O vereador Fernando Holiday (DEM-SP), ligado ao Movimento Brasil Livre (MBL) apresentou um Projeto de Lei que propõe um grande retrocesso ao dificultar a realização do aborto em casos que já são permitidos pela lei na cidade de São Paulo. O PL 0352/2019 também prevê internação psiquiátrica de gestantes que queiram interromper uma gestação nos casos não previstos em lei.
No Brasil, atualmente o Código Penal Brasileiro prevê que a interrupção da gravidez pode ser feita pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em três situações: quando a mulher é vítima de violência sexual, risco de vida da mãe e em casos de feto anencéfalo. A proposta de Holiday é que para conseguir realizar o procedimento, a mulher deverá primeiro obter um alvará judicial e esperar 15 dias, segundo noticiou o Universa UOL.
Durante esse tempo, a gestante também será obrigada a receber atendimento psicológico que possa “dissuadi-la da ideia de realizar o abortamento”, terá que fazer exame de imagem e som “que demonstre a existência de órgãos vitais, funções vitais e batimentos cardíacos” e receberá “explicação sobre os atos de destruição, fatiamento e sucção do feto”.
Para o vereador que é conhecido por suas posições contra o direito dos negros, das mulheres e dos LGBTs, “não basta a palavra da mulher, é preciso autorização do juiz para a realização de um aborto”.
Especialistas da área da saúde e do direito criticaram a proposta em entrevista ao Universa, porque segundo eles, a solicitação do alvará acabaria por inviabilizar o aborto legal, já que a Justiça pode demorar meses para julgar o caso, e mesmo que consiga julgar a tempo, o projeto também determina que o município deve recorrer, a fim de suspender ou cassar a decisão favorável à interrupção de gestação.
A advogada da Anis – Instituto de Bioética, Gabriela Rondon explicou que “certamente as mais afetadas por essa lei seriam as crianças e adolescentes violadas por alguém próximo ou da família, porque são as que têm mais dificuldade de fazer uma denúncia, e passariam a ser rejeitadas pelo serviço de saúde”.
PL fere Código de Ética do Psicólogo
Para a psicóloga e especialista no atendimento a vítimas de violência sexual, Daniela Pedroso, o trecho do PL que fala de dissuadir a mulher a realizar o procedimento, fere o código de ética da profissão. “O psicólogo não pode dissuadir ninguém a tomar uma posição. O nosso papel é acolher a mulher, independente da nossa opinião”.
Daniela falou também da tortura que é obrigar uma vítima grávida decorrente de violência sexual a fazer exame de imagem e som. “Ao obrigar a mulher a ver e ouvir esse feto ou embrião, você está praticando uma violência institucional. É muito cruel lembrá-la, mais uma vez, de que essa gravidez é fruto de um estupro”.
O Projeto define ainda que em casos que a gestante for menor de idade os pais ou responsáveis também deverão ver as imagens. O médico e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Jefferson Drezett, que esteve mais de 20 anos à frente do serviço de aborto legal do Hospital Peróla Byington, em São Paulo, afirmou não ter dúvidas de que “a proposição está dentro das definições de tortura. Isso é inaceitável”.
O médico e coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA) e membro da Comissão de Violência Sexual e Interrupção da Gestação Prevista por Lei da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Thomaz Gollop, declarou que “o projeto do vereador Holiday foge aos mais rudimentares conceitos de dignidade e respeito ao ser humano. Não cabe ao profissional da área da saúde, seja médico, psicólogo, assistente social ou defensor público, dizer à mulher o que ela deve fazer”.
PL viola Código Penal
A proposta de Holiday também determina que mulheres que desejarem realizar aborto em casos previstos pela lei terão que passar obrigatoriamente por atendimento religioso, sempre que ela e seus pais expressarem qualquer forma de teísmo.
Ele também prevê que o município disponibilize um telefone gratuito para atendimento de assistência psicológica às gestantes que pensam em realizar um aborto. De acordo com o texto, o objetivo é ter “locais de auxílio psicossocial e religioso, a fim de coibir a prática do abortamento”, informar sobre a “desnecessidade do abortamento por conta da possibilidade de adoção” e a “existência de vida a partir da concepção”.
O PL ainda define que nas escolas, devem ser exibidos para estudantes “áudio e vídeo que demonstrem a existência de batimentos cardíacos e outros sinais vitais no feto e no embrião” e “orientação religiosa sobre a bioética do abortamento”.
A advogada e cofundadora da Rede Feminista de Juristas, Isabela Guimarães Del Monde, explicou que o PL “além de violar o Código Penal e descumprir as normas técnicas do Ministério da Saúde, ele vai contra tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Uma lei municipal não pode ignorar todo esse arcabouço legislativo anterior”.
“Já existe um entendimento consolidado de que não é preciso apresentar boletim de ocorrência nem alvará judicial para o exercício desse direito. E quando um PL prevê que as mulheres de um município tenham acesso mais restrito do que no resto do Brasil a um atendimento de saúde, isso é inconstitucional”, finalizou Del Monde.
Da Redação da Secretaria Nacional de Mulheres do PT com informações da Universa UOL