Após o afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff, o presidente golpista Michel Temer surpreendeu ao indicar José Serra (PSDB) para ser ministro das Relações Exteriores. Apesar de a postura do vice-presidente já ter sinalizado de antemão que seu governo traria retrocessos, o nome do tucano nesta pasta causou espanto, primeiramente pela formação do senador. Ele é economista e, desde 1993, a chefia do MRE é exercida por diplomatas.
Serra também é dono de uma pauta para relações internacionais que foi derrotada nas urnas, em 2010, quando perdeu eleições presidenciais. Suas propostas eram, principalmente, afastar o Brasil de países vizinhos e retroceder em acordos comerciais firmados com países africanos e asiáticos. A escolha vitoriosa foi da continuidade da política externa implementada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde 2003.
À Agência PT de Notícias, o ex-secretário de Relações Internacionais e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), Valter Pomar, avaliou as principais consequências desta antidemocrática mudança de rumos. Na prática, a pauta de Serra “é um desastre para o Brasil”, pois subordinará o país aos Estados Unidos e o afastará dos BRICS e prejudicará a integração regional autônoma. “O resultado será apequenar a presença internacional do Brasil”.
Pesa também sobre Serra a autoria da alteração das regras de exploração de uma das mais importantes reservas energéticas do Brasil, retirando da Petrobras a exclusividade das atividades no pré-sal.
Abaixo, a entrevista completa:
São diversos os setores ameaçados pelo golpe e pelas decisões de Michel Temer. As relações do Brasil com países da América Latina, Caribe e África devem sofrer retrocessos, de acordo com a postura de José Serra. Qual é sua avaliação sobre este fato?
O ministro golpista vai tentar implementar o que está implícito no “Ponte para o futuro”: subordinar o Brasil aos Estados Unidos, afastar o Brasil dos BRICS e afastar o Brasil da integração regional autônoma. E vai tentar consolidar esta nova política através da adesão do país a acordos internacionais que criem amarras de longo prazo. Caso tenha êxito, o resultado será apequenar a presença internacional do Brasil. Um exemplo disto é a presença brasileira na África, que o ministro golpista parece considerar a partir do custo de instalação de embaixadas.
José Serra não é diplomata. Em sua opinião, isto pode ser ruim para o MRE?
Ruim para o MRE é estar sob direção interina de um presidente golpista e de um ministro golpista. É curioso, aliás, como o oligopólio da mídia é hipócrita. Quando se trata de alguém de esquerda, eles usam todos os argumentos possíveis para desqualificar, por exemplo argumentos técnicos, burocráticos e de partidarização. Mas quando é alguém de direita, eles arquivam estes argumentos.
O mesmo vale para alguns integrantes do Itamaraty: imagino se Lula ou Dilma tivessem nomeado um não-diplomata para o Itamaraty, que tipo de comentário fariam. Claro, como já disse um humorista, que ter como chefe da diplomacia alguém que não tem nenhum amigo é meio estranho. Mas o problema real é que a política de Serra é um desastre para o Brasil.
O presidente golpista já recebeu manifestações de repúdio e não recebeu saudações positivas. Na prática, quais são os riscos de o Brasil se isolar internacionalmente?
O isolamento não é do Brasil, o isolamento é do governo golpista. A percepção internacional é de que o governo Temer é golpista. Agora, esta percepção vai durar ou não, a depender da reação popular ao golpismo. Quem pode derrotar os golpistas somos nós. A solidariedade internacional é um fator muito positivo, mas não é o decisivo.
Qual é o impacto, em nível regional, de não reconhecimento do governo golpista por parte da Unasul?
Claro que apoio internacional é útil para mobilizar. Mas o fundamental depende da reação interna. Desde 1998, a integração da América do Sul teve três suportes principais: Argentina, Brasil e Venezuela. E teve um inimigo principal: os Estados Unidos. Hoje, a direita governa a Argentina, deu um golpe jurídico-parlamentar no Brasil e está a busca dos meios para forjar um golpe na Venezuela. Evidente que isto reduz o impacto prático das decisões de organismos como a Unasul. Se a reação popular ao governo golpista se ampliar, incorporando não apenas quem foi às ruas antes de 12 de maio, mas também amplos setores da população que ficaram assistindo e até agora não se mobilizaram, neste caso o governo golpista será breve.
Por Daniella Cambaúva, da Agência PT de Notícias