amplo: está na mira o conjunto dos direitos das classes trabalhadoras brasileiras.
Não por acaso, o ataque contra o PT coincide com a votação da PL 4330 (que rasga a CLT), com a ameaça de adoção do voto distrital (questionando a democrática representação proporcional) e com uma nova campanha pela privatização do petróleo.
Não por acaso, o editorial do Estadão contra o PT ataca também “a inversão moral que levou o governador petista de Minas, Fernando Pimentel, a condecorar o líder do MST, João Pedro Stédile, um notório fora da lei, com a Medalha da Inconfidência, que celebra a saga libertária de Tiradentes”.
Aliás, a respeito de Stédile recomendamos assistir ao editorial do “Grupo Bandeirantes“.
Para aqueles setores da direita, do grande capital e do oligopólio da mídia, atacar e interditar o PT é um passo indispensável para romper um impasse político de fundo, a saber: nosso sistema político-eleitoral não agrada nem a oposição de direita, nem agrada a esquerda.
A oposição de direita assistiu as atuais regras do jogo permitirem (ou não impedirem) ao PT vencer por quatro vezes a presidência da República.
A esquerda assistiu as atuais regras do jogo permitirem (e estimularem) a formação de maiorias congressuais de centro-direita.
A esquerda tenta resolver este impasse político através de uma reforma política democratizante, Assembléia Constituinte e participação popular.
A direita tenta resolver o impasse via reforma política conservadora, judicialização da política e criminalização da mobilização social.
O impasse político desgasta a esquerda (que não consegue maioria congressual para implementar mudanças) e fortalece a direita (que sonha com utilizar a maioria congressual não apenas para achacar e sabotar o governo, mas também para fazer o impeachment).
Uma solução popular para a crise política passa por mais democracia, não por menos democracia.
Por isto nossa defesa da Assembleia Constituinte, da participação popular e da legitimidade dos processos eleitorais. Se a oposição de direita quer nos derrotar, que se organize para disputar as eleições de 2016 e 2018.
O impasse político decorre, por sua vez, de um impasse econômico-social de fundo.
Assim como 1954 e 1964 não foram por acaso, o que está ocorrendo agora também não é por acaso.
Toda vez que o Brasil teve governos que adotaram uma política externa soberana, que garantiram progressos na qualidade de vida do povo e certa ampliação nas liberdades democráticas, as classes dominantes reagiram em favor das medidas opostas: dependência externa, restrições às liberdades, desigualdade social.
Hoje vivemos mais um destes momentos de definição entre dois caminhos para o Brasil: ou bem regressamos ao desenvolvimento conservador de viés neoliberal, com dependência externa, restrições às liberdades democráticas e aprofundamento da desigualdade social; ou bem avançamos em direção a um desenvolvimento de novo tipo, democrático-popular e articulado ao socialismo.
Isto dito, não existe uma guerra “do” PT.
Existe uma guerra “contra” o PT e contra os direitos da maioria do povo brasileiro.
E tanto o PT quanto a maioria do povo podem e devem exercer seu direito de defesa.
Não é preciso ser petista nem de esquerda para perceber e concordar com isto.
Valter Pomar é historiador e dirigente nacional do PT